BRASILIANAS | Brasília visualmente poluída (23): MP x DER: a batalha sobre os efeitos dos painéis de LED
Ao longo da Ação Popular que culminou com a ordem de desligamento dos painéis de LED, o MP e o DER apresentaram vários estudos técnicos sobre os riscos deles para o trânsito. Todos sem conclusão
Ao longo da Ação Popular que culminou com a ordem de desligamento dos painéis de LED, o MP e o DER apresentaram vários estudos técnicos sobre os riscos deles para o trânsito. Todos sem conclusão.
Durante os três meses que durou a tramitação inicial da Ação Popular e que resultou na decisão da Justiça para desligar os painéis de LED em todo o Distrito Federal, o Ministério Público e o Departamento de Estradas de Rodagem (DER-DF) travaram uma batalha paralela às questões jurídicas: esses painéis, afinal, interferem e prejudicam os motoristas? Ou não?
A resposta foi inconclusa. Isso porque nenhum dos dois lados conseguiu anexar um estudo que pudesse afirmar, taxativamente, que os painéis de LED efetivamente prejudicam. Tampouco, algum que afirmasse o contrário.
O próprio DER afirmou, num dos documentos anexados ao processo, "que os estudos técnicos relativos à luminescência não fornecem conclusões definitivas sobre a periculosidade daqueles engenhos". Isso, porque o MP - por sua vez - havia afirmado que "os resultados da pesquisa (anexada no processo) publicados também não são unânimes".
Com base nessa inconsistência, coube ao juiz Carlos Maroja decidir. "Ora, se as pesquisas não são unânimes, o que se tem é a persistência de uma dúvida razoável sobre o tema enfocado. Em outros termos, em que se respeite a opinião técnica dos integrantes do órgão especializado (DER-DF), não se pode negar que há, sim, uma margem a que se tenha uma pelo menos dúvida razoável quanto à inofensividade dos engenhos para a segurança do trânsito, circunstância que, sem desmerecer a qualidade técnica dos integrantes do DER, suscita ao menos uma investigação mais acurada, quiçá com o auxílio de outros estudiosos do tema", sentenciou.
E concluiu, utilizando-se de argumentos da Legislação Ambiental: "E até que advenha a certeza sobre a inofensividade dos engenhos questionados na lide (Ação Popular), o que qualifica a situação como a de dúvida razoável, impõe-se a suspensão da situação de potencial risco, pela trivial incidência do que é basilar no Direito Ambiental: o princípio da precaução."
O juiz Carlos Maroja teve ainda o cuidado de explicar esse argumento, sugerindo que se façam estudos complementares. "Trocando em miúdos: se o curto período de implantação dos engenhos potencialmente perigosos não permite concluir com certeza sobre o seu real impacto sobre a segurança do trânsito (alegação do DER-DF), há que se investigar com maior acurácia, sob a luz do debate aberto, inclusive com os setores especializados da academia, sobre a certeza de que tais engenhos sejam inofensivos."
O que disse o Ministério Público
Segundo documentos anexados na Ação Popular pela promotora Laís Cerqueira, titular da 5ª Promotoria de Justiça de Defesa da Ordem Urbanística, "estudos acadêmicos desenvolvidos por especialistas em segurança viária relacionam a instalação de painéis luminosos às margens de rodovia ao aumento do risco de acidentes de trânsito".
A promotora acrescentou estratos de três trabalhos acadêmicos. Em um, de 2009, da Universidade de Brunel (Reino Unido), teve como tema "Conflitos de interesse: as implicações da publicidade na estrada para a atenção do condutor". No estudo, foi investigado o impacto da publicidade à beira das estradas na atenção dos motoristas e na segurança viária.
Eis a síntese do estudo, segundo o MP: "Utilizando um simulador de direção, os pesquisadores descobriram que a presença de outdoors publicitários aumentou significativamente o número de desvios de faixa e o tempo em que os motoristas passavam fora da faixa de rodagem, especialmente em ambientes de rodovia e áreas rurais."
