Censo 2022 indica que o DF tem 3 das maiores favelas do país em área, e a 2ª em moradores. E que são 62 favelas ao todo. Mas não é bem assim
Causa espanto ver no noticiário nacional que o Distrito Federal tem três das maiores favelas do país em área ocupada e a segunda mais populosa, perdendo apenas por 1.100 habitantes para a Rocinha, no Rio de Janeiro. Esse é o resultado do Censo 2022, divulgado na última sexta-feira (8) pelo IBGE.
O IBGE está enganado. Brasília não tem favelas clássicas, onde os moradores vivem em barracos improvisados, sem saneamento, em condições sub-humanas, à margem dos serviços e do poder público.
Mas o leitor de "Brasilianas" pode dizer: "Tem sim. Já vi fotos. A minha empregada já disse que é assim". Vou retrucar. Não temos favelas... temos invasões de terras públicas (ou particulares) para tomar posse do lugar. É a indústria da grilagem de terra, um dos maiores problemas do DF - embora sempre tenha existido.
Segundo o IBGE, o DF tinha 62 favelas no último censo. Digo que não. O DF tinha 62 invasões de terra consolidadas, todas aguardando legalização do Poder Público para se tornarem loteamentos, regiões administrativas ou terras legalizadas para revenda, gerando novas invasões.
A grilagem de terra no DF já foi alvo de CPI na Câmara Legislativa, ações do Ministério Público e órgãos de fiscalização, com o DF Legal à frente. Já custou mandatos de deputados distritais e gerou prisões. Mas continua firme e forte.
Temos "favelados" de classe média
A "favelização" de Brasília tem diferentes níveis, dependendo da renda dos ocupantes. Segundo o IBGE, a maior favela em população no DF é o Sol Nascente, adjacente à Ceilândia, ocupada por pessoas de baixa renda (ou nenhuma). Começou nos anos 2000 com 7 mil pessoas, hoje tem mais de 90 mil.
Já a maior "favela" em área ocupada é a 26 de Setembro, com 10,5 km² de área, um típico condomínio de classe média, numa expansão de Vicente Pires. A pressão dos "favelados" levou o presidente Jair Bolsonaro a sancionar uma lei, reduzindo a área do Parque Nacional de Brasília para o GDF regularizar os terrenos.
A 26 de Setembro não é muito diferente dos condomínios que se espalharam pelo Jardim Botânico. A "diferença" é que eles nasceram de parcelamentos irregulares de terrenos particulares, em sua maioria. Lá, a área pertencia ao Governo Federal e era uma reserva ambiental.
Das outras 60 "favelas", sugiro que o GDF faça um levantamento. Em todas há pressão de grileiros (ou políticos) para regularização, serviços públicos e benesses.
A questão das invasões buscando regularização não é nova. Remonta aos anos 1970. Brasília, recém-inaugurada, já lidava com isso. Afinal, Ceilândia, a maior Região Administrativa do DF, nasceu dessa estratégia: regularizar invasões em torno do Plano Piloto.
CEI significa "Campanha de Erradicação de Invasões", feita pelo governador Hélio Prates. Logo após, acrescentou-se "lândia" (cidade). Nasceu Ceilândia, em março de 1971.
O problema acabou? Nos anos 1980/1990, o Plano Piloto tinha mais de 80 ocupações irregulares. Se o IBGE fizesse o censo, teríamos 80 favelas no coração de Brasília.
O governador Joaquim Roriz decidiu dar lotes a todos esses moradores, com a condição de não voltarem a invadir o Plano Piloto. Daí surgiram Samambaia, Riacho Fundo I e II, Sobradinho II, Recanto das Emas e Santa Maria.
Loteamento mudou o DF
Esses locais foram também assentamentos de moradores sem teto. Houve distribuição de lotes para parentes, apadrinhamento político, programas sociais sérios, uma mistura que gerou inchaço populacional, elevando o desemprego e rebaixando os índices de qualidade de vida de Brasília.
O governo do DF estruturou todas essas áreas. Nos primeiros anos dessas hoje cidades, se o IBGE passasse por Samambaia, a classificaria como favela. Por quatro anos, não havia água encanada, esgoto, asfalto. Parecia "terra de ninguém".
Em menos de 10 anos, Samambaia se tornou uma cidade com 100% de saneamento, linha de metrô, asfaltada. Hoje, 35 anos depois, está se expandindo horizontal e verticalmente como novo polo de moradia para a classe média.
Uso Samambaia como exemplo para mostrar que as "favelas" vistas pelo IBGE são, de fato, mais do mesmo. Ou quase. A diferença é que nos loteamentos de Roriz, os lugares foram planejados, com estruturas para a população, como lotes para escolas, hospitais e serviços públicos.
Grilagem tem sido eficiente
O Sol Nascente - "a maior favela do DF em população", segundo o IBGE - é o retrato da eficiência nas grilagens de terra e invasões. Lá, oportunistas expandiram o uso de terras além de Ceilândia, indo em direção a Águas Lindas de Goiás. A cidade goiana também sofreu as consequências, mas isso é outra história.
Voltando ao Sol Nascente, uma área tipicamente rural, cheia de nascentes de água, foi sendo grilada, loteada e vendida a preços irrisórios. Atraiu os mais pobres, expulsos dos altos aluguéis nas RAs urbanizadas. É um ciclo.
De repente, "descobre-se" que há muita gente lá e que falta tudo. E o que acontece? Começam as cobranças ao Poder Público, que corre para ajeitar as coisas. Hoje, o Sol Nascente é formalmente uma Região Administrativa, com 95% de rede de água tratada. A rede de esgoto e água pluvial está sendo finalizada.
Boa parte das ruas já tem asfalto. Terá a maior UPA do DF, um Instituto Federal de Educação, tem escolas e creches, e será ligada por um BRT à Esplanada dos Ministérios, a 38 km. O GDF já regularizou 800 lotes, dos 22.000 mapeados, e está ampliando essse processo a passos largos.
No próximo censo, o IBGE vai encontrar outra ocupação urbana lá. O Sol Nascente deixará de ser favela (haverá gente com baixa renda, mas o espaço urbano terá outra configuração). Mas o IBGE achará outra "favela" no DF.
Não, IBGE. Não será outra favela. Será outra invasão de terra, para começar novamente o ciclo da regularização dos lotes ocupados irregularmente e a implantação dos serviços urbanos. Essa é a sina do DF... enquanto houver terra.