Por: William França

BRASILIANAS | R$ 2,6 bilhões. Este é o custo do transporte público no DF

O número de usuários do transporte coletivo caiu 30% nos últimos anos. O desafio é o da recuperação | Foto: SEMOB/Divulgação

Mas o GDF só arrecada 35% desse valor com passagens pagas. O desafio é aumentar a base de passageiros no transporte público, que perdeu 30% de seus usuários para os transportes por aplicativos. Só a Uber transporta mais gente que o Metrô, no DF

EXCLUSIVO - Os números que envolvem o transporte público no Distrito Federal são todos gigantes. E, a princípio, assustadores. E nem sempre todos vêm a público.

"Brasilianas" obteve, com exclusividade, um raio-X dos principais custos e das formas de arrecadação que envolvem o transporte público no Distrito Federal. E, com isso, fez algumas descobertas.

Qual o valor do subsídio que o GDF paga para as empresas de ônibus anualmente? Quanto o GDF arrecada com os passageiros que pagam pelas passagens? Por que os valores desses repasses são tão altos? Quantos são os que pagam? E como eles pagam suas passagens?

Para tentar compreender toda essa massa de informações, vamos ordenar. Primeiramente, descobrimos que o custo atual do transporte público no DF é de 2 bilhões e 580 milhões de reais, anualmente. Isso mesmo: R$ 2,580 bi é o valor estimado para este ano. Esse é o valor que o GDF paga ao conjunto de cinco empresas que prestam serviço nas 933 linhas de ônibus existentes.

Desse total - atualmente - o GDF consegue arrecadar cerca de R$ 900 milhões, por meio dos cerca dos 1 milhão e 300 mil pessoas que todo dia útil pagam passagens, sejam elas nos valores de R$ 2,70 ou R$ 3,80 ou R$ 5,50. Nos finais de semana, esses valores diminuem.

Ou seja: o GDF tem arrecadado apenas 35% do custo do sistema público de transporte. A diferença (cerca de R$ 1 bilhão e 680 milhões de reais) é paga diretamente pelos cofres públicos, por meio do caixa geral do governo. Todos pagam, mesmo quem não usa os ônibus no DF.

Com base nesses dados, "Brasilianas" foi tentar entender o porquê de os custos serem tão altos. O secretário de Mobilidade e Transporte do DF, Zeno Gonçalves, recebeu esta coluna para explicar.

Custos fixos. Receita não

A primeira conta que deve ser feita é que as tarifas de ônibus no DF estão sem aumento desde janeiro de 2020, numa decisão política do governador Ibaneis Rocha (MDB), o que diminui a base de arrecadação. A maior das tarifas, de R$ 5,50, se corrigida pela inflação oficial, o IPCA (que foi de 32% nesse período), faria com que a passagem custasse hoje R$ 7,30.

O cenário poderia ser pior. Segundo os técnicos da Semob, ouvidos por "Brasilianas", caso não existisse o subsídio por parte do GDF a tarifa deveria ser de R$ 13,00 - aproximadamente. Para se ter uma ideia, basta olhar as tarifas de ônibus do Entorno (que não têm subsídio), que custam R$ 11,70.

Segundo, é que há um grande número de gratuidades no sistema, que correspondem a 34% do total de usuários. A maior parte é formada por estudantes (22,5%), seguidos por usuários especiais (PCDs, doentes crônicos e outros autorizados por leis (6,5%), maiores de 60 anos (3,8%), crianças de até cinco anos (0,8%) e rodoviários e empregados das empresas operadoras, com 0,4%.

Terceiro, é que mesmo sem aumento de tarifas, houve um processo de renovação da frota de ônibus e do aumento no número de linhas. Isso fez com que as empresas tivessem de comprar novos (e mais) ônibus e miniônibus.

Os investimentos com a troca da frota entram no cálculo da chamada "tarifa técnica", quando as empresas apresentam as planilhas de gastos e apresentam as receitas obtidas com a bilhetagem. O GDF faz as contas e repassa a diferença.

Uber transporta mais gente que o Metrô, por dia

Outro motivo é bastante instigante. O sistema de transporte público do DF perdeu aproximadamente 30% dos seus passageiros nos últimos 12 anos para os transportes por aplicativos. Apenas a Uber faz cerca de 7 milhões de viagens por mês no DF, ou 230 mil viagens/dia.

