BRASILIANAS | Disputa política em Alagoas trava o VLT do Entorno

Ministério dos Transportes e CBTU são liderados por apadrinhados de políticos adversários. Cada um quer uma coisa diferente como solução

Por William França

Trem urbano operado pela CBTU em Maceió, semelhante ao que a empresa pretendia operar no Entorno do DF

Ministério dos Transportes e CBTU são liderados por apadrinhados de políticos adversários em Alagoas. Por conta disso, estão em curso duas frentes de trabalho, simultâneas, mas com propostas e soluções totalmente diferentes. E um órgão não autoriza o outro a prosseguir com os projetos

O que os cidadãos goianos que moram nas cidades do Entorno Oeste do Distrito Federal (Valparaíso, Cidade Ocidental e Luziânia) têm a ver com as pelejas políticas que há décadas causam entreveros e confrontos em Alagoas, distante mais de 1.800 quilômetros daqui? Eu diria: tudo!

Vamos explicar. Primeiro, é preciso qualificar os agentes envolvidos nesta história. De um lado da história está o Ministério dos Transportes, que tem como titular o ministro Renan Filho, filiado ao MDB, senador licenciado por Alagoas - estado que ele governou por dois mandatos consecutivos, de 2015 a 2022. Também foi deputado federal pelo Estado nordestino, de 2010 a 2014.

Sob a tutela do Ministério dos Transportes está a Infra S.A., empresa pública controlada pela União, resultado do processo de incorporação da Empresa de Planejamento e Logística S.A (EPL) pela VALEC Engenharia, Construções e Ferrovias S.A. No ministério, ela é a responsável pela prestação de serviços de planejamento, estruturação de projetos, engenharia e inovação para o setor de transportes.

A Infra S.A. é presidida por Jorge Luiz Macedo Bastos, que tem um longo currículo na área de transportes - foi diretor-geral da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) e presidente da própria EPL, antes de ser incorporada à VALEC. Também prestou assessoria a ex-senadores mineiros - sempre do MDB -, como Hélio Costa e Wellington Salgado.

De outro lado, está a Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU), que é vinculada ao Ministério das Cidades desde o ano passado (com o governo Lula) e anteriormente foi vinculada ao Ministério do Desenvolvimento Regional.

A CBTU tem como diretor-presidente José Marques de Lima. Ele é o primeiro empregado de carreira da empresa a ocupar esse cargo. Ele entrou para a CBTU em 1985 e ocupou diversas funções executivas, como assessor da superintendência em Recife, chefe de Gabinete da Presidência e diretor de Planejamento.

Lima também foi superintendente da empresa em Maceió. A CBTU administra o sistema de trens urbanos da capital alagoana, que tem 34,3 km de extensão, 14 estações e 2 paradas. A linha liga os municípios de Maceió, Santa Luzia do Norte, Satuba e Rio Largo.

Por sua vez, Marques é amigo pessoal de Benedito de Lira, prefeito da cidade alagoana de Barra de São Miguel, e pai do também político e atual presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP). Em Alagoas, Lima é tido "como um irmão do Arthur".

Assim qualificados, fica claro para o leitor: de um lado está a Infra S.A (apoiada por Renan Filho) e de outro a CBTU (apoiada por Arthur Lira). E como Renan Filho e Arthur Lira não escondem as desavenças políticas, o mesmo acontece entre as duas empresas.

CBTU - Capa do documento enviado pela CBTU ao Estado de Goiás. O semelhante a este, enviado ao GDF, está desaparecido

E onde entra o VLT do Entorno nessa história?

No início de agosto, a CBTU firmou com o Estado de Goiás um termo de cooperação técnica sobre o VLT que ligará Luziânia a Brasília. Segundo a empresa, uma viagem experimental poderia acontecer nos próximos 8 a 12 meses, a depender das adaptações necessárias para que o VLT passe pelos trilhos que hoje são usados apenas para carga.

O documento prevê que a União repassaria R$ 8,4 milhões para o financiamento do estudo de viabilidade técnica e ambiental, que reaproveitará a linha férrea de carga para o transporte de passageiros. Esse recurso já está disponível na conta do Ministério das Cidades, oriunda de uma emenda ao Orçamento da União feita pelo senador Wilder Moraes (PL-GO).

"Brasilianas" apurou que para viabilizar o transporte de pessoas, será necessário apenas construir duas plataformas para o embarque dos passageiros no lado goiano. O trem experimental seria "emprestado" da operação que é feita em Maceió e os trens definitivos poderiam ser adquiridos numa etapa posterior. Há vagões novos, ociosos, no interior do Rio de Janeiro, por exemplo.

