Empresa usa brecha na decisão do DER que suspendeu a instalação de novos painéis. GT que faz a revisão do Plano Diretor de Publicidade pede mais 90 dias de prazo
Apesar de o Departamento de Estradas de Rodagem (DER-DF) ter se comprometido, em julho, perante a Promotoria da Ordem Urbanística do DF e à Vara de Meio Ambiente, Desenvolvimento Urbano e Fundiário do Tribunal de Justiça do DF em suspender a instalação de novos tótens publicitários de LED, que emporcalham a cidade, o "Metrópoles" continua ampliando o número de equipamentos instalados.
"Brasilianas" constatou a instalação de pelo menos dois deles, nos últimos dias. Um, ao lado da ciclovia recém-inaugurada pelo GDF, no Pistão Sul de Taguatinga. Outro, no final da L4 Norte, junto ao entroncamento com a L2 Norte. Neste último, os vestígios da recente ligação são patentes, do início deste mês.
Questionado por mais de uma semana (e por diversas vezes) sobre os motivos pelos quais o Metrópoles Mídia Digital (empresa que responde pelos tótens) não estava cumprindo o que havia sido estabelecido pela própria autarquia, o DER-DF se calou. A única resposta dada constou do encaminhamento de cópia da Ordem de Serviço 72, de 23 de julho, que trata justamente da suspensão do número de tótens pela cidade.
Nesta OS, de acordo com o parágrafo 1º, o DER decidiu "suspender por tempo indeterminado toda e qualquer emissão/concessão de atos administrativos de competência privativa do Departamento de Estradas de Rodagem do Distrito Federal, com a finalidade de autorização/permissão, credenciamento e/ou licenciamento de qualquer natureza, objetivando instalação/locação e mudança de estrutura de engenhos publicitários ou meios de publicidade/propaganda de todos os portes, incluindo os mobiliários urbanos nas Faixas de Domínio do SRDF e rodovias delegadas/conveniadas sob jurisdição da Autarquia."
No artigo 2º da OS, há a explicação de que a suspensão "é aplicada à implementação de Planos de Ocupação e congêneres, bem como impõe o sobrestamento dos processos administrativos SEI/GDF em andamento e pedidos protocolados de mesma natureza na alçada do DER-DF, inclusive àqueles que tratam de alteração e mudança de estrutura dos equipamentos."
Traduzindo: até segunda ordem, nenhum painel luminoso ou tótem poderia ter sua instalação autorizada. Esta decisão do DER-DF veio logo após outra, do governador Ibaneis Rocha (MDB), que decidiu criar um Grupo de Trabalho para discutir e apresentar proposta de regulamentação do Plano Diretor de Publicidade no DF. Este GT foi criado pelo Decreto 45.932, de 20 de junho deste ano.
Omissão nos documentos oficiais foi a brecha
Em nenhum dos dois documentos oficiais - a Ordem de Serviço ou o Decreto - tratam das autorizações concedidas antes da expedição dessas determinações. Aí está a brecha que foi encontrada pelo "Metrópoles" para continuar a instalar os tótens pela cidade.
Disse o DER-DF: "Quanto às autorizações concedidas antes de 23 de julho de 2024, essas continuam válidas. Portanto, a instalação dos engenhos publicitários autorizados no período anterior a 23 julho de 2024 mantém-se vigente".
Procurado por "Brasilianas", o Metrópoles Midia Digital - por meio de Nicole Meyer, engenheira do grupo Metrópoles - disse que esses dois engenhos publicitários (nome oficial do painel de LED que emporcalha a cidade) haviam sido liberados antes das vedações. "As autorizações da EPNA (L4) são de 01/10/2023 e da EPCT (Pistão Sul) de 08/08/2023", disse a engenheira.
Ou seja, caro leitor: apesar de o DER-DF ter se comprometido a não colaborar com a poluição visual que se alastrou pela cidade - segundo justificativa da Ordem de Serviço assinada pelo presidente da autarquia, Fauzi Naczur Jr, "ratificando o nosso compromisso com a sociedade brasiliense, Governo do Distrito Federal, igualmente com os ecossistemas de controle e Justiça" - não se sabe quantas autorizações prévias ainda estão vigentes. Ou seja...
Uma curiosidade: a autorização para a instalação dos totens da L4 Norte se deu no dia 1º de outubro do ano passado, exatos 10 dias antes de uma primeira decisão do DER-DF de suspender a análise de novos pedidos. No compromisso feito em julho deste ano, a autarquia ampliou a suspensão inclusive para novos casos ainda em análise.
GT de revisão das leis de publicidade pede mais tempo
No último dia 20, quando findou o prazo para que o Grupo de Trabalho (GT) criado para rever o Plano Diretor de Publicidade, proposto pelo governador Ibaneis Rocha (MDB), foi dada uma nova sobrevida à tarefa: foi publicado o Decreto 46.280/2024, estabelecendo mais 90 dias para a conclusão dos estudos.
