Por: William França

BRASILIANAS | Brasília visualmente poluída (21): "Não é assim, não!", disse juiz sobre a infestação de painéis de LED

O juiz Carlos Maroja, que decidiu pelo desligamento dos totens de LED no DF | Foto: Divulgação/TJDFT

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Reprodução de uma das páginas da argumentação da Procuradoria-Geral do DF que questionou a competência do juiz para tratar sobre questões ligadas ao trânsito - que, segundo o órgão, seria para "engenheiros especialistas" | Foto: Reprodução

Em entrevista à "Brasilianas", magistrado que determinou o desligamento dos painéis de LED no DF disse que o DER-DF se valeu da ausência de legislação como argumento para autorizar a instalação dos engenhos. "É ao contrário", afirmou.

No primeiro dia útil após determinar o desligamento no DF de todos os painéis de LED que foram autorizados pelo Departamento de Estradas de Rodagem (DER-DF), o juiz Carlos Frederico Maroja de Medeiros, que responde pela Vara de Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano do Tribunal de Justiça do DF (TJDFT), afirmou à "Brasilianas" que a autarquia simplesmente inverteu o entendimento sobre o que é direito público e direito de um particular.

"A gente aprende logo no primeiro semestre no curso de Direito qual a diferença entre o que é direito público e o que é o privado", disse ontem o juiz. Segundo ele, o DER-DF sempre usou como justificativa a ausência de um Plano de Ocupação das faixas de domínio - previsto na lei distrital 5.795, de 2016, mas nunca feito pelo órgão - para autorizar a instalação dos engenhos publicitários por todo o DF.

Na sua decisão, liminar, ele explicou: "Como é de sabença elementar, a Administração rege-se pelas normas de direito público, ou seja, só pode agir conforme estipula a lei. Se não há lei autorizando, não pode agir. A tese defensiva (do DER) pressupõe exatamente o contrário: que, não sendo proibido, pressupõe-se a liberdade para atuar, o que é diretriz de direito privado, não público", afirmou o magistrado.

Segundo Carlos Maroja, se a lei é omissa o DER-DF não poderia emitir nenhuma autorização, muito menos ainda sem que fosse feita uma discussão pública sobre o tema. "Para eles, parecia que o céu é o limite, tudo pode. Mas não é assim, não!", afirmou.

"O prazo de 24 horas ainda não está valendo"

Em sua decisão, o juiz estabeleceu (na madrugada de sábado, dia 27) um prazo de 24 horas para que o DER e cinco empresas - entre elas a Metrópoles Digital, do grupo "Metrópoles", réus no processo - desligassem todos os painéis de LED do DF.

"Muita gente hoje veio me dizer que ainda estava tudo ligado", disse o juiz. Mas ele logo buscou explicar: pela legislação, o prazo de 24 horas se dá quando todos os réus tomam ciência da decisão, recebem o mandado, e esse recibo é anexado ao processo. "Isso deve demorar uns dias, ainda, mas ao longo desta semana tudo será desligado", afirmou.

"Ainda vou investigar mais essa questão de benefício para apenas uma empresa"

Ao longo dos documentos que enviou para a Justiça, na tentativa de justificar as autorizações para a instalação dos engenhos publicitários, o DER-DF sempre justificou a necessidade de permiti-los para complementar o orçamento da autarquia.

"A retirada desses elementos publicitários nesses locais poderá ocasionar uma redução significativa na receita arrecadada pelo DER-DF com o preço público recolhido pelo uso/ocupação da área pública", afirmou o documento assinado pelo diretor da Coordenação de Faixas de Domínio, Lucas Santos de Farias.

O juiz, em sua decisão, respondeu ao DER-DF: "Trocando em miúdos, longe de configurar liberdade plena para instalar publicidade segundo o mero interesse do poder econômico, a ausência de um plano diretor de publicidade impediria as autorizações, mormente (sobretudo) sem a observância da ampla concorrência."

Para ele, quando o DER-DF defendeu a ausência de regulamentação específica pelo Plano Diretor de Publicidade para justificar a dispensa de licitação pública, ele está "deveras equivocado".

