BRASILIANAS | Crédito e débito superam pagamento com dinheiro nos ônibus do DF
Dados indicam que, em novembro, o número de usuários que pagam os ônibus usando cartões bancários passou a ser maior do que os que utilizam dinheiro em espécie. Cartão Mobilidade demonstrou crescimento aquém do esperado
Dados indicam que, em novembro, o número de usuários que pagam os ônibus usando cartões bancários passou a ser maior do que os que utilizam dinheiro em espécie. Cartão Mobilidade demonstrou crescimento aquém do esperado
EXCLUSIVO - O brasiliense está optando em trocar o uso do dinheiro em ônibus por cartões bancários de crédito e de débito. A virada aconteceu agora, no início deste mês de novembro.
Esse é o resultado da análise dos dados do sistema que gerencia os pagamentos no transporte público no DF, aos quais "Brasilianas" teve acesso. Eles indicam quais são os meios de arrecadação do sistema. E revelam uma distorção dos hábitos locais, se comparado com outras cidades. Explico adiante.
De acordo com os dados mais recentes, 10,3% dos usuários das 433 linhas que (no momento) só recebem meios digitais de pagamento se utilizaram de cartões de débito e de crédito para pagar a tarifa. Se olhado dentro do universo de todas as 933 linhas de ônibus que existem no DF, os pagamentos bancários digitais já representam 6,5%. Quando começaram as mudanças, eles representavam apenas 0,6%.
Enquanto isso, os usuários que se valiam do pagamento em dinheiro eram 15,8% em junho (quando olhadas todas as linhas do sistema). Agora, representam 5,8% de todas as 500 linhas de ônibus que ainda recebem pagamento em espécie.
As outras formas de pagamento recebidas no sistema público do DF são o Vale-Transporte, que representa cerca de 32,7%, e os que têm cartão do Metrô, que têm uma participação ínfima de 1% do total.
Essas informações coincidem com o anúncio, por parte da Secretaria de Transportes e Mobilidade do DF (Semob), de que a partir da próxima quinta-feira (14) deste mês mais 203 linhas do transporte público coletivo vão deixar de aceitar pagamento em dinheiro a bordo.
Com isso, passarão a ser 636 linhas incluídas no programa "Dinheiro não vai mais andar de ônibus", o que representa 68% do total do sistema (que possui 933 linhas). A esta coluna, o secretário de Mobilidade, Zeno Gonçalves, disse acreditar que apenas 5% das linhas continuarão com o sistema misto de pagamento (por meio digital e em espécie) até o final do ano.
"São linhas que atendem comunidades rurais, por exemplo, que têm usuários com mais dificuldade no acesso aos sistemas digitais e à internet", explica o secretário de Mobilidade. Esse residual será avaliado de acordo com o comportamento e as demandas dos passageiros.
O sistema de pagamento de passagens 100% eletrônico teve início em 1º de julho, com 55 linhas (5,65% do total). Até junho deste ano, antes do lançamento do sistema de pagamento 100% eletrônico, o nível de pagamento em espécie representava cerca de 23,5 % dos acessos.
Distorção na forma de pagamentos
Segundo técnicos em Mobilidade ouvidos por "Brasilianas", nas cidades em que foi introduzido o sistema de pagamento 100% digital (como Curitiba e Goiânia), a média de pagamento por meio de cartões de crédito e de débito é de aproximadamente 10% do total.
No DF, esse percentual já foi atingido com menos da metade das linhas operando somente digital (46%). Não se sabe, ainda, qual será o patamar que irá atingir – mas ele segue em curva ascendente.
Os técnicos da Semob acreditavam que o Cartão Mobilidade, que é gerenciado pelo Banco BRB desde 2019, é que tivesse um crescimento exponencial. Mas ele responde hoje apenas por 31% dos pagamentos recebidos (quando se olham todas as formas de pagamento). Comportamento bem diferente do que está sendo registrado com os cartões de débito e de crédito.
Pelos dados apurados, ele teve apenas um crescimento orgânico. Quando começou a cobrança somente digital, ele representava 27,4%. Cresceu 3,6% em 6 meses de mudança. Repete mais ou menos o que registrou nos últimos anos, quando se olha o número de cartões emitidos. Era esperada uma melhor perfomance.
Isso porque o Cartão Mobilidade (que nos sistemas do GDF ainda aparece como "Cartão Cidadão", nome pelo qual foi batizado pelo ex-governador Rodrigo Rollemberg) tem atrativos que justificariam a busca por ele.
O Cartão Mobilidade prevê que o usuário possa pagar um único bilhete (de até R$ 5,50) e usá-lo por até 3 horas, em 3 diferentes modais de transporte. Por exemplo, o passageiro pode pegar um Zebrinha até o Metrô e, depois, pegar um outro ônibus para complementar o trajeto previsto.
Crescimento aquém do esperado
"Brasilianas" pediu ao BRB um levantamento, anual, da emissão do Cartão Mobilidade pelo banco. No primeiro ano (2019) foram 18.900 cartões emitidos. O número saltou expressivamente para 103.687 (2020) e deu outro salto em 2022, quando foram emitidos 171.206 cartões.
De janeiro até outubro deste ano, segundo o BRB, foram emitidos 184.609 cartões – pouco mais de 13 mil unidades além do recorde. Hoje, segundo o banco, existem 612 mil usuários ativos do sistema (que se valeram do cartão ao menos uma vez nos últimos 12 meses).
Para relembrar: Este colunista é usuário do Cartão Mobilidade e, como tal, eu posso afirmar que a maior dificuldade é a emissão da primeira via. E, no caso de perda, é "um deus-nos-acuda". A burocracia e a demora envolvidas na reposição beira ao inacreditável.
Este é o mesmo relato que tem sido ouvido por pessoas que registraram queixas na Ouvidoria do GDF: os dados indicam 191 reclamações registradas este ano. Todas ligadas à emissão do cartão.
O Banco de Brasília afirma que tem 68 postos para a emissão do cartão pela cidade. Mas, para a segunda via do dito-cujo, são apenas dois, num único lugar – isso mesmo, apenas em um único local de todo o DF –, localizados no subsolo e no mezzanino da Rodoviária do Plano Piloto.
Primeiro, tem de pagar por isso (R$ 5,40). Depois, levar o comprovante de pagamento (impresso) para apresentar ao BRB. Tem de ter um documento atual, com foto (e encrencam quando ele é digital).
Além de uma considerável fila de espera no atendimento, e depois de vencer o (sempre longo) tempo de espera, o usuário é recebido por um nem sempre paciente e simpático atendente, e daí ele descobre que terá de retornar ao mesmo local, pelo menos três dias depois, para receber a outra cópia do cartão.
Talvez isso explique o porquê, para o brasiliense, é mais fácil pagar no débito e no crédito, mesmo que se tenha um custo às vezes maior. "Sai mais barato", diz a maioria. A isso chama-se "custo da burocracia", que já rendeu até teses de doutorado em Economia.
Quem sabe, uma dessas teses alguém poderia explicar os motivos pelos quais o banco não investe no sistema de transporte público da cidade - pelo qual está responsável por sua gestão - e resolve investir no patrocínio de campeonatos internacionais de automobilismo, como a Fórmula 1. Quem sabe?