Por: William França

O dia em que a Justiça mandou desligar os painéis de LED do DF

Painel de LED gigante, instalado na subida da Ponte JK, deveria ter sido desligado em 24 horas, segundo a Justiça | Foto: Divulgação/Blog do Chico Sant'Anna

Durante o ano de 2024, "Brasilianas" publicou 29 colunas sobre o tema "Brasília visualmente poluída". A principal fonte deste incômodo foram os painéis de LED, que infestam a cidade.

São mais de 500 espalhados pelo DF, muitos deles em locais impróprios. No dia 28 de julho de 2024, o juiz Carlos Maroja, do TJDFT, determinou que eles fossem desligados, atendendo a uma Ação Popular.

A determinação foi cassada pelas instâncias superioras, mas o processo inicial ainda corre na Justiça. Em 2025, teremos mais novidades.

Para relembrar, segue a nota publicada nesta coluna no dia em que a Justiça do DF mandou desligar todos os painéis de LED do DF, em até 24 horas.

 

Decisão do Titular da Vara de Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano do DF determina que o DER-DF tem 24 horas para desligar todos os painéis de LED que autorizou. São "mais ou menos" 370 tótens que infestam a cidade.

Decisão do Titular da Vara de Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano do DF determina que o DER-DF tem 24 horas para desligar todos os painéis de LED que autorizou. São "mais ou menos" 370 tótens que infestam a cidade.

O juiz Carlos Frederico Maroja de Medeiros, que responde pela Vara de Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano do Tribunal de Justiça do DF (TJDFT), concedeu liminar na madrugada deste sábado (27) determinando que, no prazo de 24 horas, todos os painéis de LED que tenham sido autorizados pelo Departamento de Estradas de Rodagem (DER-DF) sejam desligados. Nem mesmo a autarquia sabe precisar quantos são. Disse ao juiz, semana passada, que são "mais ou menos" 370 tótens.

"Defiro a antecipação de tutela (liminar) para suspender os efeitos de todas as autorizações, licenças ou permissões de exploração de meios de publicidade e propaganda por meio de engenhos luminosos de LED", afirmou o juiz.

A decisão estabeleceu ainda multa ao DER-DF, no valor de R$ 10 mil por dia de descumprimento, "para cada um dos engenhos porventura ainda ativo" após o prazo. O juiz determinou que o próprio GDF fiscalize o cumprimento desta decisão executando as medidas de desligamento. Também determinou que, em caso de desobediência, as empresas também paguem multas no mesmo valor, diariamente.

Há cerca de um mês, "Brasilianas" vem publicando uma série que trata da poluição visual que tomou conta do Distrito Federal - sobretudo na área tombada do Plano Piloto de Brasília - por conta da infestação dos painéis de LED instalados às margens das rodovias da cidade. A maior parte deles (os tótens vermelhos) é da empresa Metrópoles Mídia Digital Ltda., do ex-senador Luiz Estevão, a mesma que edita o site "Metrópoles".

A decisão da Vara de Meio Ambiente tem como réus outras quatro empresas de publicidade, além do "Metrópoles". São elas: Zeus Publicidade e Comunicação Ltda., Ambiance Participações Ltda., SBS Comunicação Eireli e WS Promoções Ltda. E o juiz decidiu ainda incluir como réu na ação o superintendente de Operações do DER-DF, Murilo de Melo Santos.

Segundo o Ministério Público, o superintendente Murilo Santos "é quem, a despeito das irregularidades apontadas - e eventualmente até alertado pelos próprios fiscais do DER - assina, mantém e renova as autorizações e permissões de que tratam os autos." Foi o próprio Murilo - e não o presidente do DER, como seria o procedimento padrão -, quem assinou a contestação da ação ao Ministério Público e a encaminhou à Justiça, "chamando para si" o caso.

Com essa decisão da Justiça, o presidente do DER-DF, Fauzi Naczur Júnior, e o próprio Departamento ficam de fora da ação. "Se for simplesmente do Departamento de Estradas de Rodagem do Distrito Federal - DER/DF, a responsabilidade não é de ninguém", afirma a promotora Laís Cerqueira, da 5ª Promotoria de Justiça de Defesa da Ordem Urbanística, que acompanha o caso pelo MPDF.

