BRASILIANAS | Brasília visualmente poluída (27): Gilmar Mendes é a primeira vítima política dos totens do 'Metrópoles'

O ministro do STF foi objeto de campanha que utilizou os painéis de LED do "Metrópoles" para pressão política. "É um tipo de publicidade invasiva", diz o juiz Carlos Maroja, que em julho havia mandado desligar os totens

Por William França

A sequência de mensagens para o ministro Gilmar Mendes fez pressão política sobre o Marco Temporal das terras indígenas

O ministro do STF foi objeto de campanha que utilizou os painéis de LED do “Metrópoles” para pressão política. “É um tipo de publicidade invasiva”, diz o juiz Carlos Maroja, que em julho havia mandado desligar os totens

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes é a primeira vítima do uso dos painéis de LED do "Metrópoles" para pressão política. "Brasilianas" apurou que há riscos desse mesmo uso - político e eleitoreiro - desses totens durante o período das eleições do ano que vem, no DF.

Para entender o caso... Na tarde da última segunda-feira (30), uma campanha em favor da suspensão da Lei do Marco Temporal (que explico mais adiante) assinada pela ONG Avaaz Org, utilizou-se de uma sequência de pelo menos 11 painéis para mandar mensagens ao ministro Gilmar Mendes, no trajeto da casa dele (que fica na QL 12, no Lago Sul) até a sede do Supremo.

As mensagens foram feitas para uma leitura em sequência. Começaram a ser expostas às 14h22 e a última foi exibida às 15h14 - segundo horário que consta nos próprios totens. A primeira mensagem, dirigidas diretamente ao ministro Gilmar Mendes, dizia o seguinte: "Leia nos próximos painéis no seu caminho até o STF".

Reprodução/Instagram - A Avaaz.Org publicou uma sequência de conteúdos políticos com cobranças diretas ao ministro Gilmar Mendes

Ao longo dos demais painéis, é feita a defesa da suspensão da lei do Marco Temporal. Gilmar Mendes é o relator das ações que questionam a Lei 14.701, de outubro de 2023, que validou o marco temporal - um mês após o STF considerar a tese inconstitucional.

Esse marco, estabelecido na lei questionada, determina que as terras indígenas só podem ser demarcadas se tiverem sido ocupadas na data da promulgação da Constituição Federal (5 de outubro de 1988).

A campanha de pressão política feita com os totens foi reproduzida no Instagram da Avaaz.Org, com direito a um vídeo percorrendo o hipotético caminho do ministro, de casa até o Supremo. Nele, uma narradora afirma o seguinte: "O ministro encontrou hoje um recadinho, quando ia para o trabalho". E, logo depois, diz que Gilmar Mendes tem o poder de suspender a lei, "mas ele está enrolando". Enquanto isso, uma legenda em inglês, sobre o vídeo, tenta reproduzir o conteúdo que está sendo narrado.

"Ministro Gilmar Mendes, a decisão está em suas mãos — você vai proteger as terras do Brasil ou deixar que o agronegócio as destrua?", diz uma das mensagens estampadas nos totens, enquanto uma narradora diz o seguinte: "As terras indígenas protegem muito mais o meio ambiente do que as terras dominadas pelo agronegócio, e previnem muito mais incêndios".

Nas mensagens exibidas nos painéis de LED, há afirmações como "O Brasil está pegando fogo". E continua: "A tese do Marco Temporal é um perigoso argumento legal que afirma que os Povos Indígenas brasileiros só têm direito às terras que ocupavam antes de 1988. Isso ameaça inúmeras terras indígenas — e o nosso futuro como humanidade"

Reprodução/Instagram @avaaz_org - A Avaaz.Org utilizou os painéis de LED do "Metrópoles" para mandar "recadinhos" ao ministro Gilmar Mendes.

Assista ao vídeo que está no perifl da Avaaz no Instagram clicando aqui .

A Avaaz é uma comunidade online de mobilização global que - segundo eles - "busca aproximar o mundo atual do que a maioria das pessoas deseja". A conta do Instagram indica 69 milhões de seguidores. A organização foi fundada em 2007 pelo canadense Ricken Patel e tem a sede em Nova York.

