Fernanda Montenegro: 'O novo tempo tem como símbolo o botão eletrônico'

Atriz e imortal da ABL, em namoro eterno com o teatro, faz leitura de Simone de Beauvoir

Por Gustavo Zeitel (Folhapress)

Fernanda Montenegro está em férias radicais. Prestes a completar 95 anos, a atriz descansa um pouco antes de retomar a sua agenda de compromissos. No momento, ela se limita a responder às perguntas da imprensa por escrito. É econômica ao dizer o que anda fazendo no tempo livre: "Vivo!", diz, exclamativa.

Poucas pessoas conseguem se comunicar tanto com apenas quatro letras. Lendo as respostas, podemos ouvir aquela sua voz grave, as acentuações dramáticas nas últimas sílabas e as pausas, suspendendo em silêncio o texto. Não por acaso, Fernanda se dedicará a uma leitura, assim que terminar as férias, nesta sexta-feira.

Comemorando 80 anos de carreira, ela sobe ao palco do Teatro Prio, na Gávea, para retomar o antigo projeto de dar vida à obra, escrita em 1981 pela filósofa francesa Simone de Beauvoir. Mesmo com a passagem do tempo, o entusiasmo da atriz pelo teatro não amainou.

Tanto que faz questão de acompanhar as novidades dos amigos. No final de semana, Fernanda foi ovacionada durante uma sessão de "O Que nos Mantém Vivos?", uma colagem de Bertold Brecht capitaneada pelo ator Renato Borghi.

Rodeada pelo elenco da peça, a atriz fez um discurso, louvando os teatros cheios na cidade, até em comparação com os cinemas. Se a arte dionisíaca se sustenta com o passar dos séculos, o processo de preparação dos atores têm mudado, o que causa espanto em Fernanda.

"Aos 16 anos dei início à minha vocação ainda dentro de uma herança cultural. Hoje, aos 94, vejo o fim da era 'No Princípio Era o Verbo'", ela afirma, com um tom profético e grandiloquente. "O novo tempo tem como símbolo o botão eletrônico. Chegaremos além de Júpiter."