Cheia no Amazonas deixa 40 cidades em situação de emergência
Por: Rosiene Carvalho
"Faltam dois dedos para a água entrar na minha casa. Tomara Deus que o rio pare logo. Tudo muda na nossa vida quando o rio avança para dentro da cidade." A declaração é da pescadora Alberta Reis de Oliveira, 56, que vive no município de Careiro da Várzea, no Amazonas, a 23 quilômetros de Manaus.
A família dela é uma das 100.693 atingidas pela cheia dos rios no Amazonas que levaram 40 municípios a decretarem situação de emergência, um ano após o estado registrar a maior inundação de sua história.
De acordo com o Cemoa (Centro de Monitoramento e Alerta da Defesa Civil do Estado do Amazonas), 402.771 foram afetadas pela cheia. Em 2021, mais de 500 mil pessoas foram atingidas.
A quebra de recordes de inundações e suas consequências sociais e econômicas tem virado rotina nessas cidades. Das 11 maiores cheias registradas desde que a medição passou a ser feita em 1902, sete ocorreram a partir de 2009. De lá para cá, quando não houve recorde, ocorreram registros de níveis altos.
Em 2022, 58 dos 62 municípios do Amazonas enfrentam os danos causados pela enchente. Dos municípios em estado de emergência, segundo avaliação do Cemoa, os efeitos mais severos ocorrem em Careiro da Várzea, Anamã -que ficaram completamente debaixo da água- e nas áreas dos demais que estão parcialmente inundados, como é o caso da zona rural e da orla do centro de Manaus.
A pesquisadora responsável pelo sistema de alerta hidrológico do Serviço Geológico do Brasil - CPRM, Luna Gripp, afirmou que o rio Negro está na marca de 29,39 metros. No maior registro histórico, em 2021, chegou a 30,02 metros. A medição é feita no porto de Manaus.
A pescadora Alberta Reis tem filhos de 7, 6 e 2 anos e conta que a preocupação com a segurança das crianças aumentou porque a água leva para casa cobras e jacarés, riscos de afogamento e ameaça à continuidade dos estudos.
"Aparece sucuri e jacaré. Com água para todo lado e só as ripas para andar na cidade, as crianças viram prisioneiras em casa", disse.
Ela contou que há moradores que precisam abandonar suas casas e buscar abrigo na terra firme. A pescadora não cogita essa medida por temer saques e perder "o pouco que tem", mas todos os dias reza para que o rio pare de subir.
"Ano passado, tivemos que pôr ripas nas nossas casas e suspender nossa geladeira, cama. A gente andava o tempo todo curvado dentro de casa."
Segundo o chefe do Cemoa, tenente Charles Barroso, as consequências da cheia são desabrigados, doenças ocasionadas pelo não escoamento do esgoto e falta de água potável, perda de plantações, invasões de animais peçonhentos e alteração da rotina escolar dos estudantes.
"As pessoas atingidas passam por diversas condições de necessidades. Fazemos também prevenção a animais peçonhentos. Tem que ter muito cuidado com isso e evitar consumir água nesse período de inundação porque os dejetos ficam", disse.
Na casa da pescadora, uma lancha passa por volta de 11 horas para pegar os dois filhos mais velhos e levá-los para uma embarcação maior, que os transporta até a escola.
O mesmo trajeto é feito para retornarem, no final do dia. Na escola, segundo Alberta, foi feito um muro de concreto para conter a água e manter as aulas. Ela teme que, se o rio continuar subindo, a água ultrapasse o muro e a escola suspenda as atividades presenciais.
Procurada, a Seduc (Secretaria de Estado de Educação do Amazonas) não disse, até a publicação deste texto, qual era o número total de estudantes prejudicados com a cheia no estado.
Em Manaus, nesta semana, além das pontes de madeira nas ruas alagadas no centro, a prefeitura aplicou cal sob a justificativa de combater o mau cheiro e doenças em virtude da cheia do rio Negro.
O problema é que o rio invade a cidade, e o esgoto que Manaus joga nele não consegue ter vazão. Estão alagados 19 bairros de Manaus, além de 14 comunidades rurais. Segundo a Prefeitura de Manaus, 5.500 metros de pontes foram instaladas nestes locais para facilitar a locomoção da população.
De acordo com a pesquisadora Luna Gripp, os poucos centímetros que distanciam a mediação atual (29,39) da maior cheia da história (30,02), que foi no ano passado, representam muito pelo volume de água dos rios amazônicos.
Gripp afirmou que não é possível cravar quando o rio vai parar de subir e em que nível, mas avalia que, pelos últimos registros, é possível perceber que a subida desacelerou e que não é grande a probabilidade de novo recorde histórico em 2022. "Há uma diminuição das chuvas, um princípio de estabilização. Estava subindo de dez em dez centímetros, agora está de dois em dois centímetros."
A pesquisadora afirmou que são variados os fatores que influenciam na subida dos rios, como as chuvas nas cabeceiras semanas atrás, as chuvas nos afluentes e a vazante de outros rios.
"A vazante do Solimões abre espaço para o rio Negro escoar mais. Quando é mais lenta, represa o rio. E a chuva que influencia isso não é a de um dia, mas todo um processo de acúmulo desde o ano passado", disse.
Parar de subir o rio não significa alívio imediato para as famílias porque o rio demora para descer, e as casas e cidades podem permanecer na condição de cheia severa por meses. No ano passado, as cidades mais atingidas ficaram 90 dias inundadas, segundo CPRM.
De acordo com o Cemoa, a cheia atingiu todos os municípios. No entanto, em alguns deles, como os das calhas dos rios Purus e Juruá, no sudoeste do Amazonas, próximo ao Acre, a bacia está em condição de vazante. Ou seja, o nível da água está descendo.
Os municípios do Acre, que passaram pela cheia no início do ano, já convivem com o outro extremo: a seca dos rios. "Estamos falando da maior bacia hidrográfica do mundo e há processos diferentes em cada região", explicou Gripp.
A pesquisadora afirma que houve um aumento da observação de frequência de eventos extremos na subida dos rios nos últimos 12 anos. "Levamos um século para ter nove cotas de inundação severa e, recentemente, em 12 anos, atingimos este mesmo registro de nove cheias históricas", disse sobre o rio Negro.
Para a pesquisadora do CPRM, vários fatores podem ocasionar a mudança na frequência de cheias na região amazônica como, por exemplo, o La Ninã (esfriamento do oceano Pacífico) e o aquecimento dos oceanos.