Por: Pedro Sobreiro

Independente do Oscar, Fernanda Torres de 'Ainda Estou Aqui'

'Ainda Estou Aqui' está cotado para representar o Brasil na cerimônia do Oscar | Foto: Divulgação

"Acho que o filme tem grande chance de estar entre os melhores filmes estrangeiros, estamos trabalhando para talvez outras categorias também. Esse filme já é um acontecimento para a gente. Ele já está no mundo". Com essas palavras, Fernanda Torres - protagonista de "Ainda Estou Aqui" - comentou sobre as chances do longa de Walter Salles na cerimônia do Oscar 2025.

Fernanda, Salles e o elenco do filme - premiado como o melhor roteiro do Festival de Cannes - participaram de coletiva após sessão exclusiva para a imprensa realizada nesta sexta-feira (18), em São Paulo.

A atriz roubou a cena com seu jeito divertido, mas sempre levantando questões pertinentes sobre o filme. A pergunta mais feita para quem já assistiu "Ainda Estou Aqui" é se o longa tem chance de ganhar o Oscar, e claro que Fernanda Torres não deixaria essa passar.

"A gente está na shortlist de coisas muito grandes. O tal do Oscar, né? Parece ser a fronteira final que nós temos que atingir a qualquer custo. O Oscar é muito importante por várias questões, mas ele também não é a medida de tudo, sabe? Tanto que, quando as pessoas falam no prêmio da mamãe [indicação ao Oscar em 1999], eu tento explicar que, quando um ator brasileiro falando português é nomeado, ele já ganhou. Pode estourar champanhe. Vai para lá sem expectativas, porque a gente sabe que não vai levar. Só de conseguir a indicação já está no lucro. Quero explicar isso para as pessoas já ficarem contentes, entendeu?", comentou a atriz com bom humor.

Já o diretor Walter Salles explicou que enxergou a família Paiva como um retrato do Brasil na época, que ainda sonhava com dias melhores, repletos de inovação, mas que tiveram essas esperanças roubadas pela ditadura. "O filme retrata não somente a memória pessoal da família do Marcelo [Rubens Paiva], mas também faz um retrato da história do Brasil ao longo de várias décadas. Essa sobreposição entre pessoal e coletivo acontecem o tempo todo, desde o livro, mas acaba sendo potencializado pelo fato de que, nesse processo, o Marcelo descobre que sua mãe, Eunice, é a grande personagem central dessa história. Para o filme, somei minhas experiências e memórias pessoais da casa e da família, porque tive a sorte de ser amigo da irmã do meio do Marcelo e vivi um pouco da família no Rio de Janeiro. E a família Paiva representava esse Brasil daquela época. Diversos grupos se misturavam naquela casa. Era um país que sonhava com o novo. Tinha novas arquiteturas, novas músicas, novas poesias. Era um país que tinha grandes expectativas e sonhos, que foram brutalmente interrompidos pela ditadura militar. A família Paiva é um microcosmo que representa esse Brasil perdido no tempo", explicou o diretor.

Ditadura nunca mais

Como o filme fala sobre os horrores da ditadura militar, riz Fernanda destaca o papel social do filme neste momento. "Acho que o filme te coloca em meio a essa família que te conquista. Você fala: que gente ótima! Que Rio de Janeiro solar! Eu quero ser amigo deles, quero estar no meio dessa gente. E então, de repente, ele tira isso de você. E você sente, independente do seu credo político, que aquilo foi um gesto arbitrário. Aquelas pessoas não mereciam. Aquela menina de 15 anos não podia ser levada para o DOI-CODI. Você, sem apelar ao discurso de questões políticas, faz qualquer um se identificar e dizer: 'Isso é um gesto arbitrário. Eu não posso concordar com isso'. Então, acho que esse filme toca as pessoas em lugares que a gente não está acostumado a tocar, e faz isso com muita honestidade. E isso talvez seja bom, porque é uma forma de resistência de uma família através do afeto. E o mundo, hoje em dia, está com muita raiva. A gente está com medo de tanta coisa, de aquecimento global a achatamento salarial, as pessoas estão com raiva e medo. E esse filme convida a gente a se lembrar do afeto e do que um governo autoritário pode fazer com qualquer um, independente do viés político que ela acredite", disse.

"Quando se abre mão dos direitos civis, o mundo fica meio kafkiano, em que qualquer um pode ser levado a qualquer momento. E isso não é bom. [...] É engraçado, porque temos uma geração de pessoas com 25, 30 anos, que nunca viveu a ditadura. Então, é muito difícil de explicar. Ao mesmo tempo, nesses 30 anos de democracia, muitos problemas não foram resolvidos. E isso criou um fenômeno em que parte desses jovens acredita que o problema talvez seja a democracia. E isso é perigosíssimo. Eu sei como é ruim viver em um país fechado, que praticamente te prendia ao país. Eu vejo jovens com crença na economia liberal que acham que um pouco de ditadura talvez desse jeito, mas eu tenho certeza que esses jovens não gostariam de viver no Brasil que eu vivi na juventude", reforça Fernanda.

Já Selton Mello, claramente emocionado, comentou sobre como o projeto foi pessoal. "Sou amigo e fã do Marcelo [Rubens Paiva], então quis honrar essa memória dele do pai. E eu não o conheci, então tive que construir esse Rubens Paiva por meio das fotos e das memórias do Marcelo. E no final do filme, temos a personagem da Fernanda Montenegro com Alzheimer. E foi assim que eu perdi minha mãe há pouco tempo. Então, com o passar do tempo, esse filme foi ficando muito pessoal", disse.

'Ainda Estou Aqui' chega aos cinemas brasileiros em 7 de novembro.