BRASILIANAS | Multa irregular em totem de LED (também irregular) gera briga dentro do DER
Diretor da autarquia e fiscais do próprio órgão entraram em confronto e todos foram parar na delegacia. Motivo: um painel de LED irregular
Diretor da autarquia e fiscais do próprio órgão entraram em confronto e todos foram parar na delegacia. Motivo: um painel de LED irregular, que foi multado pelos fiscais do DER. Mas que não era para ter sido notificado, segundo a direção. Só que os servidores alegam cumprimento da lei
Pense numa imensa confusão, com diretor do Departamento de Estrada de Rodagem do DF (DER-DF) indo parar na delegacia após receber "voz de prisão" declarada por fiscais do próprio órgão... que, por sua vez, estavam sendo afastados de suas funções naquele momento porque teriam multado uma empresa por um painel de LED irregular, quando não poderiam ter feito isso, segundo a autarquia - mas, que segundo os fiscais, essa ordem contraria a lei e suas ações legais e funcionais.
Esse é o embolado enredo-base que levou um grupo de servidores do DER-DF para a 35ª Delegacia de Polícia, em Sobradinho II, na tarde da última terça-feira (29). A confusão, que precisou da intervenção da Polícia Militar do DF, se deu sob acusações de perseguição, assédio moral e prevaricação de um lado, e de má conduta e desequilíbrio emocional e surto psicótico, de outro. Ninguém ficou detido.
Para entender essa confusão, "Brasilianas" teve acesso aos processos e autos envolvidos no caso. E ouviu alguns dos envolvidos. É sempre bom relembrar que esta coluna foi responsável por uma série de reportagens (no momento, já foram 27) que relatam os abusos cometidos pelas empresas de LED e os riscos e problemas que a incidência da luz dos LEDs e a distração trazem para os motoristas. A discussão agora está na Justiça.
Retomando o imbróglio... No dia 29 de agosto, durante uma fiscalização de rotina, o DER-DF identificou o surgimento de um novo painel de LED, sob responsabilidade da empresa Estrutura Painéis Ltda., recém-colocado às margens da DF-003 (EPIA Norte), na subida para Sobradinho, próximo à entrada do Setor Taquari. Chamou a atenção o tamanho da engenhoca e a sua localização.
Esse painel de LED tem 10 metros de altura por 5 de largura - sem contar a estrutura de sustentação. Isso implica 50m² de área de exibição e a legislação (em revisão pelo GDF, mas ainda vigente) diz que só podem ter painéis com 36m². Ele estaria também muito próximo da via, quando a legislação indica distância mínima de seis metros. Aí começam as confusões.
Para entender a gênese da história
Segundo "Brasilianas" apurou, a empresa Estrutura obteve autorização (em 2018) para instalar um painel estático, de uma única face, na horizontal, com 3 metros de altura por 9 de largura, próximo do local onde hoje está o totem de LED.
Em maio de 2021, numa fiscalização de rotina, o DER-DF constatou que (de repente) o painel tinha dobrado de tamanho, passando a ter duas faces. Isso sem autorização. A empresa foi notificada e, somente após isso, é que pediu a regularização. O que aconteceu, na prática foi que a autorização inicial foi modificada para atender à mudança já feita pela empresa (e não ao contrário, como mandam as regras).
Em julho de 2023, a Estrutura pediu para que letreiro fosse refeito e mudasse para um lugar próximo à rodovia. Em vez de estático, com 64 m², que o painel passasse a ser de LED, com 21 m² (3 metros de altura por 7 de largura), e mantendo a posição horizontal - o que, novamente, foi autorizado pelo DER-DF.
Em agosto deste ano, e repetindo a prática anterior de fazer antes e somente pedir autorização depois, a empresa Estrutura apresentou um outro pedido para mudar o painel novamente - tanto de tamanho quanto de lugar. Só que, quando registrou o pedido, no dia 19 de agosto, as mudanças que ela pretendia fazer já tinham sido feitas. Sem ordem da autarquia.
Assim, uma semana depois de pedir autorização, a fiscalização do DER-DF constatou que o antigo painel tinha mesmo sido arrancado e que um novo (de LED) estava instalado. Sem autorização.
A empresa não poderia ter feito essa mudança (muito menos sem licença), porque há uma determinação do próprio DER-DF (Ordem de Serviço 72, de 23 de julho de 2023) que proibiu qualquer alteração nos painéis de todo o DF enquanto a Secretaria de Governo está revendo toda a legislação dos engenhos publicitários.
Confusão no multa-não-multa
Nesse "vai-que-cola" da empresa Estrutura é que começou a confusão entre os servidores do DER. No dia 28 de agosto, uma inspeção do servidor Fábio Kawamoto, chefe do Núcleo de Análise e Aprovação de Projetos constatou que estava tudo irregular no novo painel: tamanho, localização, funcionalidade. Além de muito entulho da instalação jogado próximo.
