BRASILIANAS | Brasília visualmente poluída (25): Comunidade reage contra os painéis, os 'malaguetas'

Diferentemente do que disse a defesa do 'Metrópoles', a comunidade brasiliense está, sim, incomodada com os painéis de LED

Por William França

Pimenta malagueta, que tem algo teor de picância. Nome está sendo utilizado para denominar os painéis do "Metrópoles", no DF.

Reprodução MPDFT - Registro da Ouvidoria do MP com denúncia de ameaças supostamente feitas pelo "Metrópoles" serão investigadas.

Diferentemente do que disse a defesa do 'Metrópoles', a comunidade brasiliense está, sim, incomodada com os painéis de LED

Para o Departamento de Estradas de Rodagem (DER-DF), a proliferação de painéis publicitários pela cidade (são quase 2.000) não causa nenhum problema no DF. Nem sob a ótica da segurança de trânsito nem da poluição visual ou ambiental. Menos ainda, na interferência da Escala Bucólica prevista pelo arquiteto Lúcio Costa para o Plano Piloto de Brasília. Tampouco têm qualquer irregularidade no seu licenciamento.

Resumidamente, esses foram os argumentos da autarquia apresentados ao Ministério Público e à Justiça, no dia 24 de julho de 2024, por meio do Ofício 01/2024, em resposta a uma série de questionamentos levantados pelo Poder Judiciário na análise da Ação Popular que pediu o desligamento dos tótens de LED que infestam a cidade.

Curiosamente, o conteúdo desse documento de 21 laudas assinado pelo engenheiro Murilo de Melo Santos, superintendente de Operações do DER (réu na Ação Popular), é praticamente o mesmo utilizado na argumentação feita pelos advogados Marcelo Luiz Ávila de Bessa e Thiago Lôbo Fleury, que em 22 laudas apresentaram um Agravo de Instrumento ao Tribunal de Justiça do DF, questionando a validade da decisão liminar que havia determinado desligar, em 24 horas, os tótens de LED.

Até mesmo as estatísticas que assegurariam - segundo o DER-DF - a inexistência de vínculo entre os painéis de LED e acidentes de trânsito foi repetida pelos advogados do escritório Ávila de Bessa. E, depois, foram repetidas pelo "Metrópoles" - quando, pela primeira vez, tratou sobre o tema em seu site de notícias, no último dia 31 de julho. "Em 20 anos, DF nunca teve acidente motivado por motorista distraído com painéis", afirma a reportagem.

Se ainda não existem estatísticas que vinculem os painéis de LED a acidentes fatais - segundo argumentam -, o que não faltam são reclamações por parte dos motoristas e mesmo de entidades organizadas de todo o DF. O Ministério Público já vinha recebendo várias delas, ao longo dos últimos meses, antes mesmo de o advogado Anderson Gomes apresentar a sua Ação Popular, em 15 de abril passado.

Totens do "Metrópoles" têm alto índice de picância

Reprodução/Instagram - Post do "Correio Braziliense" com decisão da Justiça repercutiu entre os brasilienses. Quase a totalidade comemorou o desligamento dos paíneis de LED na cidade.

As reclamações chegaram por meio de abaixo-assinados, representações, queixas na Ouvidoria e e-mails. São tantas - sobretudo contra os painéis de LED do "Metrópoles", que têm a cor vermelha - que já ganharam até apelido no MP: "os malaguetas".

É... faz sentido... Afinal, tal como a pimenta (originária da África), além de serem vermelhos, eles nascem com facilidade e infestam tudo. Segundo dicas facilmente encontradas na internet, para plantar esse tipo de pimenta é preciso apenas jogar a semente e "prestar atenção no solo, na adubação, na drenagem, na iluminação e na temperatura". Ela cresce facilmente em 90 dias.

No caso dos tótens de LED - ou melhor, "os malaguetas do Metrópoles" - eles também proliferam com facilidade no DF. Encontraram amplo solo público, fértil e acessível, adubados por autorizações obtidas sem dificuldades pelo DER-DF. No caso, a000 iluminação é o maior dos problemas - pois abusam justamente por sua luminosidade.

