PHILLIPPE WATANABE (FOLHAPRESS)
Sinal do avanço descontrolado da doença, ao qual o país assiste inerte, a marca foi cruzada nesta terça (6) apenas 14 dias após o registro de 3.000 mortos em 24 horas e 27 dias depois da marca 2.000 óbitos no mesmo intervalo. Entre os países com registros regulares, apenas os Estados Unidos, com população 56% maior, superaram esse recorde diário.
Em um único dia, o Brasil registrou 4.211 mortes, segundo dados do consórcio de veículos de imprensa integrado por Folha de S.Paulo, UOL, O Estado de S. Paulo, G1, O Globo e Extra. É mais do que o número de óbitos somado nos primeiros dois meses da pandemia: do primeiro caso confirmado, em 25 de fevereiro de 2020, até 25 de abril daquele ano, foram registradas 4.066 mortes decorrentes da doença.
Mais sintomático, 4.000 mortes significam as perdas que países inteiros tiveram até o momento na pandemia. O Paraguai, por exemplo, registrou 4.463 mortos pela Covid ao todo -o suficiente para que a população tomasse as ruas em protestos contra a atuação do governo na pandemia e pedisse a renúncia do presidente Mario Abdo Benítez.
As mortes registradas no Brasil nesta terça em parte podem ser associadas a uma anormalidade, um represamento comum nos dados derivado do feriado de Páscoa e do final de semana, dias em que, por atrasos de notificação nas secretarias de saúde, os números relativos à Covid são menores. Os dados aferidos pelo consórcio são obtidos com as secretarias estaduais.
Por isso, usa-se a média móvel de mortes em sete dias para se ter mais clareza da situação do país. Essa média chegou a 2.775 óbitos por dia nesta terça, completando 21 dias acima do patamar de 2.000 mortes diárias e 76 dias acima de 1.000.
Outro parâmetro, porém, dá a dimensão da tragédia: não foi necessário nem um mês completo para que o país, que levou mais de 12 meses para chegar a 2.000 mortos em um dia, dobrasse o saldo.
Os óbitos diários observados, pelo monitoramento da Universidade Johns Hopkins (EUA) em outros países também ilustram a difícil situação do Brasil. Um paralelo talvez só seja possível com a situações vividas pelos EUA, que continuamente registrou milhares de mortes por dia mas que no momento experimenta uma queda drástica de casos.
Segundo dados do site Our World in Data e da Universidade Johns Hopkins, o Peru também chegou a registrar, em 14 de agosto de 2020, 4.143 óbitos. O recorde isolado, porém, aparentemente ocorreu por uma anormalidade nos registros, considerando que as mortes eram muito mais baixas em dias anteriores, alguns dos quais, inclusive, sem registros de óbitos.
O recorde americano é de 4.476 óbitos, em 12 de janeiro deste ano. Mas o país teve diversos outros registros acima das 3.000 vítimas e também maiores que 4.000.
A situação dos Estados Unidos começou a dar sinais de mudança logo em seguida, após o início da vacinação em massa e a saída do republicano Donald Trump -que minimizou publicamente a seriedade da pandemia e mantinha uma criticada política de combate à doença-, que deu lugar ao democrata Joe Biden na Casa Branca.
O novo presidente entrou na Casa Branca apresentando possíveis caminhos de enfrentamento à Covid, alguns deles relativamente simples, como o uso obrigatório de máscaras em transportes. Em seguida, buscou acelerar a vacinação da população, com aplicação de milhões de doses por dia e um acumulado, até o momento, de mais de 160 milhões de doses aplicadas.
Enquanto isso, mesmo em situação crítica e de colapso hospitalar em estados, as ações no Brasil continuam esparsas e sem um direcionamento claro. Um exemplo recente foi o embate jurídico pela abertura de locais de culto religioso durante a Páscoa. Enquanto especialistas e dados da pandemia apontavam o risco de eventos de superespalhamento nas celebrações religiosas, o governo federal apoiava a abertura dos templos.
O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) chegou a postar sobre o assunto em redes sociais após uma decisão liminar dada por Kassio Nunes, ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) indicado por Bolsonaro, autorizar a realização de missas com presença de público.
Ao mesmo tempo em que falta uma política centralizada de enfrentamento, partem do governo federal, principalmente da figura de Bolsonaro, constantes indicações de drogas sem efeito contra a Covid.
A isso, soma-se a lentidão da aplicação de vacinas no Brasil e a escassez dos imunizantes, após atrasos, pelo Ministério da Saúde, para negociação de compra dos mesmos.