Por: William França

BRASILIANAS | Brasília visualmente poluída (15): Ciclo vicioso deixa o Iphan-DF inepto

A Esplanada dos Ministérios está na área de tombamento, que deveria ser fiscalizada pelo Iphan-DF | Foto: Wikipedia

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De acordo com o documento do Iphan-DF, essa área em marrom é a área A do tombamento, a principal. A área B, em azul, tem legislação menos rigorosa | Foto: Imagem: Iphan-DF

Iphan-DF espera - desde 2016 - que o DER-DF apresente um plano de ocupação das rodovias para fiscalizar o tombamento de Brasília. Já o DER-DF se vale desta mesma lacuna para autorizar a infestação de painéis na cidade

Nos últimos anos, sobretudo mais recentemente, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional no Distrito Federal segue confuso e incoerente. E sem identidade. E sem força. "O Iphan-DF assumiu uma postura mais passiva com relação ao GDF", afirma a arquiteta e urbanista Vera Ramos, do alto de sua experiência de mais de 40 anos lidando com as esferas burocráticas da cidade no que se refere à preservação do tombamento de Brasília.

A verdade é que desde a gestão do ex-superintendente do órgão Alfredo Gastal (que faleceu em maio de 2015), que gerenciou a autarquia entre 2004 e 2012, o Iphan-DF não tem uma voz atuante. Gastal era verborrágico e irritou muita gente, porque defendia enfaticamente a preservação do Plano Piloto e da manutenção da cidade-parque proposta por Lúcio Costa. "Brasília não pode ter suas áreas públicas cercadas ou privatizadas", afirmava Gastal - se valendo desses argumentos para barrar muitas das investidas contra o projeto original.

Eis que agora, o Iphan-DF tem à sua frente o discreto historiador Thiago Pereira Perpétuo, formado na UnB com mestrado profissional em Preservação do Patrimônio Cultural, oferecido pelo próprio Iphan. Pouco aparece em eventos. "Brasilianas" solicitou uma entrevista com ele para tratar dos temas ligados à autarquia e à poluição visual que assola Brasília. Entrevista negada pela assessoria.

Aliás, o Iphan adotou um modelo muito peculiar (para não classificar de ditatorial) de lidar com a imprensa. Segundo a entidade, todas as 27 superintendências do órgão, em todo o país, só podem tratar com a imprensa por meio da Assessoria de Comunicação Social do Iphan Nacional. Que, no momento, é dirigida pelo brasiliense Leandro Grass - e que, segundo a mesma assessoria, também não poderia falar sobre o tema. Somente por escrito.

Para ajudar o leitor: Leandro Grass (filiado ao PV) foi candidato da Federação Brasil da Esperança formada pelo PT, PCdoB e PV em 2022. Recebeu 434.587 votos, o que representou 26,25% dos votos válidos. Terminou em segundo lugar, sendo derrotado pelo governador Ibaneis Rocha (MDB). Em janeiro de 2023, Grass foi indicado pela Ministra da Cultura, Margareth Menezes, para a presidência do Iphan nacional. Em nota, à época, informou que uma de suas prioridades seria "recuperar as obras, os monumentos e o que mais houver de dano causado pelos atos terroristas desse domingo [8/1]", referindo-se às invasões bolsonaristas na Praça dos Três Poderes. Nada de preservação da identidade e do tombamento da cidade.

Iphan-DF espera documentação. Passivamente.

Voltando ao Iphan-DF... Como ninguém no Iphan é autorizado a dar entrevistas (muito pouco democrático, isso!), "Brasilianas" enviou uma série de perguntas para o e-mail da assessoria de comunicação da autarquia. Uma semana depois, em nota, chegaram as respostas. E nela, uma "boa surpresa": o Iphan-DF não fez, não está fazendo e nem pretende fazer nenhuma ação contra a poluição visual que infesta o DF porque só age "quando provocado".

E quem o provocaria? A resposta: "O Iphan realiza fiscalizações ante denúncias de instalações irregulares". Mas é justamente aí que está o problema: o que está irregular na cidade? A resposta da autarquia: "No caso de engenhos publicitários, prevê-se que o Iphan aprove 'planos de ocupação' para os elementos a serem instalados na macroárea A (região tombada pela Unesco), cuja elaboração, segundo o Plano Diretor de Publicidade, no caso de rodovias, cabe ao Departamento de Estradas e Rodagem do Distrito Federal (DER-DF)."

E cadê os tais planos de ocupação, que vão servir de subsídio para a fiscalização? O mesmo Iphan-DF responde: "O Iphan já instou o DER-DF a apresentar o 'plano de ocupação' para análise do Iphan, por meio de ofício, e aguarda o atendimento." Lamentavelmente, "Brasilianas" informa que o Iphan-DF vai continuar passivamente aguardando, porque não existe - nem há previsão - de o Departamento de Estradas de Rodagem apresentar a tal proposta.

Como esta coluna mostrou ao longo dessa série de reportagens, a falta deste "plano de ocupação das faixas de domínio" é justamente a brecha, legal, que o DER-DF se vale para autorizar a instalação de painéis publicitários ao longo das rodovias da cidade.

Esses planos de ocupação foram previstos na lei 5.795/16, que tratou sobre a administração, a exploração, a utilização e a fiscalização das faixas de domínio do Sistema Rodoviário do DF, e foi sancionada pelo então governador Rodrigo Rollemberg (PSB). O mesmo que travou uma guerra com os painéis de LED do "Metrópoles", também já narrada nesta série de "Brasilianas". Os planos de ocupação foram apenas previstos na lei, mas na legislação não há nenhum prazo estipulado para que eles sejam feitos. Menos ainda para serem aprovados.

Antes, o decreto 27.365/2006, que tratava das regras do Sistema Rodoviário do DF e das faixas de domínio, não fazia a exigência de ser feito um plano de ocupação para utilizá-las. E é justamente dessa lacuna que é utilizada pelo DER-DF para autorizar - sem licitação e sem plano de ocupação - a infestação de painéis pela cidade. Diz o parecer da Procuradoria Jurídica do DER-DF:

"O DER-DF poderá emitir novas permissões para a utilização de meios de propaganda, nas faixas de domínio das rodovias, do Sistema Rodoviário do DF sem o certame licitatório, tendo em vista que para esse procedimento é necessária a publicação do Plano de Ocupação das Faixas de Domínio, tema ainda em discussão na área técnica da SEGTH, e sem previsão para conclusão". Assina o documento Flávia Regina Amorim Bagatin da Rocha, gerente de Estudos e Pareceres da ProJur/DER-DF. Detalhe importantíssimo: o parecer é de novembro de 2015.

Portanto, caro leitor, para concluir: o DER-DF não faz o Plano de Ocupação porque não interessa a ele. Sem o Plano de Ocupação, o Iphan-DF diz que não tem como fiscalizar. Se o Iphan-DF não tem como fiscalizar, o DER-DF vai autorizando, como bem entende, os tais painéis pela cidade. Nesse esperto ciclo vicioso, só tem um perdedor: o patrimônio tombado de Brasília (com todas as suas consequências).