BRASILIANAS | Irritado, Ibaneis cancela obra de atacadão no Mané Garrincha
E, numa edição extra do Diário Oficial, exige que o concessionário faça o que foi definido em concurso público para aquele local, em 2020, dentro das regras do tombamento. Ou, então, o GDF cancelará também a concessão de todo o espaço
E, numa edição extra do Diário Oficial, exige que o concessionário faça o que foi definido em concurso público para aquele local, em 2020, dentro das regras do tombamento. Ou, então, o GDF cancelará também a concessão de todo o espaço
Ainda instigado pela recente (e longa) discussão que tomou conta do Distrito Federal por conta do Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília - o famoso PCUB -, não duraram nem 36 horas (incluindo aí um final de semana) os processos que levaram o Governo do Distrito Federal a cancelar os alvarás que permitiram a construção de um atacadão às margens do Estádio Mané Garrincha. A obra estava em estágio avançado.
Ontem, uma edição extra do "Diário Oficial do Distrito Federal" (DODF) trouxe a determinação do governador Ibaneis Rocha (MDB), que, por meio do Decreto 46.285/2024, suspendeu os dois alvarás de construção (nº 530/2021 e nº 2039/2022) que permitiam à Arena BRB Estádio Mané Garrincha instalar um supermercado da Rede Costa Atacadão, que é de Goiás.
"Brasilianas" apurou que o governador ficou muito, muito irritado ao saber da obra - que, embora aprovada pelas áreas técnicas há mais de dois anos - não faz parte do projeto que foi proposto em concurso público para aquele espaço. Ibaneis deu ordens expressas para que a Terracap (dona do terreno e concedente) revisse seu posicionamento e buscasse readequar as obras dentro do que foi previsto no contrato, sob ameaça de cancelar a concessão.
A Agência de Desenvolvimento do Distrito Federal (Terracap), havia dito, quando o assunto tomou conta da mídia na semana passada, que uma vez que a área é concedida, a empresa responsável pela concessão tem autonomia pela área que circunda o estádio. Lavou as mãos!
Na sexta-feira, Ibaneis chegou a ligar para o responsável pela empresa concessionária, Richard Dubois, e disse que foi surpreendido pela notícia de que haveria um atacadão nos arredores do Estádio (nunca previsto para aquele local), que ele não concordava e nem tinha autorizado nada daquilo e que a empresa teria dois caminhos a seguir: ou desistir daquele projeto ou renunciar a toda a concessão.
O contrato entre o GDF (Terracap, como cessionária) e a Arena BSB foi assinado em julho de 2019 e permite a utilização da área do Estádio Mané Garrincha e do Complexo Esportivo Ayrton Senna por 35 anos. A previsão contratual é a do pagamento de R$ 5 milhões por ano ao GDF, mais um percentual, estipulado em 5% do faturamento geral de todo o complexo. Até o momento, no entanto, passados cinco anos, ainda não foi feito nenhum repasse aos cofres públicos.
Concurso nacional de arquitetura ignorado
A decisão da suspensão das obras veio com um endurecimento das regras. Até então, pouco se fez para que a Arena BSB de fato levasse em conta o que havia sido previsto para o espaço, que foi estipulado em um concurso público - haja visto o posicionamento revelado pela Terracap, de dar autonomia plena ao concessionário.
Em janeiro de 2020, o Instituto de Arquitetos do Brasil - Departamento do Distrito Federal e o Consórcio Arena BSB divulgaram os resultados do concurso nacional de arquitetura e paisagismo para requalificação do complexo esportivo e de lazer Arena BSB, que envolve, entre outros equipamentos, o Estádio Nacional Mané Garrincha.
O concurso tinha como objetivo selecionar uma proposta vencedora que oferecesse espaços urbanos, arquitetônicos e paisagísticos altamente qualificados a partir de critérios como integração e contextualização urbana, mobilidade e acessibilidade, flexibilidade funcional e coerência logística para as operações e sustentabilidade.
O projeto vencedor foi o Escritório ARQBR Arquitetura e Urbanismo, de Brasília, sob responsabilidade de Eder Rodrigues de Alencar. Diz o memorial da proposta vencedora: "O projeto se destaca pela força e sensibilidade da ideia da construção de uma nova paisagem que resgata o ambiente originário do cerrado, aliando infraestrutura, desenho urbano, arquitetônico e paisagístico de modo sintético e sistêmico, condensando as diferentes escalas de Brasília de modo unificado."
Toda a poesia significava, na prática, que seriam construídos equipamentos de lazer e esportivos que integrassem os dois principais edifícios lá estabelecidos: o estádio e o Ginásio Nilson Nelson. No lugar onde está (ou estava) sendo construído o atacadão, pelo projeto apresentado deveria ter um pequeno bosque de árvores nativas do cerrado.
Ibaneis irritado = DODF cheio de restrições
No projeto ganhador, não estava previsto - por exemplo - o Mercado Mané Vírgula (Mané,) espaço de 4 mil m² e 800 lugares. Ele é administrado pelo Grupo R2, a empresa que promove os eventos como o Na Praia Festival. A exemplo do Atacadão, ele foi autorizado pelo Arena BSB sem consultar os órgãos que avaliam os temas ligados ao patrimônio tombado.
Agora, segundo o Diário Oficial do DF, "a obtenção de novo alvará de construção para o endereço (toda a área do Estádio e arredores) fica condicionada à nova habilitação, adequando os usos e atividades previstas na Lei do Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília - PPCUB". Ou seja: a tal obra terá de se mostrar ajustada ao que estabelecem as regras de uso e ocupação daquela área.
Mais ainda: Ibaneis determinou que, além do PPCUB, a implantação de novas atividades deve levar em conta o projeto Masterplan (o planejamento físico-espacial) que foi objeto do concurso público para a área "bem como à aprovação dos órgãos distrital e federal de preservação". Ou seja, agora o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) Nacional terá de aprovar qualquer nova obra no local. Não só os órgãos do GDF.
Tem mais, no decreto: as estruturas que foram feitas na área (como as do Mercado Mané,) terão prazo de até 90 dias para serem ajustadas e adequadas ao que foi estabelecido lá atrás, no concurso, pelo Masterplan. O prazo fica passível de prorrogação por outro período igual.
E a ira de Ibaneis ganhou ainda mais um artigo, o 2º: "Fica proibida a implantação de novas atividades, ainda que devidamente licenciadas e adequadas ao Masterplan, se não iniciada a efetiva implantação do projeto objeto do concurso em cronograma a ser aprovado pelo proprietário Concedente: Companhia Imobiliária de Brasília - Terracap".
Ou seja: agora, a concessionária Arena BSB terá de tirar do papel o que foi estabelecido no concurso público. Sem inventar novas subdelegações ou permissões, como a do Atacadão. Terá de fazer aquilo para o qual se comprometeu.
E, "como cereja do bolo", o decreto conclui estabelecendo, em seu artigo 3º, que "o início de qualquer obra na área disposta neste decreto fica condicionado à apresentação e aprovação do projeto arquitetônico pelos órgãos distrital e federal de preservação". Leia-se a tradução prática desse artigo: anos de discussão técnica nos órgãos de tombamento.
É... Por tudo isso, o Consórcio Arena BSB não esperava. Não teve nem chances de se explicar (até tentou pedir uma audiência para isso com as autoridades do GDF, sem sucesso). Popularmente, é o que se chama de "dar um tiro no pé". E ela acertou os dois, ao mesmo tempo!