CBTU - Termo de cooperação entre a CBTU e o Estado de Goiás assinado pelo governador Ronaldo Caiado e pelos diretores da empresa

E por que a CBTU não pode começar essa etapa experimental?

São pelo menos dois os entraves. Primeiro entrave: o Governo do Distrito Federal (GDF) ainda não assinou o documento de cooperação com a CBTU. Coube à deputada federal Lêda Borges (PSDB-GO) a tarefa de entregar os documentos aos governadores - ela levou pessoalmente ao de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil), que o assinou no início de julho.

Lêda repassou a tarefa de entregar a cópia que caberia ao GDF à senadora Damares Alves (Republicanos). Ela foi a única parlamentar da bancada federal brasiliense a comparecer à audiência pública realizada na Câmara dos Deputados, no dia 9 de maio, que tratava da defesa do projeto do VLT. Damares apoia essa proposta.

Mas... ninguém sabe e ninguém viu mais o tal documento do DF. "Brasilianas" questionou ao gabinete da senadora para saber se ela havia entregue o documento ao governador Ibaneis Rocha - mas não houve resposta. (Vale lembrar que Ibaneis Rocha é do MDB, o mesmo partido de Renan Filho. E não se entende com Caiado, com quem já teve desentendimentos justamente por essa questão do VLT, quando ele embarcou num trem rumo ao Entorno sem dar ciência ao colega goiano).

Durante três semanas, esta coluna perguntou sobre o documento nas secretarias de Governo, de Obras e de Transportes e Mobilidade do DF e nenhuma delas teve ciência do tal termo de cooperação. Sem o aval do GDF, o trem da CBTU não pode "cruzar a fronteira" de Goiás para Brasília.

Segundo entrave: para fazer os testes experimentais, a CBTU precisa de autorização da empresa que tem a concessão da Ferrovia Centro-Atlântica, que é a VLI. Ela só a utiliza para carga. Pelos termos da concessão, a VLI teria autonomia para autorizar a CBTU a fazer os experimentos - mas, preferiu consultar o Ministério dos Transportes (a quem deve se reportar contratualmente) se poderia fazer isso. A resposta foi: "Não".

E por que o Ministério dos Transportes não autorizou?

Porque o MTran solicitou à sua própria empresa de planejamento, a Infra S.A., para que faça novos estudos sobre a viabilidade técnica, econômica e ambiental do transporte de passageiros na rota entre Brasília e Luziânia. Prometeu os primeiros resultados para o início de 2025.

Segundo a pasta federal, "esses estudos permitirão ao Ministério dos Transportes identificar os investimentos necessários na infraestrutura ferroviária existente, estimar os custos para as empresas interessadas em operar os trechos, definir as localidades das estações e o volume de passageiros, além de avaliar os aspectos ambientais envolvidos". Exatamente o mesmo estudo que a CBTU já dispõe.

O Ministério dos Transportes complementa: "Os próximos passos serão a realização de uma audiência pública, a análise da proposta pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e, por fim, a definição de um processo licitatório ou a possível inclusão em um contrato ferroviário vigente'. Além da rota do Entorno do DF, a Infra S.A está conduzindo o processo de licitação dos Estudos de Viabilidade Técnica, Econômica e Ambiental (EVTEA) para o transporte de passageiros em outros cinco trechos no país.

Então caro leitor: Se depender do Ministério dos Transportes (leia-se Renan Filho), caberá à Infra S.A. ainda fazer uma licitação (sem data estimada) para escolher uma empresa para operar a linha férrea. Se depender do Ministério das Cidades (leia-se Arthur Lira), a CBTU já poderia começar a operar em breve, mas não tem as autorizações necessárias.

Quem padece com essa confusão política lá de Alagoas? O morador do Entorno.

Afinal, qual é o projeto do VLT do Entorno?

O projeto do VLT do Entorno parte da ideia do aproveitamento da linha férrea de carga, num trecho de aproximadamente 60 km, ligando Luziânia (GO) até a antiga Rodoferroviária, no início do Eixo Monumental. As cargas são transportadas somente à noite e os trens de passageiros percorreriam o trajeto durante o dia (das 5h20 às 21h).

O VLT pode atingir velocidade máxima de 80 km/h e, com isso, o percurso total duraria 92 minutos (incluindo as paradas). No horário de pico, poderiam sair trens a cada 35 minutos e, cada um deles, transportaria cerca de 1.120 passageiros - beneficiando até 560 mil pessoas que se deslocam diariamente no Entorno, uma vez que promete uma alternativa de transporte público eficiente, sustentável e ágil.