Por: William França

BRASILIANAS | Brasília visualmente poluída (10): Câmara Legislativa adequa leis para burlar infrações

O tótem gigante deveria ser instalado mais à esquerda (no ponto amarelo, acima), mas "andou" 40 metros para poupar o corte de uma árvore, que poderia ser ruim para a imagem do "Metrópoles" | Foto: Fiscalização DER

Macaque in the trees
Após as mudança na lei e desprezadas as recomendações técnicas, o tótem gigante do "Metrópoles" está funcionando na DF-001, na entrada da cidade, para quem chega pela BR-060 | Foto: Fiscalização DER

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O projeto de lei do deputado Hermeto, com um único artigo, que regularizou o tótem do "Metrópoles". A proposta foi apresentada 5 dias depois de o DER negar o segundo pedido de instalação do painel | Foto: Reprodução CLDF

EXCLUSIVO - Levantamento, que está sob análise do Poder Judiciário, indica "coincidências" entre mudanças feitas por distritais para regularizar os painéis de LED que extrapolaram os tamanhos previstos em lei de 2002

No 10º episódio da série sobre poluição visual em Brasília, esta coluna mostra uma coletânea de documentos que foram encaminhados para uma análise do Poder Judiciário. Eles indicam a coincidência entre alterações - feitas pelos deputados distritais - no Plano Diretor de Publicidade, de 2002, que permitem a instalação de painéis de LED gigantes em todo o DF.

"Brasilianas" teve acesso a uma parte da documentação, que ainda está sendo consolidada, e que pode gerar uma investigação - e mesmo uma ação - resultando na anulação dessas leis e a apuração de crimes de responsabilidade por parte das autoridades envolvidas. O trabalho ainda é inicial, mas já dá mostras de como funciona o esquema que promove a regularização dos tótens, sobretudo os gigantescos, que infestam o DF.

Para começar, é preciso entender uma questão técnica: os painéis de LED são formados por pequenas placas, conectadas. Para ter o formato gigante, ela tem de ser proporcional: quanto maior a largura, maior a altura necessária. Tal como a tela de um celular. Existem regras para que ela possa ser lida à distância, que passam até pelo tamanho da letra a ser exibida. Assim, por necessidade, o painel tem de ser largo e, daí, também mais alto.

A primeira das alterações nas leis do DF foi feita em julho de 2020, por meio da lei distrital 6.639/20, proposta pelo ex-deputado Delmasso (PRB) e pelo então distrital Rafael Prudente (MDB), e sancionada sem vetos pelo governador Ibaneis Rocha (MDB). Ela veio resolver uma pendência gerada ainda no governo Rodrigo Rollemberg, que em 2018 abriu guerra contra um painel gigante do "Metrópoles", de 246 m² e 22 metros de altura, que foi instalado na empena (lateral) de um prédio do Setor Bancário Sul.

Essa lei de 2020 alterou a regra anterior, de 2002, conhecida como lei 3.035 (Plano Diretor de Publicidade), que regula a publicidade nas áreas do Plano Piloto e adjacências. A alteração feita pelos dois distritais trata justamente do ponto da confusão: o artigo 17, parágrafo 2º, passou a vigorar com a seguinte redação: "Nos lotes edificados das Entrequadras Norte e Sul - EQN e EQS, bem como dos Setores de Administração Federal Norte e Sul, Administração Municipal, Autarquias Norte e Sul, Bancário Norte e Sul, Comercial Norte e Sul e Hoteleiro Norte e Sul, é admitida apenas a instalação de meios de propaganda para identificação do edifício, dos órgãos, entidades ou dos estabelecimentos instalados no edifício, com ou sem patrocinador, e divulgação de conteúdo jornalístico ou de interesse público."

Além de ter resolvido o problema do painel gigante do Setor Bancário Sul, a mesma lei também abriu brechas para que outros artefatos fossem instados na cidade, como o tótem gigante que está na subida da Ponte JK e o que está localizado bem na entrada da Asa Sul, vindo na direção do aeroporto. Isso porque aumentou o tamanho dos painéis: os de tamanho médio (até 22 m² de área de publicidade) passaram a ter até 9 metros de altura (a partir do solo); os de tamanho grande (até 35 m²) até 12 metros de altura e os da classe especial, com até 70 m² de área, podem alcançar 14 metros de altura.

Dentro do Plano-Piloto tudo bem. Mas nas cidades-satélites, não.

Tudo ia bem, mas eis que, em setembro de 2021, o "Metrópoles" decidiu instalar um outro tótem gigante, desta vez no Km 70 da rodovia DF-001 (gerenciada pelo DER-DF), que pertence à Região Administrativa do Riacho Fundo - num lugar bem próximo à entrada sul de Taguatinga. Esse painel pega todo o fluxo de trânsito de quem entra em Brasília pela BR-060. Ele teria 13,86 metros de altura, por 5,76 metros de largura, com área de exposição de 60,8 m². Um colosso!

Mas, no dia 27 de outubro, um fiscal do Departamento de Estradas de Rodagem (DER-DF), valendo-se a legislação, barrou a autorização para instalar o engenho publicitário.

(Toda essa documentação, que será narrada aqui de forma muito sucinta, encontra-se na página virtual desta coluna, em https://www.correiodamanha.com.br/colunistas/brasilianas . Convido você a olhar o site e analisar, passo-a-passo, toda essa confusão.)

