BRASILIANAS | Estádio 'escapou' de ter uma Estátua da Liberdade como vizinha
Além do atacadão, o entorno do Mané Garrincha ganharia uma loja que usa réplicas da estátua. E, acredite: em 5 anos, a Arena BSB pagou R$ 0 para o GDF pelo uso da área
Além do atacadão, o entorno do Mané Garrincha ganharia uma loja que usa réplicas da estátua. E, acredite: em 5 anos, a Arena BSB pagou R$ 0 para o GDF pelo uso da área
Você, caro leitor, é um dos que achou um absurdo o Eixo Monumental, planejado pelo urbanista Lúcio Costa e patrimônio cultural tombado pela Unesco abrigar um atacadão, ao lado do Estádio Mané Garrincha?
E se eu disser que, entre os projetos do concessionário (a Arena BSB) estava a de abrigar uma loja de departamentos da Havan - aquela que tem sua fachada inspirada na Casa Branca (de Washington) e ostenta na frente de cada loja uma réplica da Estátua da Liberdade (de Nova York), em fibra de vidro verde?
Esta revelação - uma das novidades previstas pela Arena BSB e até então escondidas do brasiliense e das autoridades gestoras - foi feita pelo deputado distrital Chico Vigilante (PT), durante uma sessão de debates sobre os usos (e desmandos) na região concessionada do Mané Garrincha, na Câmara Legislativa do DF.
"Vocês sabiam que, além do chamado Costa Atacadão, ia ser colocada ali nas imediações do estádio, que já havia um contrato, que teria uma loja da Havan?", questionou Vigilante, em tom de estupefação. "Estou falando sério... Tanto que fiz um requerimento hoje (quarta-feira), eu quero todos os contratos na minha mão", afirmou.
"Porque não é para isso que foi autorizada aquela Arena. Um terreno para você colocar uma loja aqui, no Distrito Federal, é muito caro. Entretanto, os 'amigos do rei' estavam indo para lá, quase de graça", afirmou o parlamentar. No inflamado discurso, Chico Vigilante disse que as instalações "desfigurariam completamente o tombamento da cidade".
Por conta das obras do atacadão - que já estavam em fase adiantada e tinham sido autorizadas, sem muita dificuldade, pelos órgãos de fiscalização e de postura do GDF -. na última segunda-feira o governador Ibaneis Rocha decidiu suspender os alvarás de construção e baixou um decreto, modificando o processo de análise das construções naquele local.
Chico Vigilante cogitou formalizar o pedido de uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) para descobrir quem são os verdadeiros beneficiários dos espaços no Estádio Mané Garrincha. "Quero saber quanto ia custar cada contrato e o que a Arena BRB já pagou para o Governo do Distrito Federal e o que a população ganhou com isso".
Promessas não cumpridas e desvirtuamentos
Na sessão da Câmara Legislativa, outros deputados distritais também se manifestaram diante dos absurdos (revelado pela imprensa, na semana passada) desenvolvidos pela concessionária. O também petista Gabriel Magno (PT) afirmou que não houve cumprimento de nada que estava no projeto que venceu o concurso público nacional, escolhido em 2019 para a requalificação da área.
"Se você pegar o processo e o concurso vencedor vai ver que, até agora, eles não entregaram nada do que prometeram - a Esplanada Verde, as árvores, os espaços esportivos para a cidade. Agora, a obra com centro comercial com atacadista, com uma série de atividades comerciais e empresariais que vão acontecer lá, isso já está avançando, surrupiando inclusive o que está no texto do PPCUB (Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília), que foi aprovado aqui", disse Gabriel Magno.
O distrital Fábio Félix (PSol) exibiu imagens do que estava previsto pelo resultado do concurso público para o espaço, durante a sessão. "Há um desvirtuamento completo do projeto. Não precisa ser arquiteto e urbanista para ver que transformaram toda área esportiva em uma bagunça". Por fim, resumiu que "não implantam o projeto porque é mais fácil ganhar dinheiro colocando tapume".
Após olhar as imagens, o distrital Pastor Daniel (PP) também fez críticas aos desvios de uso da área. "Estava olhando o projeto que o deputado Fábio Félix mostrou. No projeto, é muito bonito. O que a gente precisa fazer é que se execute exclusivamente o que está no projeto", destacou.
Tribunal de Contas será acionado pela CLDF
O distrital Gabriel Magno afirmou ainda que fará denúncia no Ministério Público e no Tribunal de Contas do DF. "É preciso investigar os contratos, as autorizações e as permissões que foram dadas para esse atentado contra a cidade que a gente também tem visto aqui na área central", completou.
