Por: William França

BRASILIANAS | Justiça eleitoral anula parte da "Caixa de Pandora"

O ex-governador José Roberto Arruda | Foto: Sérgio Lima Jr.

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O advogado Paulo Emílio Catta Preta acredita que conseguirá anular todas as gravações da "Operação Caixa de Pandora", consideradas por ele e pelo Ministério Público Eleitoral como "clandestinas" | Foto: Reprodução

Com aval do Ministério Público Eleitoral, foram declaradas nulas 70% das provas que condenaram o ex-governador Arruda à perda dos direitos políticos. "É o resgate da minha honra", afirmou.

Passados 14 anos desde que foi afastado do mandato de governador do Distrito Federal por conta da operação "Caixa de Pandora, da Polícia Federal, e um ano depois de sua segunda condenação por improbidade administrativa - que o levou à perda dos direitos políticos por 12 anos -, o ex-governador José Roberto Arruda (sem partido) conseguiu um feito considerado surpreendente no meio político, mas "necessário e justo" segundo a sua defesa: a anulação, pela Justiça, de quase todas as provas que sustentaram as suas condenações.

Na semana passada, o juiz Lizandro Garcia Gomes Filho, titular da 1ª Zona Eleitoral do Tribunal de Justiça do DF e Territórios (TJDFT), decidiu que quase todas as provas coletadas pelo ex-secretário de Relações Institucionais do GDF e ex-delegado da Polícia Civil, Durval Barbosa, foram obtidas de forma ilícita.

"Não ratifico as gravações clandestinas realizadas por Durval Barbosa, entre os anos de 2006 até 2009, diante do Tema 979, de repercussão geral, firmado pelo Supremo Tribunal Federal, que firmou o entendimento pela ilicitude da prova colhida por gravação ambiental clandestina", afirmou o juiz, na sentença.

Apesar de o promotor Paulo Roberto Binicheski, do Ministério Público Eleitoral, ter pedido (no início deste mês) a anulação de todas as provas que foram produzidas por Durval Barbosa - e que serviram de base para oito ações de improbidade administrativa e outras 12 ações penais, que citam Arruda como réu - a Justiça decidiu manter, por ora, apenas 2 das gravações feitas.

Diz o MPE que o delator, Durval Barbosa, agiu apenas com interesse próprio, uma vez que aceitou colaborar em troca de uma punição mais branda em outro caso de corrupção em que ele estava envolvido (revelado pela Operação Megabyte, ainda na gestão de Joaquim Roriz) e em outros escândalos, como irregularidades na terceirização de serviços prestados pelo Instituto Candango de Solidariedade (ICS) e pela Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan) - que ele presidiu.

"Os CD's entregues por Durval demonstram ser partes de gravações, inclusive, os laudos apontam que por serem cópias não é possível identificar a data e a hora que estas foram feitas. Foram sendo entregues conforme a sua conduta de colaborador processual começou a ser questionada pela autoridade policial. No caso dos autos, ele recebeu a propina de Nerci Soares Bussamra para depois comunicar o fato à Polícia Federal e pedir a marcação do dinheiro. A cópia do vídeo entregue foi feito por ele mesmo - demonstração da manipulação das informações", afirma o promotor.

E Binicheski complementa: "O que tinha caráter de lícito no início das investigações tornou-se ilícito ao final, em face do uso da máquina pública para atingir o interesse do colaborador de obter o perdão judicial e da ausência da idoneidade, uma vez que a forma de obtenção dos vídeos não condiz com a autorização judicial obtida."

Ao analisar a manifestação e os pedidos do MPE, o juiz Lizandro Filho recusou apenas a anulação de escutas ambientais, que foram monitoradas pela Polícia Federal, e que geraram vídeos gravados na residência Oficial de Águas Claras, no dia 21/10/2009, e no gabinete de Durval Barbosa, quando realizada a reunião entre ele e José Geraldo Maciel (então chefe da Casa Civil do GDF), no dia 23/10/2009, em que se realizou o registro da entrega de uma mala contendo a quantia de R$ 400 mil reais.

Mas o próprio juiz abriu brechas para "a realização de novas diligências em prol de eventuais esclarecimentos necessários". Ou seja: pode haver futuras decisões em torno do assunto, uma vez que, segundo o MPE, não foi juntada aos autos a identificação dos equipamentos da PF utilizados nessa ação controlada e, se foi confeccionado o laudo pericial, ele não foi encartado no processo.

"Agora, todas as ações devem vir abaixo"

"A Justiça começou a enxergar a ilicitude de todas as gravações. É o que vínhamos falando desde o início de todo esse processo. Elas foram feitas de forma clandestina, foram editadas pelo próprio delator, com cortes visíveis nas imagens e nos áudios, e em descumprimento a todas as ordens judiciais", disse à "Brasilianas" o advogado Paulo Emílio Catta Preta, que defende o ex-governador Arruda.

Na avaliação dele, "agora, todas as ações (que tenham como base as delações) devem vir abaixo". Paulo Emílio explicou: a operação "Caixa de Pandora" se baseou nesse material gravado por Durval em praticamente todas as condenações, tanto as que trataram de improbidade quanto as demais ações penais. E, se elas foram consideradas clandestinas, não têm mais valor jurídico. "É a nulidade do juízo criminal", afirmou. Portanto, tudo o que decorreu dela está com vícios, e deve ser anulado.

