Por: Ricardo Cravo Albin

Coluna Ricardo Cravo Albin: Memórias, memórias

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- Mas você bate sempre na mesma tecla, sua ladainha da preservação da memória das escolas de samba é um samba de uma nota só. Precisa tanto?

- A nota só, e desgraçadamente, é a falta de pudor com a preservação da memória e da necessidade de um Museu das Escolas de Samba. Entra ano, sai ano, a gente vê se perderem consolidações estéticas e referências...

Este diálogo quase absurdo ocorreu quando dava uma aula-magna na USP. E é claro que não me constrangeu um minuto sequer. Ao contrário, exultei com a pergunta do aluno de jornalismo, de aparência afoita e rebelde.

Desfiei, de imediato, todo um novelo sombrio do que comprovei ao longo da direção no Museu da Imagem e do Som, a partir de 1965. Quanto mais os depoimentos para a posteridade exumavam memórias e feitos, mais pessoas me procuravam para denunciar nomes esquecidos, destruições, ou mal tratos a coleções por parte de herdeiros desrespeitosos. Muitos batiam à porta do MIS para doar livros, discos, fotos, filmes.

A certeza da destruição, eram definidores do nenhum cuidado com a memória. Tanto por parte do poder público quanto – o muitíssimo pior – a partir de herdeiros malsãos. Esta trágica comprovação nunca se sustou, acreditem, em um único ano de minha espichada vida pública de mais de cinco décadas. E não falo de bens materiais tão somente. Flagelam minha alma os esquecimentos de memórias imateriais: fatos históricos, ou eventos que ajudaram a construir o país. 

É o caso das escolas de samba. Isso para citar apenas os nossos esquecidos mestres de bateria carnavalesca, e cantores. Juro a vocês que a cada mês anoto os esquecidos. E, taciturno, vocifero baixinho para mim mesmo o quanto perde o país em decência ao jogar no lixo memórias que valeram e valerão a pena serem documentadas em critérios museológicos rigorosos.

E para não dizer que não falei das flores nestes dias pós- -carnaval, celebro alguns dos melhores momentos do desfile. Registro o resultado acertado do júri ao conferir à Viradouro o título de campeã. Por tudo, em especial pelo belo enredo.

Louvo ainda os enredos que homenagearam figuras ligadas ao povo, como a Grande Rio, a reviver o babalaô Joãozinho da Gomeia. Ou a Mocidade, a reverenciar Elza Soares e sua a figura majestática. Ou o Salgueiro, a resgatar o mundo do circo em preito ao palhaço e ator negro Benjamin de Oliveira, memória aprisionada nas brumas espessas do esquecimento.

Foi este o desfile que mais me emocionou, não apenas pelo resgate memorial, senão também pela beleza e precisão da reverência aos circos antigos.