"Eu ainda quero investigar melhor essa questão que traz indícios de violação ao princípio da isonomia e da impessoalidade. Quero saber por que apenas uma empresa foi a maior beneficiada, com pelo menos 56% das autorizações", disse o juiz.

Segundo dados do próprio DER-DF, em resposta ao Ministério Público, em maio deste ano havia 276 tótens de LED instalados no DF, sendo que 155 deles eram do "Metrópoles" (o que corresponderia aos 56%).

Mas este número pode ser ainda maior. Isso porque, dois meses depois, em julho, o mesmo DER-DF disse ao MP que agora são "mais ou menos" 370 os tótens de LED instalados na cidade. Um crescimento de 20% em apenas 60 dias.

Se for mantido o percentual, o "Metrópoles" responderia por ao menos 207 tótens instalados. Mas o número pode ser maior até maior, uma vez que houve um aumento expressivo de colocações dos tótens vermelhos da empresa nos últimos dias - como na DF-001.

O juiz Carlos Maroja não descarta tornar nulas todas as autorizações. "Não posso prejulgar, a ação ainda está no seu nascedouro. Mas quero saber quem são as empresas beneficiadas e por que as autoridades deram essas autorizações".

Segundo escreveu em sua decisão, "não pode haver dúvidas sobre a presença de manifesta plausibilidade jurídica a sugerir a possível nulidade dos atos questionados. Não apenas a nulidade, mas também a lesividade a interesses jurídicos relevantes".

"De todo modo, também não é certo que o tema das publicidades não seja objeto de normatização; (...) A atividade é, sim, sujeita a normas bem definidas que, a propósito, também aparentam estar sendo descumpridas, como é o caso do distanciamento mínimo entre os engenhos, as dimensões dos equipamentos qualificados como mobiliário urbano, dentre outras", afirmou o juiz.

No caso do "Metrópoles", os pedidos que a empresa fez ao DER-DF ela denomina os painéis publicitários como mobiliário urbano (que são bancos de concreto, parquinhos e relógios, por exemplo), que têm uma legislação mais flexível e permitem ser instalados num canteiro central, gramado, das rodovias. Para o Ministério Público, os tótens publicitários do "Metrópoles" se disfarçaram para obter essa vantagem, exibindo hora, temperatura ambiente e data - como se fossem relógios digitais. "Mas sem serventia", disse o MP.

"O DER não é a 'zeladoria' do GDF"

Um dos pontos de sua decisão que mais chamaram a atenção foi a contestação, por parte do juiz, sobre vários questionamentos do GDF a respeito de sua competência para decidir sobre a motivação da Ação Popular, que tratava de interferência da luminosidade dos painéis de LED no trânsito. O autor da ação, o advogado Anderson Gomes, se valeu do Código de Trânsito Brasileiro para pedir o desligamento dos painéis de LED.

O subprocurador-geral do DF, Ivan Machado Barbosa, ao responder em nome do Governo do Distrito Federal sobre a legitimidade da atuação do DER-DF sobre o tema, aproveitou o documento e questionou o juiz, ao longo de 10 das 25 páginas da resposta, sobre qual a competência dele sobre o assunto.

"Por que a competência do Poder Judiciário deveria prevalecer sobre o juízo do governador (Ibaneis Rocha) e dos seus auxiliares na área de segurança do trânsito? "Não deve", respondeu de pronto o próprio subprocurador. "A presente ação envolve uma análise técnica de engenheiros especialistas em trânsito", afirmou.

Para o juiz, o que foi dito pelo governo do DF é "que o DER tem poder absoluto para definir a autorização para instalação da publicidade ao longo das vias e que não cabe ao Judiciário intrometer-se no âmbito das decisões adotadas pelos engenheiros especialistas em trânsito, sob pena de violar a separação das funções dos poderes constituídos, sob pena de ocasionar a paralisia do Estado".

Para "Brasilianas", ele explicou esse ponto: "O DER afirma que, como ente de fiscalização, tem preponderância sobre as faixas de domínio. Mas ele não é a 'zeladoria' do GDF, não é bem assim. Existem inúmeros outros órgãos que devem tratar do tema também, sobretudo porque há uma questão maior, que é interesse coletivo e social", completou.

