Por: William França

BRASILIANAS | Brasília visualmente poluída (16): Qual a medida de uma faixa de domínio no DF? Ninguém sabe

Imagem aérea do DF com a localização da DF-002 (Eixo Monumental) | Foto: Google Earth

Macaque in the trees
Entroncamento da EPIA com a Estrada-Parque do Torto | Foto: Tony Winston/Agência Brasília

Macaque in the trees
Mapa Rodoviário do Distrito Federal, no qual aparecem as principais rodovias. São pelo menos 1.822 km delas, cortando todo o quadrilátero do DF | Foto: DER-DF
 

Antes prevista até em legislação federal como sendo 15 metros de cada lado, a medida que serve para que se permita (ou não) a edificação de qualquer coisa às margens das rodovias não tem regra no DF. Na verdade, não tem medidas

Na 16ª reportagem desta série sobre poluição visual, "Brasilianas" traz uma informação curiosa. No Distrito Federal, não se tem uma medida padrão que estabeleça os limites para que alguém possa construir (ou não) qualquer coisa às margens das rodovias. Isso vale tanto para os engenhos publicitários (objetos poluidores visuais, objeto desta série) quanto para quiosques, por exemplo. Ou mesmo para loteamentos ou condomínios.

Para entender melhor, antes se fazem necessárias algumas explicações. O Distrito Federal tem um desenho atípico na sua malha rodoviária. Quase tudo é rodovia - que é gerenciada pelo Departamento de Estradas e Rodagem (DER-DF). Comparativamente, são poucas as chamadas vias urbanas, que são gerenciadas pelo Departamento de Trânsito (Detran-DF), classificadas como de trânsito rápido, local, arterial e coletora - como a W3 Sul e Norte ou a Avenida Comercial, em Taguatinga.

Assim, o Distrito Federal é cortado por 26 rodovias distritais, denominadas de Estrada-Parque (por conta do decreto 297, de 1964), além de 15 rodovias longitudinais, 12 transversais, 9 diagonais e outras 20 de ligação, segundo o Plano Rodoviário do DF. Tudo soma aproximadamente 1.822 km de extensão.

Isso sem contar o fato de o Distrito Federal ser a origem ou ser interceptada pelas 8 rodovias federais radiais, a saber: BR-010 (a icônica Belém-Brasília), BR-020 (até Fortaleza - CE), BR-030 (até Maraú - BA), BR-040 (até o Rio de Janeiro), BR-050 (até Santos - SP), BR-060 (até Bela Vista - MS), BR-070 (até Cáceres - MT) e BR-080 (até Ribeirão Cascalheira - MT).

Voltando à questão da faixa de domínio... Por definição técnica, é a base física sobre a qual se assenta uma rodovia, constituída pelas pistas de rolamento, canteiros, obras de arte (viadutos e pontes, por exemplo), acostamentos, sinalização e faixa lateral de segurança. Conforme o artigo 50 do Código de Trânsito Brasileiro, "o uso de faixas laterais de domínio e das áreas adjacentes às estradas e rodovias obedecerá às condições de segurança do trânsito estabelecidas pelo órgão ou entidade com circunscrição sobre a via".

Regras sobre as medidas foram mudadas recentemente

A partir desses esclarecimentos prévios, é possível entender o tamanho e a representatividade das rodovias gerenciadas pelo DER no DF. Até a sanção da lei federal 13.913, em novembro de 2019, assinada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, as regras que foram vigentes durante 40 anos (estabelecidas então pela lei 6.766 de 1979) eram de que as rodovias teriam uma faixa não-edificável de 15 (quinze) metros de cada lado.

Essa legislação federal (a de 1979) lastreava uma série de normas do DF, como a lei distrital 5.795, de 2016 - que no seu artigo 2º afirmava que "salvo outra definição prevista em lei ou no projeto de engenharia, a faixa de domínio é de 30 metros". Ou seja, no DF valia o dobro do que era previsto pela legislação federal.

Eis que vieram os ajustes por meio da legislação bolsonarista em 2019, que, entre outras coisas, repassou para os municípios (no nosso caso, para o GDF) a tarefa de definir os limites para as tais faixas de domínio. E daí, com base nessa lei federal, em outubro de 2021 o governador Ibaneis Rocha (MDB) assinou o decreto 42.663. Nele, alterava a regulamentação do Sistema Rodoviário do DF, dando poderes para que o Conselho Rodoviário do DF pudesse excepcionar a largura das faixas de domínio. Essa decisão não se deu por nenhuma discussão pública.

[Em tempo: o Conselho Rodoviário do DF é composto pelo diretor-geral do DER-DF e por representantes do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), do Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU-DF), do Clube de Engenharia de Brasília, da Secretaria de Governo, da Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação (SDUH) e da Procuradoria-Geral do DF.]

DER-DF, o todo-poderoso

Mas essa regra nem teve vida longa. A questão das medidas da faixa de domínio foi finalmente definida - mas de forma radical. Elas foram eliminadas. Isso porque em janeiro de 2022 Ibaneis Rocha sancionou a lei 7.063, proposta pelo próprio GDF, com apenas um parágrafo. Nela, revogava o artigo 2º, parágrafo º, da Lei nº 5.795 de 2016.

Esse era o tal artigo que estabelecia que a faixa de domínio no DF era de 30 metros. Ou seja, desde janeiro de 2022, não há mais nenhuma medida que estabeleça as medidas para as faixas de domínio no DF. Isso tanto para limite mínimo quanto máximo. Ou seja: tanto pode ser de 1 metro quanto de 200 metros, por exemplo. Não há regras. Dependerá de quem quiser determinar onde pode (ou não) instalar qualquer coisa.

Em abril daquele mesmo ano, se valendo da revogação das medidas, o DER-DF baixou a Instrução Normativa 06. É a regra que "regulamenta a concessão à pessoa física ou jurídica aos dispositivos e meios de propaganda/publicidade ou indicativo fixados nas faixas de domínio do Sistema Rodoviário do Distrito Federal, rodovias conveniadas e lotes ou áreas adjacentes".

Essa regra faz inúmeras menções a autorizações de uso nas tais faixas. Mas, em nenhuma, cita quais são as medidas regulamentares para elas sejam edificadas ou instaladas, ou qual a distância tem de ser mantida das margens das rodovias. Apenas estabelece ritos administrativos e burocráticos.

Mas é essa Instrução Normativa que dá competência à Superintendência de Operações do DER-DF para a emissão de autorização, permissão ou ato administrativo para essa finalidade, "com o objetivo de permitir a instalação e a fixação de dispositivos e meios de propaganda/publicidade ou indicativo nas faixas de domínio do Sistema Rodoviário do DF, rodovias conveniadas e lotes ou áreas adjacentes".

Essa é a superintendência sob responsabilidade de Murilo de Melo Santos, servidor de carreira do DER-DF desde 1995. Ele está como superintendente de Operações do órgão pela terceira vez, com as gestões entre 2015 e 2018; 2019 e 2022 e, atualmente, desde janeiro de 2023. E é ele quem assina boa parte das autorizações para que o "Metrópoles" instale (ao menos) 155 painéis de LED que infestam a cidade. Além de quase outros 2.000 engenhos publicitários, que emporcalham o DF.

Muito poder nas mãos de uma única pessoa. E de um único órgão. Sem controles - e, literalmente, sem medidas.