Por: William França

BRASILIANAS | Brasília visualmente poluída (12): 'A raposa para tomar conta dos ovos', afirma especialista

Colocaram a raposa para tomar conta dos ovos. | Foto: Divulgação

Arquitetos e Promotoria veem com desconfiança GT criado por Ibaneis para mudar o Plano Diretor de Publicidade. Proposta de Lúcio Costa para o setor nunca foi implementada

Pareceu soar positivo, quando do anúncio da criação de um Grupo de Trabalho (GT) para rever o Plano Diretor de Publicidade, proposto pelo governador Ibaneis Rocha (MDB) por meio do Decreto 45.9322/2024. O grupo teria a finalidade de discutir as regras para a publicidade nas áreas públicas, seja ela na área tombada (prevista na lei 3.035/2002) ou na demais regiões administrativas do DF (lei 3.036/2002),

A criação do GT veio em seguida ao veto na íntegra do projeto de lei 985/2024, da Câmara Legislativa - que trouxe duas propostas numa só. A primeira, do deputado Wellington Luiz (MDB), tratava de regras para instalação de painéis no Setor de Diversões Norte - SDN - e no Setor de Diversões Sul - SDS. Era a que tornaria o Conic uma caixa gigante de LED, com painéis em todas as suas faces e tornaria "legal" o painel gigante do "Metrópoles" que existe lá hoje, voltado para o Eixo Monumental.

A outra proposta, do deputado Jorge Vianna (PSD), estabelecia espaçamento mínimo para a instalação de painéis publicitários na mesma margem das vias do DF. Ele propunha painéis a cada 100 metros - quando as regras atuais estabelecem o mínimo de 250 metros entre eles. Por conta dessa proposta, cada trecho do Eixinho ou do Eixão poderia ter 70 painéis enfileirados, por exemplo. Ampliaria a infestação dos tótens, que já emporcalham a cidade.

Voltando ao GT de Ibaneis... O governador argumentou - pela primeira vez - que o projeto dos distritais era inconstitucional "em virtude do vício de iniciativa" para vetá-lo. A Lei Orgânica do DF diz que compete ao governador propor leis sobre plano diretor de ordenamento territorial, uso e ocupação do solo, preservação do conjunto urbanístico e planos de desenvolvimento local.

Mas, curiosamente, o próprio Ibaneis Rocha havia sancionado ao menos duas outras leis propostas pelos distritais e que alteraram drasticamente o uso dos painéis publicitários na cidade. Ambas com a mesma "iniciativa viciada", que foi alegada agora para o veto.

Uma delas foi a lei 6.639/20, proposta pelo ex-deputado Delmasso (PRB) e pelo então distrital Rafael Prudente (MDB). Foi sancionada sem vetos por Ibaneis. Ela veio resolver uma pendência gerada ainda no governo Rodrigo Rollemberg, que em 2018 abriu guerra contra um painel gigante do "Metrópoles", de 246 m² e 22 metros de altura, que foi instalado na empena (lateral) de um prédio do Setor Bancário Sul. A lei passou a permitir a instalação de painéis nos setores bancários e comerciais Norte e Sul.

Outra mudança permitida nesta lei foi a ampliação da dimensão dos painéis fixos no solo, cujo limite da área máxima foi aumentado de 35m² para 60m². Esse ajuste, que quase dobrou o tamanho das áreas de divulgação, é o que permitiu, por exemplo, a instalação dos painéis colossais (com 14 metros de altura) do "Metrópoles" na saída do Aeroporto JK (que o arquiteto Danilo Barbosa chamou de "A Coisa") e o que está na subida da Ponte JK (que consegue ser avistado por quem passa por sobre a cidade, de avião, ou mesmo do outro lado do DF, no Setor Taquari, depois da Asa Norte).

E como o Plano Diretor de Publicidade não previa a divulgação de conteúdo jornalístico nos meios de propaganda afixados em edificações, foi feita também essa alteração. Atendeu, claro, ao "Metrópoles". Um dos autores da proposta, o então deputado Delmasso, disse que o objetivo principal da nova lei seria o de permitir a veiculação, em painéis de LED, de matérias jornalísticas de diversos veículos de comunicação. "Isso vai democratizar o acesso à informação e valorizar o trabalho da imprensa", afirmou.

Outra proposta que alterou o Plano Diretor de Publicidade foi mais recente, de autoria do deputado distrital Hermeto (MDB), e virou a lei 7.059/22, sancionada por Ibaneis em 6 de janeiro de 2022. Com um único artigo, a lei regularizou um painel gigante do "Metrópoles" na DF-001, para quem entra em Brasília pela BR-060. O engenho extrapolava todas as previsões legais. Agora, legal, tem 12 metros de altura.

Por conta dessas sanções às leis, sem qualquer barramento (que estimularam a proliferação dos painéis de LED pela cidade) - e de outras ações que atentaram contra o tombamento, como a proposta de privatização da Orla do Lago Paranoá, especialistas e integrantes do Ministério Público, ouvidos por "Brasilianas", dizem não confiar no resultado desse grupo de trabalho proposto por Ibaneis Rocha. Sobretudo por sua composição.