Segundo informações do próprio DER-DF à Justiça, a autarquia autorizou ao longo dos anos a instalação de 1.979 engenhos publicitários em todo o DF, sendo que "mais ou menos" 370 são painéis de LED. Desses, 74 (20% do total) são de grande porte, pois têm mais de 30 m² de área de exibição, chegando até a 60 m² - como é o caso do instalado na subida da Ponte JK.

Nessa situação está ainda o tótem gigantesco instalado na entrada do Eixo Rodoviário Sul, para quem entra na Asa Sul vindo do aeroporto. O arquiteto Danilo Barbosa, criador do sistema de sinalização do DF, chama esse tótem de "A Coisa".

Segundo apuração anterior do Ministério Público do DF, em abril o DER havia informado que eram 278 os tótens de LED autorizados pela cidade. Daquele total, pelo menos 155 deles eram de responsabilidade do "Metrópoles" - cerca de 55% deles. Desta vez, o DER-DF não informou quantos desses 370 são de propriedade do "Metrópoles".

Decisão deixa de fora vários outros painéis de LED

A princípio, a decisão atinge apenas os painéis autorizados pelo DER-DF. Ficam de fora, por exemplo, os painéis gigantescos do "Metrópoles" nas empenas (laterais) dos prédios, como o que está instalado no Setor Bancário Sul (vide a 12ª coluna publicada nesta série de "Brasilianas") que gerou uma guerra entre a empresa e o ex-governador do DF Rodrigo Rollemberg. Também fica de fora o painel instalado irregularmente no Setor de Diversões Sul (Boulevard Center).

Este último, por exemplo, interfere diretamente na visão de quem se aproxima da Esplanada dos Ministérios pelo Eixo Monumental - que, há 50 anos, numa versão anterior (uma propaganda estática de uma garrafa gigante de guaraná) já havia sido criticada pelo próprio arquiteto Lúcio Costa, numa visita à cidade (série de Brasilianas, edição nº 11).

Tampouco atinge os mais de 30 painéis instalados nas colunas da Rodoviária do Plano Piloto - que também são do "Metrópoles" -, mas não se encaixam na liminar porque foram autorizados SEM LICITAÇÃO diretamente pela Secretaria de Transportes e Mobiidade (Semob) que administra o terminal. Vale lembrar que o DER-DF é subordinado à Semob, segundo o organograma do GDF.

Também fica de fora, por exemplo, a sequência estrambólica de tótens instalados nas vias de acesso ao Aeroporto JK - que é uma verdadeira "embaixada". Isso porque tem regras próprias - no caso, os painéis são contratados pela Concessionária argentina Inframérica, instalados pela empresa mineira NEOOH, supervisionados pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), que por sua vez diz que o responsável final é o Ministério de Portos e Aeroportos, que nem sabe disso (vide série nº 5).

Esta primeira liminar não atinge, também, os totens que estão em áreas particulares. Há exemplos de painéis gigantescos instalados, por exemplo, dentro de lotes às margens do Setor de Indústrias Gráficas. Esta região que não prevê totens publicitários, segundo o Plano Diretor de Publicidade, estabelecido nas leis 3.035 e 3.036/2002. Também há desses painéis de LED em lotes dos setores de Clube Sul e Norte e no Lago Sul e Lago Norte.

Segurança viária prevista no Código de Trânsito

A decisão do juiz Carlos Maroja se deu por conta de uma Ação Popular, proposta pelo advogado Anderson Gomes, que foi conselheiro para questões de trânsito da Ordem dos Advogados do Brasil - Seccional DF, entre 2019 e 2022. A ação, que foi ajuizada em abril deste ano, segundo o advogado, deveu-se pelas infrações cometidas pelo DER-DF contra o Código de Trânsito Brasileiro (CTB).