Para se ter um comparativo, o Metrô do DF transporta 160 mil pessoas diariamente - apenas 70% do que a frota da Uber movimenta no DF, aproximadamente. Outra leitura: são 356 mil viagens realizadas pelo transporte por APP, por dia, no DF.

E se a Uber responde por 65% das viagens por APPs (conforme dados da Semob), isso significa que mensalmente são realizadas cerca de 10 milhões e 700 mil viagens por aplicativos (incluindo as demais operadoras). Para comparmos, por sua vez o sistema público de ônibus transporta 34 milhões de pessoas por mês, além dos 4 milhões e 300 mil do Metrô.

Segundo Zeno Gonçalves, além do crescimento do transporte por aplicativos, outras causas levaram à perda dos 30% de passageiros. Entre elas, o aumento do uso de veículos particulares - sobretudo durante e logo após a pandemia de Covid-19 -, além do transporte pirata. Não foi uma questão vivida apenas no DF. De acordo com ele, em Brasília o sistema de transporte público já recuperou o nível de usuários do período pré-pandemia.

Macaque in the trees
A renovação da frota e a concessão da Rodoviária do Plano Piloto estão entre as estratégias para aumentar o número de passageiros no sistema de transportes do DF | Foto: SEMOB/Divulgação

Entre os desafios, recuperar os passageiros

O secretário de Mobilidade diz que todas as modernizações que estão sendo feitas no sistema de transporte público no DF servem para tentar resgatar os passageiros que migraram para o transporte por APPs - além do crescimento normal da população.

"Historicamente, a gente (sistema público) tem perdido passageiro. O transporte por aplicativos é uma opção porque as pessoas querem pagar para ter um serviço porta-a-porta, com mais conforto e disponível na hora e no lugar em que querem", explicou Zeno Gonçalves. "É difícil competir com isso tudo. Mas a gente tenta", completou.

Entre as tentativas para recuperar os usuários perdidos - ou recuperar pelo menos 10% dos 30% que trocaram de modal viário - o secretário de Mobilidade lista algumas iniciativas. Entre elas, ônibus novos (com ar-condicionado), vias exclusivas para ônibus (para garantir velocidade deles em relação aos carros), linhas expressas com o BRT (que está sendo ampliado) e a recuperação e ampliação dos trens do Metrô-DF (estão sendo previstos mais 15 trens).

Também a concessão da Rodoviária do Plano Piloto está nessa incluída na lista das ações para a recuperação de usuários. Hoje, o local traz insegurança aos usuários, além de ser desordem. A aposta, segundo o secretário de Mobilidade, é que a Concessionária Catedral (ganhadora da licitação) possa estabelecer "um padrão-aeroporto" no terminal, o que estimulará o uso do transporte coletivo por aqueles que têm de usar o metrô, por exemplo.

A única garantia, segundo o secretário, é que o governador Ibaneis Rocha afirma que não vai reajustar a tarifa dos ônibus neste seu mandato. "Por ora, temos de buscar o tempo todo o equilíbrio financeiro dos contratos", afirmou Zeno.

Ele deu um exemplo: "Se comprarmos mais ônibus, isso acaba por aumentar o valor da tarifa técnica e sobe o custo, em alguns centavos a mais para cada empresa. Mas, por outro lado, se ter mais ônibus significa ter também mais usuários usando o sistema, acaba por compensar. Esse é o cálculo que a gente faz o tempo todo, da demanda linha a linha, horário a horário", explicou.

Concessão da Rodoviária pode ajudar

Para finalizar, Zeno Gonçalves revela quanto vai custar para o sistema de transporte do DF a nova "tarifa de acostagem", que é o valor que cada ônibus terá de pagar para a concessionária da Rodoviária do Plano Piloto (Consórcio Catedral) daqui a uns dias, cada vez que parar para subir ou descer os passageiros no terminal.

"A tarifa de acostagem aumentará em 0,4% o custo do sistema ", afirmou. Isso quer dizer, em valores, cerca de R$ 1 milhão por ano. Segundo Zeno, esse custo "não impactará a tarifa-usuário" e deve ser absorvido facilmente pelo aumento do número de usuários pagantes do sistema. Mas, advinha quem vai ajudar a pagar essa conta, também?

Macaque in the trees
A renovação da frota de ônibus, feita recentemente, é uma das estratégias para atrair mais passageiros | Foto: SEMOB/Divulgação