Numa analogia - embora ressaltando que "cada caso é um caso" - o advogado de Arruda lembra o caso das gravações feitas pelos irmãos Joesley e Wesley Batista, donos da JBS, que registraram conversas com o então presidente Michel Temer, em 2017. no Palácio do Jaburu. Isso quase resultou na perda de mandato de Temer.

Eles se valeram dela numa delação premiada, que depois foi questionada pelo Ministério Público Federal. Três anos depois, foi pedida a sua anulação e o Supremo Tribunal Federal considerou parte da delação, mas desconsiderou as gravações.

Segundo Paulo Emídio, nos últimos dez anos a legislação que trata de delações, de suas provas e de como o Poder Judiciário deve tratá-los se aperfeiçoou. "Algumas alterações são relativamente recentes, como a do Código de Processo Penal, que estabeleceu as regras da chamada cadeia de custódia", explicou.

Em juridiquês, a tal cadeia de custódia são os procedimentos utilizados para manter e documentar a história cronológica do vestígio (provas) coletado em locais ou em vítimas de crimes, para rastrear sua posse e manuseio, a partir de seu reconhecimento até o descarte. É justamente esse o ponto que está sendo considerado para invalidar as gravações de Durval. Não seguiram as tais regras previstas.

Ainda de acordo com o advogado, em aproximadamente 10 dias ele vai apresentar os recursos que julgar necessários junto ao Tribunal Regional Eleitoral para que os demais 30% das delações sejam igualmente consideradas clandestinas. Paulo Emílio acredita que os argumentos do Ministério Público Eleitoral são consistentes.

Para Arruda, a decisão é "resgate de sua honra"

Assim que soube da decisão, "Brasilianas" falou com o ex-governador José Roberto Arruda. Afastado da política - mas não do cotidiano do DF, é crítico, por exemplo, das mudanças feitas no PPCUB -, ativo no Instagram e, no momento, aproveitando as férias escolares com as filhas (e a festa do aniversário da caçula, de 10 anos), ele não quis se alongar na conversa. Nem tratar do futuro - ainda.

"O mais importante (dessa decisão) é que o órgão acusador, o Ministério Público, que me tirou do governo (em 2010), admitiu claramente que os vídeos eram editados e anteriores ao meu governo, e que, portanto, são provas nulas", disse Arruda.

Sem querer tratar de eventual retorno ao cenário político - "isso ainda não sei", disse ele -, o ex-governador afirmou que não é o momento ainda de pensar em candidaturas ou eleições. "O momento é o de resgate da minha honra", completou.

Mesmo inelegível até 2035 (por ora), Arruda continua forte quando se fala em sucessão de Ibaneis Rocha (MDB), em 2026. Segundo pesquisa de opinião realizada pelo instituto Paraná Pesquisas, divulgado no início deste mês, se as eleições para o Governo do Distrito Federal fossem hoje, a vice-governadora Celina Leão (PP) ganharia por 22% dos votos.

Arruda aparece em segundo lugar, com 18,6%. Considerando a margem de erro de 2,7% (para mais ou para menos), Celina e Arruda aparecem na liderança, empatados. Depois, aparecem na pesquisa os nomes da senadora Damares Alves (Republicanos) e do presidente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) Leandro Grass (PV), com 14,9% e 13,2%, respectivamente.

Para recordar o caso... que começa a prescrever!

Para recordar: a "Caixa de Pandora" foi uma operação da Polícia Federal deflagrada em 27 de novembro de 2009. Ela se baseou nos relatos de Durval Barbosa, que entre julho e agosto de 2009 contou a Promotores de Justiça do Núcleo de Combate as Organizações Criminosas (NCOC) detalhes do um esquema de corrupção existente no DF, envolvendo tanto políticos como donos de empresas. Ao todo, foram processadas 38 pessoas pela operação.

Por envolver o então governador José Roberto Arruda, o caso foi remetido à Procuradoria-Geral da República e coube ao Superior Tribunal de Justiça, no dia 11 de fevereiro de 2010, decretar sua prisão preventiva, junto a mais cinco pessoas, com o objetivo da preservação da ordem pública e da instrução criminal. Arruda ficou preso até o dia 12 de abril. Antes, no dia 16 de março, ele teve o mandato cassado pelo TJDFT, após seu partido à época, o Democratas, tê-lo expulsado da legenda.

Até agosto do ano passado, as ações de apuração e de condenação estavam sendo feitas pela 7ª Vara Criminal. Naquele momento, por decisão do ministro Reynaldo Soares da Fonseca, do STJ, entendeu-se que a ação deveria ser tramitada como sendo ação penal eleitoral - e daí todo o processo foi transferido para a 1ª Zona Eleitoral. Agora, nesta decisão, o juiz decidiu que ele, sim, tem competência para concluir os julgamentos.

E, por conta de boa parte dos réus ter, agora, mais de 70 anos - como é o caso de Arruda - o juiz Lizando Filho considerou extinta a punibilidade por crime de corrupção passiva. O crime prescreveu, segundo o magistrado. Além de Arruda, foram beneficiados o ex-governador Paulo Octávio, o ex-secretário José Geraldo Maciel e o próprio delator, Durval Barbosa.