Quatro povos indígenas isolados na Amazônia estão com proteção vencida ou perto de expirar

Quatro povos indígenas isolados na Amazônia estão com proteção vencida ou perto de expirar

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Por: Rosiene Carvalho

Quatro das seis terras indígenas com presença de indígenas isolados na Amazônia protegidas por portarias de restrição de uso da área estão com os documentos com prazos vencidos ou com período de validade considerado por especialistas insuficiente para garantir a segurança e a vida deles.

A renovação dessas portarias costumava ter periodicidade de três anos. A partir do governo Jair Bolsonaro (PL), a Funai (Fundação Nacional do Índio) adotou, porém, a política de prorrogar por apenas seis meses o documento.

As portarias de restrição de uso servem para proteção dos indígenas e dos territórios até a demarcação. Assim, oficialmente, fica vedada a entrada ou circulação de pessoas que não sejam da Funai.

Procurada, a Funai não respondeu até a publicação deste texto.

A mudança na gestão Bolsonaro em relação aos atos administrativos, que deveriam garantir a segurança desses territórios, contraria a decisão do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Luís Roberto Barroso na ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) nº 709. Em agosto de 2020, em razão da pandemia, Barroso determinou que a Funai tomasse medidas para proteção dos indígenas isolados em todo país.

Na decisão, o ministro afirma que, ao "afastar a proteção territorial em terras não homologadas", referindo-se às barreiras sanitárias, a Funai "sinaliza a invasores" que não haverá combate a irregularidades e cria um "convite" à prática de ilícitos "de toda ordem".

Entre os locais ameaçados estão as terras indígenas Ituna-Itatá, no sul do Pará, e Piripkura, em Mato Grosso.

Para ambas, as portarias vencidas foram renovadas pela Funai por força de decisão judicial. Ituna-Itatá teve a restrição de uso prorrogada por seis meses a partir de janeiro deste ano. A decisão para a terra Piripkura, de março, garante a restrição de uso até o julgamento definitivo de uma ação civil pública que tenta a demarcação do território.

Na decisão da área dos piripkura, Frederico Martins, juiz da Vara Federal Cível e Criminal da Subseção Judiciária de Juína (MT), afirmou que "há provas fartas sobre sério e grave" risco de degradação ambiental e ocupação irregular. O juiz acusou a Funai de inércia na demarcação, relaxamento da proteção dos indígenas e incentivo a invasores.

Já a terra Jacareúba/Katawixi, que também apresenta vestígios de isolados, desde dezembro está sem renovação da portaria e sem proteção administrativa. O território indígena fica no arco do desmatamento no Amazonas, pressionado pela BR-319.

O Ministério Público Federal do Amazonas emitiu, no final de março, recomendação à Funai para renovação imediata da restrição de uso sob pena de serem responsabilizados pelo "risco de genocídio dos isolados" da área. Nada foi feito até agora. A última portaria dessa terra indígena foi emitida com validade de quatro anos e venceu em dezembro do ano passado.

A terra indígena Pirititi (RR) está com a portaria de restrição de uso com validade de seis meses, a contar de dezembro do ano passado. Em 2018, o Ibama fez em Pirititi a maior apreensão de madeiras da história do estado de Roraima: 7.387 toras, o equivalente a cerca de 15 mil metros cúbicos de madeira.

O ex-coordenador-geral da CGIIRC (Coordenação Geral de Índios Isolados e Recente Contatados da Funai) Bruno Pereira, servidor licenciado da fundação, ressalta que a não renovação pode resultar em danos aos isolados.

"A estrutura do Estado, o arcabouço jurídico, administrativo é fundamental para a existência desses índios. Restrições de pouco tempo que não dá para se avançar só expõem e vulnerabilizam os indígenas. Eles não vão sair correndo até o STF e exigir o direito deles. Eles vão até o último momento em seus territórios", diz Pereira.

Na Amazônia, segundo a Funai, há 114 grupos indígenas isolados vivendo em terras demarcadas, como é o caso do Vale do Javari, no Amazonas, e em áreas não homologadas. Ainda segundo a Funai, 28 grupos isolados do total têm registro confirmado. Os demais dependem de estudos.

Os grupos que optam pelo não contato têm os costumes deles garantidos na Constituição de 1988, que também obriga, em seu artigo 231, a União a demarcar e proteger os territórios.

"Não é que eles não tenham contato. Há um histórico de relação interétnica. O que rejeitam é o contato com a nossa sociedade, que levou ao extermínio de muitos deles", diz o indigenista Elias Bigio, ex-coordenador-geral da Coordenação de Índios Isolados da Funai.

Para a coordenadora executiva da Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), Sônia Guajajara, é muito grave o risco que correm os povos isolados. "Há uma incitação por meio dos discursos deste governo para invasão dos territórios e aprovar flexibilizações à legislação ambiental", afirma.

"Eles ficam totalmente sem o subsídio que garante sua sobrevivência, sem o alimento, sem a água. Então, é a vida deles que está em risco. Não é só da parte de atirar de bala. Ameaça porque eles ficam sem o espaço que precisam para garantir sua sobrevivência. Não é questão de escolheu viver ali, sempre viveram dessa forma", completa.

Luciano Pohl, gerente de Proteção dos Direitos dos Povos Indígenas Isolados e Recente Contato da Coiab (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira), destaca ainda que a restrição de uso de terra em que um novo povo isolado foi encontrado recentemente não foi dada.

Segundo Pohl, há sete meses a Funai ignora um comunicado da FPE (Frente de Proteção Etnoambiental) Madeira Purus, que identificou um novo grupo de isolados no sul do Amazonas, em uma área pressionada por desmatamento ilegal.

"É uma área em que foi feito o trabalho de monitoramento e, em setembro do ano passado, se descobriu um grupo indígena novo. Conseguiram muita informação, confirmando esse povo e precisava de uma portaria de restrição de uso. Fizeram recomendações para proteção desse povo e não foram atendidos", diz.