Por: William França

BRASILIANAS | Brasília visualmente poluída (5): Aeroporto JK é "embaixada" com regras próprias

Painéis gigantes ladeiam a Estrada-Parque Aeroporto, único acesso ao terminal. Os totens são de responsabilidade de uma empresa de Minas Gerais, a Neooh | Foto: Fotos: Ivan Felix/Brasiianas

Macaque in the trees
Mais um painel da NEOOH no caminho para o aeroporto JK. | Foto: Ivan Felix/Brasilianas

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Mais um painel da NEOOH no caminho para o aeroporto JK. | Foto: Ivan Felix/Brasilianas
 

Dentro da “Terra sem Lei” que se tornou o DF, o Aeroporto JK é um território anárquico e decidiu ter regras próprias. Age como se fosse uma “embaixada”, inviolável.

“Meu terreno, minhas regras”. Parafraseando a comediante Tatá Werneck, o Aeroporto JK é um território à parte, que ignora solenemente a legislação local quando o assunto é poluição visual. E a comparação com uma embaixada (que é um território estrangeiro dentro da capital, que segue a legislação do país que representa e não a do DF, e é um território inviolável até mesmo pela polícia e pela Justiça) se justifica: quem administra é uma empresa argentina e quem controla a publicidade é uma empresa sediada em Minas Gerais. Ninguém do DF opera por lá.
Para entender melhor o caso: o Aeroporto Internacional de Brasília (Aeroporto JK) foi concedido à iniciativa privada em leilão realizado na Bolsa de Valores em junho de 2012. Até então administrado pela Infraero, foi feita a concessão dos serviços públicos para a ampliação, manutenção e exploração da infraestrutura do Complexo Aeroportuário. O Consórcio Inframérica Participações S.A. – argentino – foi o vencedor e pode explorar o terminal durante o período de 25 anos, pelo valor de 4,5 bilhões de reais.
“Brasilianas” apurou que nem mesmo o Ministério Público do DF conseguiu qualquer ajuste lá na área. Já foram feitos consultas e questionamentos à concessionária sobre, por exemplo, o abuso das placas de publicidade, mas a Inframérica alega que não tem esse tipo de obrigação (de tratar do tema) e reporta responsabilidades à Agência Nacional de Aviação Civil – ANAC, que supervisiona o contrato e sua execução.
De fato, há uma omissão no contrato de concessão do aeroporto sobre essas responsabilidades de uso do espaço público dentro das regras impostas pela legislação local. Em nenhuma das 64 páginas do contrato de concessão (ao qual esta coluna teve acesso), a Inframérica deve qualquer satisfação ao Governo do Distrito Federal ou à legislação local, no que se refere ao uso do solo. O contrato trata de questões da aviação e de remuneração da concessão, direitos e deveres referentes a questões financeiras e societárias. Só.
(Importante destacar que todo o complexo do aeroporto, para efeitos fundiários, é um único lote. Ou seja, à Inframérica foi concedido tudo, não apenas o terminal de passageiros e sua operação. Tudo naquela área é para uso dela.)
Para não dizer que a palavra publicidade não aparece no contrato de concessão, ela surge em dois momentos. No artigo 11.1.4., que diz que “não será permitida a exploração de atividade ou a veiculação de publicidade que infrinja a legislação em vigor, que atentem contra a moral e os bons costumes, de cunho religioso ou político partidário”. Ou seja, trata apenas do conteúdo, não da forma.
E no 11.4., ao estabelecer que “a Concessionária disponibilizará espaços e tempo das mídias e de pontos destinados à veiculação de publicidade no Complexo Aeroportuário para publicidade institucional de interesse público, sem ônus financeiro”. Ou seja, espaço e mídia de graça para o governo federal.
E quem é a Inframérica? O Consórcio Inframérica Aeroportos é a maior operadora aeroportuária privada do mundo, fruto da união da Infravix Empreendimentos S/A, empresa controlada pelo Grupo Engevix, com a Corporación América S/A, empresa argentina de concessões aeroportuárias. No Brasil, tem também a concessão do Aeroporto de Natal.
E quem responde pela publicidade na área do aeroporto? Segundo o contrato de concessão, no Capítulo XI - Da utilização de espaços no complexo aeroportuário, o artigo 11.1. afirma que “a Concessionária poderá celebrar com terceiros, prestadores de serviços de transporte aéreo, de serviços auxiliares ao transporte aéreo ou exploradores de outras atividades econômicas, contratos que envolvam a utilização de espaços no Complexo Aeroportuário, pelo regime de direito privado, observando-se a regulação vigente”.
Então, de livre arbítrio, como qualquer empresa privada, a Inframérica contratou a Neooh, braço de mídia que desde 2020 integra a empresa mineira JChebly – que se autointitula “um dos mais tradicionais players do mercado brasileiro de mídia exterior, onde atua desde 1976”. Segundo a empresa, “é a maior empresa de mídia aeroportuária e mídia em terminais rodoviários do Brasil, presente em mais de 115 terminais de passageiros”.
Nas páginas da Neooh, ela jacta-se de ser uma potência. “Temoso maior painel digital em aeroportos da América Latina, tornando-se um ponto icônico. Ele conta com duas torres de LED com mais de 200 m² de área publicitária (2 delas com 17,5 metros de altura), além de possuir também o maior pórtico em terminais aeroportuários, também com mais de 200 m². O circuito NEOOH completo é composto por 11 faces de LED, alcançando 100% do fluxo de chegadas e partidas.”

O abuso no Aeroporto JK é tamanho que assusta até a “Bancada do LED”

Sem regras, sem orientação, sem supervisão, sem fiscalização, a Inframérica e a Neooh seguem instalando outdoors e painéis à revelia.
O abuso é tanto que até mesmo o deputado distrital Jorge Vianna (PSD) – que integra a “bancada do LED” e que queria instalar painéis digitais a cada 100 metros das rodovias do DF – entendeu que, no aeroporto, a distância deveria ser de 125 metros entre um engenho publicitário e outro.
Segundo Jorge Vianna, “o estabelecimento de espaçamentos mínimos entre os meios de propaganda na Estrada Parque Aeroporto (EPAR) contribui para a segurança viária, evitando distrações desnecessárias para os motoristas e reduzindo o risco de acidentes causados por excesso de sinalização visual”.
A proposta de Vianna acabou vetada pelo governador Ibaneis Rocha (MDB), por vício de origem. Não cabe aos distritais tratar desse tema.
Procurados por “Brasilianas”, nem a Inframérica nem a ANAC responderam aos nossos questionamentos. Portanto, segue tudo como dantes...