Por: William França

BRASILIANAS | Além de bugigangas, camelôs agora vendem loteamentos na Rodoviária

Camelôs se espalham pelos corredores da Rodoviária de Brasília, dificultando a circulação dos usuários. | Foto: Joel Rodrigues/Agência Brasília

O terminal no centro de Brasília, por onde passam mais de 700 mil pessoas por dia, segue abandonado. Autoridades fingem que administram o lugar (enquanto esperam a privatização)

Macaque in the trees
O camelô/corretor de imóveis oferece loteamento em frente à Administração da Rodoviária, num flagrante do abandono que a Rodoviária do Plano Piloto vem enfrentando | Foto: William França/Brasiliana

Tropeçar em lonas estendidas no chão com roupas de todo tipo e tamanho, carrinhos gigantes com frutas da estação, outros com comida pronta, sorvete e açaí e até mesmo cesta de presentes (como agora, para o Dia dos Namorados), entre outras centenas de bugigangas, (infelizmente) faz parte do cotidiano de quem tem de caminhar diariamente pela Rodoviária de Brasília. Tem também uma turma que vende e esconde cachaça em isopores, disfarçada em meio a latinhas de refrigerante. Sem contar no tráfico de drogas, que existe e até é combatido diariamente.

Mas, até para quem achava que já tinha visto de um tudo por lá (como eu), surpresa: agora, na Rodoviária, camelô vende lotes (sim, terrenos para construção). O "estande de vendas" funciona a partir de um carrinho (furtado) de algum supermercado, com faixas de tecido com a propaganda chamativa. E o pior: a venda acontece praticamente em frente à sede da Administração da Rodoviária.

A propaganda indica que as prestações dos lotes custam a partir de R$ 450 por mês, para serem pagos em 240 parcelas (o que soma "apenas" 20 anos), que totaliza hoje, sem correção, pouco mais de R$ 100 mil. O loteamento chama-se "Cidade Inteligente", com mais de 2.000 lotes, que será feito em Santo Antônio do Descoberto (cidade do Entorno, distante 42 km dali, da Rodoviária). Terá asfalto e energia, diz o anúncio.

O inusitado disso tudo é que, além do formato inédita do "estande de vendas", o camelô (que também vende cuecas "legítimas" da Calvin Klein), é também corretor de imóveis, com registro no Creci-DF. Para que não seja feita nenhuma ação de punição do Conselho Regional de Corretores de Imóveis contra ele, esta coluna irá omitir os detalhes, como o nome e o número do registro profissional dele. Até porque, se há alguém a ser penalizado, não é apenas ele.

O fato de a corretagem acontecer "nas barbas" do administrador da Rodoviária, Josué Martins, dá a demonstração clara de que a estação rodoviária está abandonada. Há cerca de três semanas, quando foi vencida mais uma etapa da licitação que pretende privatizar o terminal, "Brasilianas" lembrou de algumas das falas do governador Ibaneis Rocha (MDB) sobre o local. São elas:

"Ali (na Rodoviária), só o que vai resolver é a entrega para a iniciativa privada", disse Ibaneis, no início deste ano, quando "jogou a toalha" e deixou o lugar entregue à própria sorte. "O que estamos fazendo, por enquanto, é a manutenção, para tentar manter [a rodoviária] em funcionamento o mínimo possível", complementou o governador, na ocasião.

E o terminal sofre enquanto não se descobre qual será o ganhador, dentre os 3 consórcios que disputam a concessão da Rodoviária, ao custo de R$ 119,7 milhões em 20 anos (segundo a Secretaria de Transporte e Mobilidade, ainda sem data definida, mas estimada para o próximo mês). Com o abandono das suas escadas rolantes e elevadores, parados sem manutenção. Com danos na sua estrutura, que aparenta despencar na cabeça dos transeuntes a qualquer instante. E com a bagunça, desordenada (ou seria incentivada?) dos camelôs.

Na rodoviária, sempre há um balé

Isso porque o que se vê diariamente na Rodoviária é quase que um balé... Uma horda de camelôs se deslocando, lentamente, num ir-e-vir, enquanto um grupo de fiscais do DF-Legal, de seguranças particulares e de policiais militares do 6º BPM desfila pelo terminal. Os fiscais veem, os camelôs somem da frente. Mas vêm por trás, se recolocando. É o dia todo nesse movimento orquestrado.

Esse "finge que eu fiscalizo" (das autoridades) que "eu finjo que tenho medo de você apreender minhas mercadorias" (dos camelôs) está institucionalizado. Prova disso foram as respostas a esta coluna, dada pelos responsáveis pelo terminal, diante das fotos que demostraram a corretagem de imóveis no local.

Segundo a resposta do DF-Legal," a responsabilidade pela fiscalização dentro da rodoviária é dos auditores fiscais da Semob". Segundo a resposta, o DF Legal apenas "dá o apoio operacional e logístico".

E a Semob? Por sua vez, em nota, a secretaria disse que "as ações de combate ao comércio irregular na área da Rodoviária são integradas e envolvem o DF Legal, as polícias Militar e Civil e a Semob". É o tal balé que me referi anteriormente. Mas, e sobre a corretagem, especificamente? "A operação de fiscalização já está agendada e vai ocorrer de forma conjunta".

É... agendaram a operação que vai expulsar o corretor de imóveis do terminal... Acredite quem quiser que terá efetividade!