"Brasilianas" apurou que está sendo elaborado um novo projeto de lei sobre o tema, que será encaminhado à Câmara Legislativa do DF. A intenção é a de atualizar a legislação que trata do arcabouço das autorizações para a instalação de engenhos publicitários nas áreas públicas.
São duas leis em vigor sobre o tema, hoje: a lei 3.035/2002, que cuida das regras para a área tombada, a mesma região que foi tratada pelo Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília, o famoso PPCUB, e a lei 3.036/2002, que cuida das regras para as demais regiões administrativas do DF.
Ambas as leis, que têm mais de 20 anos, sofreram diversas intervenções que acabaram por desfigurar a intenção inicial, que era a de evitar poluição visual e a preservação das áreas tombadas - justamente o que está acontecendo com a proliferação de tótens de LED, que têm o Metrópoles Digital como detentor de mais de 50% deles.
GT surgiu após veto por razões jurídicas, não usadas anteriormente
A criação do GT veio em seguida ao veto na íntegra do projeto de lei 985/2024, da Câmara Legislativa - que havia trazido duas propostas numa só. A primeira, do deputado Wellington Luiz (MDB), tratava de regras para instalação de painéis no Setor de Diversões Norte (SDN, o Conjunto Nacional) e no Setor de Diversões Sul (SDS, que tem o Conic entre os edifícios). Essa lei tornaria o Conic uma caixa gigante de LED, com painéis em todas as suas faces e pretendia ainda tornar "legal" o painel gigante do "Metrópoles" que existe lá hoje, voltado para o Eixo Monumental - que ainda resiste no local, até hoje.
A outra proposta vetada, a proposta pelo deputado Jorge Vianna (PSD), estabelecia espaçamento mínimo para a instalação de painéis publicitários na mesma margem das vias do DF. Ele propunha painéis a cada 100 metros - quando as regras atuais, que já permitem toda essa infestação de painéis de publicidade, estabelecem o mínimo de 250 metros entre eles. Por conta dessa proposta, cada trecho do Eixinho ou do Eixão poderia ter 70 painéis enfileirados, por exemplo.
Voltando ao GT de Ibaneis... Quando decidiu assinar o decreto 45.932, no dia 20 de junho, o governador disse - então pela primeira vez - que o projeto dos distritais era inconstitucional "em virtude do vício de iniciativa". Por isso decidiu vetá-lo. A Lei Orgânica do DF diz que compete ao governador propor leis sobre plano diretor de ordenamento territorial, uso e ocupação do solo, preservação do conjunto urbanístico e planos de desenvolvimento local.
Mas - curiosamente -, o próprio Ibaneis Rocha havia sancionado ao menos duas outras leis propostas pelos distritais e que alteraram drasticamente o uso dos painéis publicitários na cidade. Ambas com a mesma "iniciativa viciada", que antes não foi vista e que foi alegada para o último veto.
Uma delas foi a lei 6.639/20, proposta pelo ex-deputado Delmasso (PRB) e pelo então distrital Rafael Prudente (MDB). Ela foi sancionada sem vetos por Ibaneis. A nova regra veio resolver uma pendência gerada ainda no governo Rodrigo Rollemberg, que em 2018 abriu guerra contra um painel gigante do "Metrópoles", de 246 m² e 22 metros de altura, que foi instalado na empena (lateral) de um prédio do Setor Bancário Sul. A lei passou a permitir a instalação de painéis nos setores bancários e comerciais Norte e Sul.
Outra mudança permitida nesta lei foi a ampliação da dimensão dos painéis fixos no solo, cujo limite da área máxima foi aumentado de 35m² para 60m². Esse ajuste, que quase dobrou o tamanho das áreas de divulgação, é o que permitiu, por exemplo, a instalação dos painéis colossais (com 14 metros de altura) do "Metrópoles" na saída do Aeroporto JK (que o arquiteto Danilo Barbosa chamou de "A Coisa") e o que está na subida da Ponte JK (que consegue ser avistado por quem passa por sobre a cidade, de avião, ou mesmo do outro lado do DF, no Setor Taquari, depois da Asa Norte).
Outras leis alteradas em benefício do 'Metropoles'
E como o Plano Diretor de Publicidade não previa a divulgação de conteúdo jornalístico nos meios de propaganda afixados em edificações, foi feita também essa alteração. Atendeu, claro, ao "Metrópoles". Um dos autores da proposta, o então deputado Delmasso, disse que o objetivo principal da nova lei seria o de permitir a veiculação, em painéis de LED, de matérias jornalísticas de diversos veículos de comunicação. "Isso vai democratizar o acesso à informação e valorizar o trabalho da imprensa", afirmou.
Outra proposta que alterou o Plano Diretor de Publicidade foi mais recente, de autoria do deputado distrital Hermeto (MDB), e virou a lei 7.059/22, sancionada por Ibaneis em 6 de janeiro de 2022. Com um único artigo, a lei regularizou um painel gigante do "Metrópoles" na DF-001, para quem entra em Brasília pela BR-060. O engenho extrapolava todas as previsões legais. Agora, legal, tem 12 metros de altura.