E tal como a pimenta ardida, os dados do próprio DER-DF indicam a facilidade em seu crescimento - ou melhor, infestação - pela cidade. Dados da autarquia indicam que em apenas 60 dias aumentaram em 20% o número desses painéis pelo DF. Eram 276 em maio e já somavam "mais ou menos" 370, em julho.

Ainda na analogia dos tótens do "Metrópoles" com o fruto usado como condimento, o exagero na dose de ambos pode provocar problemas. No caso da pimenta malagueta, sua alta picância causa aumento da temperatura corporal, dores de cabeça, dores de estômago e até quadros mais complicados, como ataque de asma ou queimaduras no esôfago.

No caso dos tótens, sobretudo "os malagueta do Metrópoles", as reclamações registradas no Ministério Publico indicam as reações causadas nos brasilienses pelo excesso desses painéis publicitários espalhados pela cidade: vão de poluição visual, incômodo pela luminosidade excessiva, passando pela instalação feita em áreas públicas ou muito próximos as rodovias, dentre vários outros. Incomoda muito, tal como o excesso de picância.

"Esses engenhos publicitários ofuscam a visão dos condutores, tirando inclusive a sua atenção ao trajeto da via", afirma um abaixo-assinado da Prefeitura Comunitária da Península Norte, que tem mais de 1.200 signatários. "Há uma flagrante poluição visual, agressiva e inoportuna, principalmente no período noturno, pela incrível luminosidade gerada, podendo inclusive ocasionar atropelamento de pedestres que, por acaso, estejam atravessando a pista automotiva", completa.

Outro documento, do Conselho Comunitário do Lago Sul, questiona os painéis publicitários "cuja emissão de luz é exagerada e provoca poluição visual em todo o bairro". Ambos os documentos apontam inúmeras outras irregularidades (que incluem outros inúmeros danos, todos tratados aqui por "Brasilianas" ao longo desta série) e trazem questionamentos sobre a sua legalidade.

"As autorizações de instalação dos painéis publicitários sem a observância dos dispositivos legais denotam desvio de poder, que não pode ser tolerado. O desvio de poder, espécie de abuso de poder, tem como característica o fato de ser praticado por autoridade competente, porém com distorção da finalidade prevista em lei", afirma o documento oriundo do Conselho Comunitário do Lago Sul. "Não podemos fechar os olhos e permitir tamanha aberração", conclui.

Denúncia de ameaças sob investigação

Outras dezenas de reclamações recebidas pela Ouvidoria do Ministério Público também estão sendo ordenadas para subsidiar a ação da promotoria na Ação Popular. Algumas da quais "Brasilianas" teve acesso, denunciam, por exemplo, negociações nada ortodoxas por parte do "Metrópoles" para obter a primazia dos equipamentos pela cidade.

Há menos de um mês, no dia 5 de julho, um denunciante - que pediu anonimato "por relações comerciais" -, relatou ao MP que o painel instalado ao final da Ponte JK foi obtido pelo "Metrópoles" após ameaças à empresa de publicidade que era originalmente a licenciada. Cita pressão sobre o DER e uma negociação envolvendo o site de notícias e seu proprietário, o ex-senador Luiz Estevão. "Para cessar as ameaças e em troca seria (sic) concedido outros 3 painéis para compensá-los". A Ouvidoria do Ministério Público determinou que este fato seja apurado pelos promotores.

Há outros termômetros populares para medir a irritação dos brasilienses com "os malaguetas do Metrópoles". Em post publicado no dia 31 de julho, quando a Justiça mandou desligar os painéis publicitários nas rodovias do DF, o perfil do "Correio Braziliense" no Instagram registrou 6.189 interações. A quase totalidade delas foi em apoio à medida. "Até que enfim vão tirar esses holofotes da cara do condutor", comemorou um deles. "Enfim, uma decisão certa", afirmou outro.

Vale lembrar, por curioso, que o "Correio Braziliense" - embora concorrente direto do "Metrópoles" -, também tem seus próprios tótens de LED espalhados pela cidade. Eles integram o sistema CB.DOOH, que se encontra instalado em vários pontos da cidade. No metrô, inclusive.