"Brasilianas" tentou ouvir o próprio ministro Gilmar Mendes ou sua assessoria, mas até o fechamento desta edição não havia recebido retorno.

Uso político dos tótens é perigoso

Desde que "Brasilianas" começou a série "Brasília Visualmente Poluída", em 23 de junho deste ano, várias informações, de diferentes fontes, foram repassadas à coluna. Algumas em forma de documentos, outros por relatos. Um deles, de uma importante fonte (que pediu sigilo), disse que temia pelo uso político-eleitoral dos tótens de LED no futuro.

Segundo apurou "Brasilianas", o plano da Metrópoles Mídia Digital Ltda. - braço do Grupo Metrópoles que instala os totens pela cidade desde o ano passado - , era chegar ao final deste ano com aproximadamente 500 tótens instalados ao longo de todo o Distrito Federal. E a 1.000 unidades, nas 35 RAs (regiões administrativas), até o final de 2025.

Não se sabe, hoje, quantos estão instalados. Isso porque, quando o Departamento de Estradas de Rodagem do DF (DER-DF) decidiu suspender (no dia 23 de julho) todas as novas autorizações para esses totens (por meio da Ordem de Serviço 72), havia cerca de 370 painéis instalados na cidade - e destes, aproximadamente, 55% deles eram do Metrópoles Digital.

Só que, depois dessa suspensão, o "Metrópoles" continuou instalando painéis pelo DF, se valendo de autorizações anteriores à data da suspensão. Semana passada, "Brasilianas" mostrou, por exemplo, a recente instalação de pelo menos mais dois: um no final da Asa Norte e outro no Pistão Sul, em Taguatinga.

Segundo a fonte ouvida por "Brasilianas", há o risco real do uso político-eleitoral desses tótens durante as eleições no ano que vem. Justamente por conta desse caráter misto que caracterizam os painéis do 'Metrópoles': têm caráter publicitário (como foi o caso da ONG que atacou Gilmar Mendes, que exibiu conteúdo pago) e servem para a divulgação de conteúdo jornalístico (quando convém à empresa).

"Imagine uma pessoa vendo os painéis, na época das eleições, no ano que vem. Pode ser exibida uma reportagem elogiando alguém, ou denegrindo a imagem de outro", disse a fonte à "Brasilianas". "E tudo pode ser muito setorizado. Mostrar uma tela num lugar de interesse de algum candidato e outro conteúdo noutra área", completou a fonte. "E quem controla isso?", questionou.

Anteontem, o "Metrópoles" demonstrou que já dispõe de tecnologia suficiente para executar essa tarefa, quando exibiu mensagens direcionadas, em locais e horários específicos, com os seus painéis de LED. E, até o momento, a legislação eleitoral brasileira não prevê nenhum tipo de controle (ou de punição) para a utilização de instrumentos como esse.

Justiça já se preocupa com uso eleitoreiro

O juiz Carlos Maroja, que responde pela Vara de Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano do Tribunal de Justiça do DF (TJDFT) e que julga uma ação popular - e que no último dia 27 de julho concedeu liminar determinando que, no prazo de 24 horas, todos os painéis de LED que tenham sido autorizados pelo Departamento de Estradas de Rodagem (DER-DF) fossem desligados -, se disse ontem preocupado com a ação feita pelo "Metrópoles" contra o ministro Gilmar Mendes.

"É um tipo de publicidade invasiva e sem limites claramente definidos. Mais um risco numa esfera pública, cada dia mais caótica e carente de civilidade", disse Maroja à "Brasilianas". Ele também vê riscos nesta mistura entre função publicitária e jornalística que os tótens do "Metrópoles" estão assumindo.

"A ação popular aqui está tramitando. Pretendo convocar audiências públicas para auscultar a opinião da sociedade civil sobre essas questões todas", disse o magistrado.

Para relembrar o leitor: os painéis de LED não chegaram a ser desligados porque, a poucos minutos do prazo final, os advogados da Metrópoles Digital conseguiram que a desembargadora Sandra Reves Vasques Tonussi, presidente da 7ª Turma Cível do TJDFT, cassasse a liminar com a decisão da 1ª Instância, que mandava desligar os painéis de LED.