"Brasilianas" apurou, junto ao TCDF, que já existe um processo, o de nº 33.986/2017 - que não tem o seu conteúdo aberto ao público - que faz o controle e a fiscalização da execução contratual da Concessão do Centro Esportivo de Brasília, onde está localizado o Estádio Mané Garrincha. Esse processo também tratou dos procedimentos de licitação e contratação da concessão.
O relator deste processo é o conselheiro Manoel Paulo de Andrade Neto. O TCDF está analisando os resultados de uma auditoria feita no início deste ano para avaliar a conformidade da execução e da fiscalização do contrato pela Terracap (como poder concedente, em nome do GDF). O resultado desta auditoria ainda não é conhecido.
O processo encontra-se em julgamento. Na sessão ordinária nº 5391, após apresentação do voto do relator (que também não é aberto para consulta pública), a conselheira Anilcéia Machado pediu vista dos autos, ficando adiada a continuidade do julgamento da matéria.
De toda forma, esse processo ainda não inclui as recentes descobertas de desvios de finalidade do local concedido. É isso que os deputados distritais querem que seja, agora, também investigado pelos auditores do TCDF.
E, afinal, quanto o GDF já recebeu pela concessão?
Pelo contrato de concessão assinado pela Terracap em 26 de julho de 2019, a empresa Arena BSB ficou responsável pela administração do espaço até o ano 2054 (35 anos de concessão). Ao longo desse tempo, ela deveria repassar aos cofres do GDF R$ 5.050.000 por ano, além de 5% do faturamento obtido pelo complexo.
Quando de sua vez de usar a tribuna na Câmara Legislativa, o distrital Fábio Felix (Psol) destrinchou dados financeiros desse contrato. Segundo ele, a concessionária começaria a pagar a outorga pelo direito de explorar o espaço no próximo ano (em 2025), dividida em 30 anos. Mas, segundo o distrital, um termo aditivo foi assinado pela Terracap e adiou para 2027 a primeira prestação.
"Brasilianas" pediu que a Terracap e a Secretaria de Fazenda do GDF se posicionassem sobre essa informação do distrital. Ontem, no final da tarde, a Terracap confirmou a informação, dizendo por meio de nota que a Arena BSB só terá de fazer pagamentos "a partir do oitavo ano de operação (2027), corrigida monetariamente, além de 5% sobre o faturamento líquido".
Ou seja, caro leitor, a arrecadação para os cofres públicos pela concessão do Mané Garrincha, até este momento, é mesmo de R$ 0,00.
Área era um 'elefante branco' que só gerava despesas
Para recordar: de acordo com o GDF, o contrato com a Arena BSB previa que a empresa fizesse reformas e revitalização no espaço, incluindo paisagismo e adequações em todo o equipamento. A expectativa do governo, quando da assinatura, era a de economizar cerca de R$ 370 milhões por ano.
Considerado um grande "elefante branco" e construído a um custo estimado entre R$ 1,4 bilhão e R$ 1,9 bilhão, o Mané Garrincha deixou aos cofres públicos um legado perverso: baixa rentabilidade, alto custo de operação e um rastro de corrupção evidenciado pelas delações da construtora Odebrecht.
Com esse contrato, o Palácio do Buriti considerava que havia "se livrado" da operação da estrutura que gerava mais custo que receita. Segundo a Secretaria de Esportes, em 2019 o espaço custava cerca de R$ 700 mil por mês aos cofres públicos. No entanto, nos primeiros quatro meses daquele ano, a arena tinha arrecadado apenas R$ 232 mil.
No debate na Câmara Legislativa, o deputado Thiago Manzoni (PL) identificou que a raiz do problema recai sobre o poder público. "Quem criou este problema foi o Estado (no caso, o GDF). Sem saber o que fazer com aquele 'elefante branco' que consume recursos indefinidamente, empurrou para a iniciativa privada", apontou.
Segundo o deputado do PL, "o que não está no contrato não se pode fazer". E continuou: "mas, se vedarmos tudo, eles (o concessionário) vão devolver e o que o Estado vai fazer com aquilo?", questionou.
Para o deputado Pastor Daniel de Castro (PP), se continuasse com o poder público, "teríamos um 'elefante branco', um estádio que custou mais de R$ 2 bilhões e que estava sendo usado por órgãos do governo". Mas, Castro disse ainda que a área não pode virar um espaço "elitista", e frisou que a parceria público-privada pode ter bons frutos.
Para exemplificar, registrou que no último domingo (22), na partida entre Vasco e Palmeiras pela 27ª rodada do Campeonato Brasileiro, o Estádio Mané Garrincha recebeu o maior público pagante do futebol brasileiro na temporada. Ao todo, 62.186 pessoas foram ao jogo.