Pelos procedimentos de praxe, o DER-DF teria de notificar a empresa e pedir para que ela se explicasse, antes de multar ou determinar a remoção. O diretor de Faixas de Domínio, Lucas Santos de Farias, pediu para que o superior dele, o superintendente de Operações, Murilo de Melo Santos, o autorizasse a tomar providências. Em vez disso, Murilo devolveu o processo a Lucas, pedindo mais detalhes.
Enquanto nada aconteceu com a empresa ou com o painel irregular por conta desse vai-e-vem do trâmite burocrático, eis que no dia 21 de outubro o servidor Igor Cleyton Ferreira de Souza, lotado no Núcleo de Operações (e não no de Fiscalização) decidiu fazer nova vistoria e, direto, aplicou uma multa à Estrutura Painéis, determinando que fosse retirado o engenho publicitário em 72 horas.
A aplicação dessa multa, antes que o diretor Murilo Santos (que comanda leoninamente a área) dissesse o que fazer, resultou na decisão de que seria aberto um PAD (Processo Administrativo-Disciplinar) contra Igor Cleyton. E também contra outro servidor, Edivaldo Cordeiro de Oliveira. A decisão foi publicada anteontem, no Diário Oficial do DF.
Coube ao diretor Lucas Farias comunicar a Igor Cleyton a abertura do PAD. Daí começaram de fato as trocas de acusações e ofensas. O servidor chegou a dar "voz de prisão" ao diretor, por prevaricação (crime praticado por funcionários públicos que, por motivos pessoais, deixam de realizar ou retarda a realização de atos de ofício, ou os praticam de forma contrária à lei). E chamou a PM, que decidiu levar todos à delegacia.
As versões de cada um
Para "Brasilianas", Igor Cleyton disse que o diretor Lucas e o superintendente Murilo o perseguem e fazem assédio moral - além de prevaricar - e que ele está simplesmente desempenhando o papel dele de fiscal (ele é servidor de carreira de gestão e fiscalização rodoviária). Igor cita uma orientação, recebida do Ministério Público em junho, para que ele agisse "de acordo com a lei" e diz que assim o faz.
Na delegacia, o servidor Edvaldo disse que não participou das ações envolvendo esse painel da empresa Estrutura, mas que, assim como Igor Cleyton, ele entende que é dever dele fiscalizar os painéis dentro da lei - ação que ele afirma (como o colega) que os diretores do DER-DF estão cerceando. Citam a Ordem de Missão nº 1607, de 14/10/2024, que orienta sobre fiscalizações, como sendo restritiva.
Já Lucas Farias disse à coluna que o servidor Igor Cleiton atropelou qualquer rito processual, extrapolou suas funções e que teve um surto psicótico quando foi notificado do PAD. "Ele começou a gravar e dizer que ia chamar a PM. E fez isso", afirmou o diretor. "Foi vergonhoso para mim parar na delegacia por conta de um processo meramente administrativo, corriqueiro", completou.
Lucas nega que tenha sido determinada qualquer restrição ao trabalho de fiscalização e citou alguns exemplos de que ela permanece ativa. "Só que, naquele caso, o Igor não é fiscal. Não poderia multar", explicou. Ainda segundo Lucas, a decisão de abrir um PAD contra os servidores têm pouca ou nenhuma ligação com o totem de LED em questão. "É uma questão de conduta funcional, antiga e recorrente", completou.
E apresentou dados. A decisão do afastamento do servidor foi tomada no dia 16 de outubro "por outros fatos de atropelos e erros administrativos em vários processos", afirmou Igor. A multa que o servidor Igor aplicou à empresa é datada do dia 21 de outubro. "Portanto, posterior ao pedido de afastamento", completa o diretor. O processo de abertura do PAD foi publicado no dia 29 de outubro, a data da confusão.
E o painel irregular, o que acontecerá com ele? Por ora, está "firme e forte" funcionando, sem licença, na beira da rodovia DF-003, exibindo anúncios e ganhando com isso, sem pagar nada aos cofres públicos (essa era também uma das denúncias de Igor Cleyton contra seus superiores). Por conta da burocracia do DER, está pleno.
O DER-DF disse que espera o resultado de uma consulta jurídica para saber o que fazer. [Na opinião de "Brasilianas", com base na legislação atual e pela recorrência da empresa em mudar os painéis e nem comunicar antes, só resta uma alternativa: arrancar o painel de lá.]
Questionado por "Brasilianas", o diretor-presidente do DER-DF, Fauzi Naczur Jr., limitou-se a disse que os dois servidores (Igor Cleyton e Edvaldo) "estão sendo afastados das funções por má conduta". A assessoria de imprensa do DER-DF não respondeu aos demais questionamentos feitos.
A empresa Estrutura Painéis Ltda., foi contacta na manhã de ontem por esta coluna. O representante comercial da empresa, identificado como Júnior, disse que retornaria mais tarde com a sua versão sobre o caso. Não houve retorno até o fechamento desta edição.
Texto atualizado em 31/10/2024, às 12h05