Por: William França

BRASILIANAS: Brasília visualmente poluída (14): poluição visual impacta o morador e afasta turistas

A capital dos EUA é cidade-irmã de Brasília desde 2013. Washington tem padrões rígidos que impedem sua poluição visual | Foto: Blog Brasília/Chico Sant'Anna

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Catedral de Brasília, um dos ícones do design arquitetônico de Brasília | Foto: Roberto Castro/Ministério do Turismo

Brasília e sua cidade-irmã, Washington, são cidades planejadas e pensadas para abrigar o Poder Político. A diferença é o olhar do poder público sobre o bem-estar do seu morador. E isso impacta diretamente o turismo.

A invasão de áreas verdes e a intensificação de anúncios, outdoors, cartazes, placas e outros elementos que causam a poluição visual - como os tótens e painéis de LED que infestam Brasília - reduzem, de forma significativa, a qualidade de vida da população urbana. Essa é uma das definições do que seja poluição visual nas cidades. E é a que a resulta em danos para quem as habita e para quem as visita.

Brasília, que é Patrimônio Cultural da Humanidade, por conta de seu conjunto arquitetônico, é um atrativo do chamado turismo cultural. Segundo definição do Ministério do Turismo (MTur), "turismo cultural compreende as atividades turísticas relacionadas à vivência do conjunto de elementos significativos do patrimônio histórico e cultural e dos eventos culturais, valorizando e promovendo os bens materiais e imateriais da cultura."

Nesta mesma página (na nota abaixo) temos um desses "elementos" que se sobrepõem para compor esse cenário propício ao turismo de cunho cultural - o respeito à faixa de pedestres, que está próximo de se tornar Patrimônio Cultural Imaterial do DF. É do somatório de sinais (como esses) que um lugar, uma cidade, um país, ganha respeito e se consagra como destino turístico.

Brasília recebeu cerca de 25 mil turistas estrangeiros nos 5 primeiros meses deste ano, segundo dados da Agência Brasileira de Promoção Internacional do Turismo (Embratur). Esta marca atingida representa um aumento de 33,4% em relação ao mesmo período de 2023, onde 18.622 viajaram para o Distrito Federal.

Parte desse grupo usou a cidade como "hub aeroportuário" (usou o Aeroporto JK para conexões). Mas parte desse grupo - a grande maioria, de turistas vindo dos Estados Unidos, que são os que mais nos visitam - desceu e decidiu conhecer a cidade por conta de seus atributos arquitetônicos, sua beleza singular, sua história ligada à escola do Modernismo. Afinal, de contas, "deu no The New York Times" que Brasília está entre os melhores destinos turísticos para os norte-americanos conhecerem em 2024.

Isso aparenta importar tanto ao atual governo que o GDF fez intensa campanha publicitária, regogizando-se pelo fato de Brasília ocupar a 32ª posição no ranking do jornal americano, que listou os 52 melhores locais para visitar este ano pelo mundo. Foi o único de todo o Brasil mencionado pelo periódico norte-americano, e que festejou sua arquitetura com prédios "futuristas" e "modernistas".

Pois imagine que você é um turista, norte-americano, que veio até Brasília para conhecer a cidade-parque modernista, que foi recomendada para eles por um de seus principais jornais. Daí, ele desce no Aeroporto JK e se depara com aquele tanto de painéis de LED na Estrada-Parque Aeroporto, que parecem mais um show pirotécnico tipo Las Vegas, em Nevada. Anda mais um pouco e dá de cara com "A Coisa" - que é o paredão de LED que existe na ponta da Asa Sul, segundo definição do arquiteto Danilo Barbosa. Parece que está na Broadway, em Nova York.

Esse mesmo turista sai pelas Asa Sul e Norte e vê centenas de totens de LED do "Metrópoles" brilhantes, em luz intensa, emporcalhando as vias e rodovias da cidade. Um painel atrás de outro. Com luminosos gigantescos "brigando" com os prédios oficiais da capital, até em lugares proibidos por lei - como no Setor de Diversões Sul. Daí ele se questiona: "Onde está a cidade que o NYT viu, que eu não estou vendo?". Volta frustrado e não recomenda a mais ninguém a visita.

Poluição visual deturpa os locais turísticos

Segundo o MTur, na cartilha "Orientações Básicas para o Turismo Cultural", de 2010, "cabe observar que o turismo em cidades históricas e culturais (...) pode ser um vetor para sua descaracterização e destruição (...) uma vez que a especulação imobiliária 'expulsa' os moradores tradicionais e altera a paisagem, e a ampliação da infraestrutura turística, sem respeitar o padrão de arquitetura local, com a utilização de materiais exóticos, provoca poluição visual e o comprometimento da paisagem cultural".

Ou seja: o turismo faz bem. Mas se valer dele para deturpar a paisagem cultural, faz mal. E, no caso de Brasília o que estimula a visitação da cidade é justamente esse conjunto que a diferencia de outros lugares do mundo. Vale lembrar que a cidade acumula desde 2018 o título de Cidade Criativa do Design, também segundo a Unesco. Ou seja: atributos não lhe faltam. Mas tem de se conservar assim.

Washington não sucumbiu ao canto da sereia

Na opinião do jornalista Chico Sant'Anna (que há anos estuda e escreve em seu blog sobre a Capital Federal e suas relações com quem por aqui passa ou por aqui habita), "Brasília tem que se espelhar em cidades como Paris e Washington, investir na economia sustentável, na produção de conhecimento. Turismo e cultura são as melhores opções. (...) Mais espaços culturais, bibliotecas, museus, galerias, teatros, gerariam mais empregos e renda, atrairiam mais turistas e os reteriam por mais tempo em Brasília."

E ele faz outra avaliação, desta vez comparativa. As capitais do Brasil e dos Estados Unidos, Brasília e Washington, são cidades-irmãs, por meio de um convênio assinado entre o GDF e a prefeitura da capital dos Estados Unidos, em março de 2013.

(Cidade irmã é um conceito que tem como objetivo a implementação de relações e mecanismos que permitam o intercâmbio de experiências e conhecimento em nível econômico, social e cultural, por meio dos quais cidades estabelecem laços de cooperação.)

"Washington e Brasília guardam muitas similitudes. As duas são capitais federais, são cidades planejadas, foram construídas para abrigar essencialmente a máquina pública federal e as representações diplomáticas", afirma o jornalista. "Como cidade administrativa, Washington não possui parque industrial e seu comércio está longe de se assemelhar aos de Nova York ou da Florida. Por isso, a cidade investe muito no turismo, em especial no turismo cívico. Além do aspecto econômico, é uma forma da sociedade norte-americana manter viva a memória e a história nacionais, além é claro do patriotismo, muito cultuado pelos Estados Unidos", complementa.

Segundo Chico Sant'Anna, "a opção pelo turismo evita, ainda, agressões ao projeto urbanístico e ajuda a manter a qualidade ambiental da cidade". Para ele, é justamente aí que acontece a maior diferença entre as duas cidades: o olhar do poder público sobre o bem-estar do seu morador.

"Washington tem uma população três vezes maior do que Brasília e nem por isso, a cidade sucumbiu ao canto da sereia da especulação imobiliária". Chico San'Anna faz um apelo: "O GDF poderia dar um basta nas iniciativas que afetam o tombamento do Plano Piloto, maior riqueza turística da cidade, e fazer uma política inteligente de atração turística para que tenhamos uma avalanche de turistas estrangeiros passeando por aqui, injetando muito mais dinheiro na economia local e gerando muito mais emprego, mais renda, do que a mudança de gabarito do Plano Piloto."

Oxalá assim o seja!