Pelas regras até então vigentes, naquele local só poderiam ser instalados painéis com até 12 metros de altura. Mais ainda: o fiscal afirmou que o local não teria condições para a instalação daquele tótem e que "talvez represente perigo" para o trânsito, por chamar demais a atenção dos motoristas. "Projeto em total desacordo com a legislação", afirmou.

No mesmo dia 27 de outubro, ele sugeriu à sua chefia que informasse o "Metrópoles", para que - se a empresa quisesse - fossem feitos ajustes no projeto. No dia seguinte, 28 de outubro, o DER-DF encaminhou e-mail à empresa informando que a proposta inicial extrapolava as medidas legais. No mesmíssimo dia 28, o "Metrópoles" encaminhou outro projeto, propondo um painel com 31 m² de área, com 12 metros de altura por 3,7 de largura.

Ainda assim, o projeto estava irregular porque, de acordo com a lei 3.036 (irmã gêmea da 3.035, mas que trata da publicidade em todas as outras Regiões Administrativas, menos o Plano Piloto), a altura máxima para aquele painel seria de até10 metros.

Mas... No dia 3 de novembro, dia seguinte ao feriado de Finados, eis que o deputado distrital Hermeto (MDB), líder do Governo na Câmara Legislativa, protocola o projeto de lei 2.341/21, com um único artigo: propôs ajustar a lei 3.036/02 para (segundo a justificativa do projeto) que seja dada "interpretação extensiva, uma vez que não faz sentido que as normas urbanísticas das cidades satélites possuam um tratamento mais rígido do que as regiões administrativas pertencentes a área tombada de Brasília/DF".

O projeto teve tramitação aceleradíssima. No dia 8 de dezembro de 2021, foi aprovado (sem discussão) em dois turnos. Virou a lei 7.059/22, sancionada pelo governador Ibaneis Rocha em 6 de janeiro de 2022.

Enquanto a Câmara Legislativa tratava de mudar a legislação, o superintendente de Operações do DER-DF, Murilo de Melo Santos, buscou resolver internamente a questão. No dia 16 de novembro (duas semanas depois de protocolado o ajuste na lei) ele autorizou a instalação do tótem. Mesmo contrariando todos os pareceres técnicos.

O próprio "Metrópoles" acabou provocando atraso na instalação do tótem. Isso porque o engenho "andou" 40 metros além do lugar previsto - e a obra foi embargada. Segundo a empresa, para preservar uma árvore - "cujo corte poderia ser prejudicial à imagem do Metrópoles". Mas o atraso foi tempo suficiente para a legislação se adequar e, em 6 de maio, o diretor-geral do DER-DF, Fauzi Naczur Jr., suspendeu o embargo.

Com a nova legislação, no lugar que o "Metrópoles" definiu (mesmo contrariando os pareceres técnicos) e com novas autorizações, o painel gigante passou a funcionar "legalizado" em outubro de 2022. Em janeiro deste ano, ele foi objeto de fiscalização por emitir brilho excessivo e publicidade irregular (divulgando um bingo). Vida normal.

Mudanças continuam sendo feitas pelos distritais, atendendo ao Metrópoles

Nova tentativa de ajustar a legislação aconteceu bem recentemente. O deputado Jorge Vianna (PSD) apresentou o projeto de lei 1.066/2024, que chegou a ser aprovado pela Câmara Legislativa. Ele propunha autorizar a instalação de painéis de LED em todas as laterais do Conjunto Nacional e do Setor de Diversões Sul (Conic). Na prática, essa lei tornaria legal o "mais novo filhote" do "Metrópoles" - que é um painel gigante voltado para o Eixo Monumental. Totalmente proibido pelas regras do tombamento da cidade.

Esse projeto de Vianna foi vetado pelo governador Ibaneis - segundo o GDF, por vício de origem. Não caberia a um deputado distrital propor alterações neste tipo de legislação. Mas, coincidentemente, ele foi o autor da lei 7.222/23, que permitiu que os tais engenhos publicitários espalhados pela cidade passassem a veicular "conteúdo jornalístico ou de interesse público". Para isso, em vez de estáticos como os outdoors, os painéis poderiam ser feitos com telas de LED.

Exatamente o que o "Metrópoles" faz com seus mais de 155 painéis que infestam a cidade. Como está sendo investigado, sempre contando com o apoio dos deputados distritais, do DER e do governador Ibaneis Rocha.

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Primeiro projeto do mega-painel, que foi vetado porque extrapolava - e muito - a legislação. | Foto: Reprodução: Projeto Metrópoles

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Segundo projeto do painel de LED, um pouco menor, mas ainda extrapolando a legislação. Neste local, só era permitido totem de 10 metros de altura. | Foto: Reprodução: Projeto Metrópoles

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No dia 6 de maio, o diretor-geral do DER suspende os efeitos do embargo da instalação do painel (que tinha mudado de lugar, por conta própria), autorizando a instalação do painel gigante. | Foto: Reprodução DER

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Painel gigante do "Metrópoles" nas margens da DF-001. Este ano, o tótem teve de regular seu brilho, que causava problemas aos motoristas | Foto: Fiscalização DER