"Além disso, a carga de trabalho mental dos motoristas foi maior na presença desses anúncios, indicando um aumento na distração." Os resultados do estudo do Reino Unido "sugerem que a publicidade rodoviária pode comprometer a segurança viária, ao desviar a atenção dos motoristas dos sinais de trânsito relevantes, potencialmente levando a um maior risco de acidentes." Eles complementaram: "Com estimativas conservadoras, colocam-se as distrações externas responsáveis por até 10% de todos os acidentes de trânsito".
O outro estudo foi conduzido em 2021 pela professora e doutora em Física Gunta Krumina, chefe do Departamento de Optometria e Ciência da Visão da Universidade da Letônia. Foi estudado o impacto dos painéis de publicidade digital em LED na segurança rodoviária e, para isso, os cientistas desenvolveram um método de avaliação da luminância desses painéis utilizando dispositivos acessíveis, como luxímetros.
"Os autores destacam que a alta luminância dos outdoors digitais podem causar desconforto visual aos motoristas e aumentar o risco de acidentes. Eles recomendam regulamentações específicas para limitar a luminância dos painéis, especialmente em áreas próximas a rodovias, para garantir a segurança no trânsito", disse a promotora.
O terceiro anexo foi um estudo da Universidade de Poznan, na Polônia, de 2018, que a partir de testes de laboratório avaliou o impacto da luminância, tamanho e localização dos painéis de LED no desempenho visual dos motoristas.
"Utilizando um simulador de direção em condições controladas de laboratório, os resultados demonstraram que níveis elevados de luminância e painéis maiores aumentam significativamente o tempo de reação dos motoristas a obstáculos na via, aumentando o risco de acidentes. (...)"
"Com base nesses achados, o pesquisador Malgorzata Zalesinska, do Instituto de Engenharia Elétrica e Eletrônica, recomenda limitar a luminância e o tamanho dos painéis de LED, bem como posicioná-los em ângulos que minimizem a distração dos motoristas, contribuindo assim para a segurança no trânsito", conclui o MP.
O que disse o Departamento de Estradas de Rodagem
Em seu contraponto, o DER-DF disse ser "incompreensível o posicionamento da Promotoria". E afirmou, ainda: "Nos parece estar (o MPDF) desconfortável com a política de trabalho desenvolvida por esta Casa Rodoviária nos painéis de LED, considerando que em sua cota ministerial menciona estudos que são inconclusivos quanto aos engenhos publicitários luminosos".
O DER-DF buscou rebater e desmerecer os três estudos indicados pelo MPDFT. Em dois deles, questionou as dificuldades de se provar, na vida real, o que os estudos em laboratório indicaram e reforçou que nas ruas a situação é diferente de um simulador.
No primeiro, que tratou sobre o impacto da luminância, tamanho e localização dos outdoors de LED no desempenho visual dos motoristas, a autarquia afirmou que o estudo foi realizado com um grupo de voluntários. "Testar o impacto dos painéis de LED no desempenho visual dos motoristas em condições reais é muito difícil. Portanto, os testes foram realizados em condições de laboratório, utilizando um simulador de direção automotiva".
No segundo estudo, o DER disse que "testes que visam determinar a relação entre o aumento de acidentes automobilísticos e a possível presença de outdoors de LED próximos a esses locais são realizados há muitos anos, devido à complexidade desses equipamentos". E só.
No terceiro ponto, o DER trouxe uma frase pinçada no estudo dos poloneses: "Os resultados da pesquisa publicados também não são unânimes". E completou: "É muito difícil determinar tal relação. Muitas vezes, os próprios condutores não têm conhecimento de todos os fatores que contribuíram para o acidente ou, temendo uma multa ou ter de pagar um aumento nos prêmios de seguro, não admitem, propositalmente, que o acidente foi causado porque eles foram distraídos por um outdoor."
E o DER-DF concluiu seu contraponto, afirmando que "em síntese, não é possível relacionar a utilização de engenhos publicitários luminosos do tipo LED instalados em rodovias a aumento de morte no trânsito". E disse que "criou-se uma celeuma infundada sobre o tema, que virou um ciclo midiático".
É... "Brasilianas", do "Correio da Manhã", está à frente desta tal celeuma midiática. Mas, como se pôde ver ao longo desta série sobre a poluição visual em Brasília, está longe de ser infundada - como havia afirmado o DER-DF. Amanhã tem mais...