Ainda na justificativa de sua decisão, o magistrado escreveu: "Na ambiência constitucional brasileira, o Judiciário tem a incumbência de efetivar o controle de legalidade dos atos administrativos, ou seja, faz a aferição dos planos de existência, validade e eficácia dos atos administrativos perante a ordem jurídica posta. (...) É bem verdade que o Judiciário não governa, mas é igualmente inegável que, guardião das promessas constitucionais que é, incumbe-lhe impedir o desgoverno."

O subprocurador do GDF havia questionado, ainda, a competência constitucional do juiz em tratar do assunto, insistindo na tese de separação de Poderes. "Reitero: o pedido de controle jurisdicional da legalidade dos atos administrativos posto nestes autos tem pleno respaldo constitucional, não representando, de qualquer modo, interferência sobre funções típicas do Poder Executivo, mas mera aplicação da jurisdição sobre a arguição de violação da ordem jurídica, incumbência trivial do Poder Judiciário."

Para "Brasilianas", o juiz explicou que o instrumento da Ação Popular traz justamente para o Judiciário essa atribuição, diferentemente do que argumentou o subprocurador. "O cidadão pode ter uma atuação política por meio do Judiciário. É exatamente este o escopo de instrumentos de tutela de interesses coletivos, como a ação popular, que é a garantia processual de participação política do cidadão sobre os atos da Administração, um direito que qualifica a própria ideia de República", definiu.

Para auxiliar o leitor: por definição, Ação Popular é o meio processual a que tem direito qualquer cidadão que deseje questionar judicialmente a validade de atos que considera lesivos ao patrimônio público, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural.

"O DER não tem poder absoluto"

O magistrado ainda levantou a questão sobre a definição e sobre os limites das faixas de domínio no DF. Numa das três respostas encaminhadas à Justiça, o DER-DF anexou um croqui para exemplificar quais seriam as suas áreas físicas de atuação - mas não estabeleceu quais são as medidas mínimas e máximas, nem seus limites.

"A afirmação é equivocada, por presumir uma espécie de poder praticamente absoluto do DER sobre os territórios qualificados como faixa de domínio. Numa república democrática, nenhum poder é absoluto e ilimitado", afirmou o juiz em sua decisão.

Como "Brasilianas" havia publicado, na edição nº 16 desta série sobre poluição visual, no DF não se tem uma medida padrão que estabeleça os limites para que alguém possa construir (ou não) qualquer coisa às margens das rodovias. Isso vale tanto para os engenhos publicitários (como os painéis de LED) quanto para quiosques, por exemplo. Ou mesmo para loteamentos ou condomínios.

"A população levou um susto"

O juiz Carlos Maroja reafirmou que levou em conta, sobretudo, o Direito Ambiental para embasar sua decisão. "Houve um efetivo impacto no meio ambiente urbano, que é tratado na legislação como meio ambiente artificial", explicou. Para ele, as regras da lei 6.938/81 (que dispôs sobre a Política Nacional do Meio Ambiente), entre outras, lhe dão ampla base jurídica para o caso.

"No direito ambiental, um dos princípios básicos é o da precaução", explicou o juiz. Segundo ele, o DER-DF vinha afirmando que até agora não tinha registrado nenhum acidente fatal que tenha correlação com os painéis de LED.

"Ora, não temos que esperar que isso aconteça", disse o juiz. Ele lembrou que o Ministério Público - que endossou o pedido de desligamento dos painéis - tem recebido dezenas de reclamações de motoristas e usuários, sobre a intensidade do brilho e a localização dos painéis, que atrapalham o ato de condução dos motoristas.

A questão da poluição visual, que também é tratada pela legislação ambiental, também foi levada em conta em sua decisão. Isso, associado ao fato de Brasília ser uma cidade tombada como Patrimônio Cultural da Humanidade pela Unesco. "Isso tudo (a infestação dos painéis de LED) gerou um susto na população, que de repente passou a contar com um novo visual na cidade, sem nunca ter sido consultada sobre ele".

No 13º episódio sobre poluição visual em Brasília, "Brasilianas" demonstrou que Brasília não tem legislação ambiental adequada para tratar sobre poluição visual. Mesmo com todos os procedimentos de tombamento e de preservação do patrimônio histórico, não há no DF nenhuma regra que trate desse aspecto para sua devida conservação.