Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Radu Jude: 'Somos formatados a escrever filmes de uma única forma'

Radu Jude saiu de Loacrno com o Leopardo de Prata por 'Não Espere Muito do Fim do Mundo' | Foto: Divulgação

 

Depois de "Má Sorte no Sexo ou Pornô Acidental" (Urso de Ouro de 2021), Radu Jude virou um popstar autoral, vicejando a chamada Primavera Romena. O termo se refere a uma onda de filmes que apareceu em Bucareste a partir de 2005, sempre de tom irônico, nas raias de um humor rascante, que sempre denuncia incongruências de governo.

Nesta sexta, seu longa-metragem mais recente, "Não Espere Muito Do Fim Do Mundo" ("Nu Astepta Prea Mult De La Sfârsitul Lumii"), que ganhou o Prêmio do Júri no Festival de Locarno, chega ao Brasil, via MUBI.

Sua atriz, Ilinca Manolache, tem um desempenho em estado de graça. É um estudo sobre o sucateamento das relações laborais, centrado no empenho de uma produtora (Ilinca, brilhante) em filmar pessoas que sofreram acidentes de trabalho.

A partir do dia 10, seis curtas dele entra no www.mubi.com, incluindo como "Plastic Semiotic" (2021) e "The Potemkinists" (2022).

Além do que se vê nos noticiários, as principais informações que o mundo teve sobre a Romênia nos últimos 20 anos se deve ao cinema, a uma série de longas-metragens em que seus conterrâneos mapearam a vida em seu país. Como é essa Romênia das telas e o quanto ela traduz a realidade de sua pátria?

Radu Jude: Se eu sei algo sobre o Brasil, foi o Cinema Novo que me ensinou. Aprendi sobre vocês com Nelson Pereira dos Santos e com Glauber Rocha. Recentemente, eu vi "Baronesa", de Juliana Antunes, que é uma valiosa expressão e me deixou impressionado com o que vocês são capazes de fazer. O cinema tem essa habilidade de formar comunidades ao apresentar um mundo a outro. No caso da Romênia, estamos atravessando uma fase de transformação. Em termos de contradição social, estamos sempre no limite, embora o risco atual não esteja tão ameaçador quanto já foi. Não temos um Bolsonaro hoje no Poder. Mas há um pleito para que nossos filmes se tornem mais comerciais, até por parte dos intelectuais, e passamos por uma influência da comédia stand-up. Não vejo nossa filmografia em seu melhor momento.

Há exceções?

Há, mas eu não vejo os jovens que estão chegando trazendo a audácia de que um bom cinema precisa. Nesse contexto, o que eu venho fazendo é tentando ser autêntico, ser eu. Há em "Não Espere Muito do Fim Do Mundo" uma longa sequência com cruzes. Seria normal que qualquer produtor se propusesse a cortar aquilo, mas eu briguei para aquela imagem se manter onde está, como está. Somos formatados hoje a escrever filmes de uma única forma. Mas eu não crio filmes em função das histórias e, sim, de uma busca por estruturas, por abordagens que possam ser únicas.

De que forma a vida na Romênia cabe nessas estruturas?

Godard dizia que assistia a partidas de futebol porque era a única transmissão audiovisual na qual ele poderia ver pessoas trabalhando por 90 minutos sem parar. Ver um jogo é ver trabalho. Eu, que já fiz publicidade e filmes institucionais para sobreviver, quis mostrar uma jornada de trabalho. Mais do que isso, quis retratar um cotidiano avesso ao fascismo, nos vídeos da personagem de Ilinca.

Muitas pessoas, a partir de hoje, vão descobrir seu longa-metragem - um filme feito como um espetáculo audiovisual para a tela grande - no ambiente do streaming, na grade da MUBI. Como você lida com essa lógica do streaming?

A maior parte do conhecimento cinematográfico que eu tenho vem da pirataria. É óbvio que desejo ver meu filme projetado, com som bom. Mas eu não tenho nada contra a Netflix e aprecio o trabalho da MUBI. Lá, você pode ver um Godard num dia, um curta da América do Sul no outro, um clássico de Hollywood na sequência. Acho que eu tenho uma das primeiras assinaturas do www.mubi.com desde que a plataforma surgiu. Não sou um purista. Sei do valor de novos suportes para a descobrirmos filmes.