"Colocaram a raposa para tomar conta dos ovos", afirmou a arquiteta e urbanista Vera Ramos, que há mais de 40 anos acompanha, de muito perto, todas as questões ligadas à (tentativa de) preservação de Brasília como Patrimônio Cultural da Humanidade. "Essa comissão é apenas para regularizar a privatização e exploração das áreas públicas. Não tem nenhum enfoque cultural", afirma a especialista - apontando sobretudo à presença do Departamento de Estradas de Rodagem (DER-DF) como um dos partícipes do grupo. O DER-DF apurou cerca de R$ 14 milhões, apenas no ano passado, com as licenças dos quase 2.000 painéis publicitários pela cidade.

Integrantes das promotorias da Ordem Urbanística do DF (são 6 promotorias), ouvidos por esta coluna, disseram que vão acompanhar de muito perto o que será proposto por esse Grupo de Trabalho. Sem poderem se identificar, neste momento, para não inviabilizar juridicamente ações futuras, o consenso entre os promotores é que não vão deixar de denunciar abusos e incorreções que comprometam ainda mais a conservação do patrimônio histórico de Brasília. "Ibaneis agiu contra a cidade por mais de uma vez", afirmou um deles à "Brasilianas". "Não merece confiança."

No Grupo de Trabalho, quem cuida do setor ficou de fora

Além de compor o GT que vai rever as regras de publicidade em área pública com os principais interessados em arrecadar recursos com isso - além do DER, está também o Metrô, que aluga seus espaços nas estações e mesmo os seus trens para expor anúncios publicitários -, Ibaneis deixou de fora quem deveria tratar do tema, por serem diretamente envolvidos com o setor. O Detran-DF, por exemplo.

Uma das principais queixas dos moradores do DF é que os painéis (sobretudo os de LED) causam problemas para quem dirige, porque interfere na visão. O Código de Trânsito Brasileiro (Lei nº 9.503/97), no seu artigo 81, prevê expressamente que "nas vias públicas e nos imóveis é proibido colocar luzes, publicidade, inscrições, vegetação e mobiliário que possam gerar confusão, interferir na visibilidade da sinalização e comprometer a segurança do trânsito".

Outro órgão que ficou de fora foi a Secretaria de Comunicação Social do próprio GDF -que é a responsável por gerenciar a publicidade oficial. Um amigo desta coluna disse, em tom de desabafo, que se o jornalista Paulo Pestana ainda estivesse vivo não teria permitido que essa lacuna acontecesse e que a Secom ficasse fora deste Grupo de Trabalho. Pestana era um dos principais conselheiros de Ibaneis Rocha (um dos poucos assessores a quem ele ouvia), que morreu de dengue em março passado.

O grupo tem ainda, por natural, a Secretaria de Desenvolvimento Urbano e a Secretaria de Meio Ambiente. O coordenador do GT é o secretário de Governo do DF, José Humberto Pires de Araújo. "Este grupo de trabalho multiparticipativo servirá para que possamos apresentar quais são os parâmetros e as condições para regular a questão dos engenhos publicitários, tanto nas administrações regionais como na área tombada", afirmou.

Lúcio Costa tinha uma proposta para essa questão. Nunca foi implementada

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Capa da edição do projeto "Brasilia Revisitada", que integrou um anexo do decreto de 1987 | Foto: Reprodução

Quando publicou o estudo "Brasília Revisitada", em outubro de 1987 (há quase 40 anos), o criador de Brasília, Lúcio Costa, fez alguns pedidos ao então governador do Distrito Federal, José Aparecido de Oliveira - que os considerou e tornou regra legal, até para que a cidade ganhasse o título de Patrimônio Cultural da Humanidade, dois meses depois.

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Carta de Lúcio Costa ao então governador José Aparecido, pedindo cuidados com o projeto original de Brasília | Foto: Reprodução

Tudo foi consolidado no decreto 10.819/87. No anexo a esse decreto, existe um artigo, o 10º (não implementado), que trata justamente do mesmíssimo tema do decreto de Ibaneis Rocha - que busca ajustar o Plano Diretor de Publicidade. A diferença é seu propósito. Disse Lúcio Costa:

"Criar grupo de trabalho permanente, orientado por pessoa com bagagem cultural e sensibilidade, com a atribuição exclusiva de coordenar todas as intervenções "em tom menor" no espaço urbano: pisos de passeios, localização de bancos, de mastros, de sinalização urbana, publicidade e propaganda, cabines telefônicas, enfim, um Departamento de Comunicação Visual Urbana, vinculado aos de Urbanismo, Arquitetura e Parques e Jardins."

Bem que Ibaneis Rocha poderia se reposicionar junto aos preservacionistas de Brasília e criar esse órgão proposto por Lúcio Costa. Mas, desde que não tenha assento nele um integrante do grupo das raposas...

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Oscar Niemeyer(esq.) e Lucio Costa(dir.) em 1957 na época da obra em Brasília | Foto: Jean-Pierre Dalbéra/Le pavillon du Brésil-2014-Veneza