O advogado baseou-se no art. 81 do CTB, que estabelece que "nas vias públicas e nos imóveis é proibido colocar luzes, publicidade, inscrições, vegetação e mobiliário que possam gerar confusão, interferir na visibilidade da sinalização e comprometer a segurança do trânsito".

Em entrevista a "Brasilianas", o advogado explicou que tudo foi motivado pelo princípio da segurança viária. "Foi por conta do excesso de luminosidade emitida pelos painéis de LED, colocados muito próximos das vias de trânsito, e em uma quantidade exagerada deles", afirmou Anderson Gomes. Além da produção de poluição visual, "desvia a atenção dos motoristas e tem o potencial de causar acidentes graves".

Outro ponto levantado pelo advogado é que "o DER-DF ainda privilegia o interesse na arrecadação do preço público em detrimento da segurança viária". O presidente do DER-DF, Fauzi Naczur Júnior, havia dito a esta coluna que, no ano passado, os tótens publicitários renderam cerca de R$ 14 milhões à autarquia.

Guerra de argumentos entre o DER-DF e o Poder Judiciário

A Ação Popular trouxe à cena jurídica uma guerra de argumentos entre o DER-DF (a favor) e o Ministério Público (contra) os painéis de LED espalhados pela cidade. Muitas delas sobre as competências do DER-DF e sua autoridade total sobre o assunto no Distrito Federal, e sobre os riscos de acidentes (fatais ou não) causados pelo brilho excessivo dos painéis e de sua distração para os motoristas.

O juiz se valeu, no entanto, de aspectos de proteção ambiental, do patrimônio histórico e de aspectos de segurança no trânsito para sua argumentação. "Até que advenha a certeza sobre a inofensividade dos engenhos questionados na lide, o que qualifica a situação como a de dúvida razoável, impõe-se a suspensão da situação de potencial risco, pela trivial incidência do princípio da precaução".

Segue o magistrado: "De outro modo, haveríamos de consentir com a possível ocorrência de acidentes ao longo de um período mais longo de observação, assumindo os riscos à vida e integridade física de motoristas e pedestres, o que é inconcebível não apenas do ponto de vista ético, mas também jurídico".

Sobre os aspectos da poluição visual como objeto de infração da Legislação Ambiental (que foram tratados aqui na coluna nº 13), diz o juiz que "o céu de Brasília é a primeira vítima da proliferação de engenhos publicitários por todo o lado". Para ele, "troca-se a incolumidade de um aspecto cênico singular por dinheiro, uma barganha que deveria ter contado no mínimo com uma consulta prévia à população brasiliense".

O juiz diz que o elevado potencial de poluição visual gerado pelos engenhos publicitários questionados da demanda exigiria que seu licenciamento e instalação fossem precedidos de estudos prévios de impacto ambiental com ampla publicidade, conforme determina o art. 225, § 1º, IV, da Constituição Federal.

O Ministério Público destacou, no pedido de liminar, alguns dos argumentos do superintendente do DER para rebater essa questão. Murilo Santos havia afirmado que os painéis de LED "não deixam a paisagem feia" e que "o tombamento de Brasília não pode equivaler ao seu engessamento". Disse ainda que a comunicação ao público de grande massa é o "mote do DER-DF na condução dessa política de Estado".

Na avaliação do juiz Carlos Maroja, "é inegável que o espraiamento de tantos engenhos publicitários causa intensa poluição visual e impacta negativamente sobre o projeto urbanístico tombado de Brasília".

Sem licitação, com favorecimento direcionado - para piorar tudo

Na ação, o Ministério Público questionou o fato de que o DER não fez nenhuma licitação pública para definir quem poderia explorar os painéis de LED pela cidade, o que configura favorecimento a uma empresa - no caso, ao "Metrópoles".

Na sua defesa, o DER disse que não realizou licitação para definir quem poderia instalar esses engenhos e o valor que o Poder Público receberia de contrapartida "em razão da não aprovação do plano de ocupação".

Como "Brasilianas" demonstrou ao longo da série sobre poluição visual, desde 2016 o DER-DF se valeu do argumento de que não dispunha de um Plano de Ocupação previamente aprovado para conceder as licenças de instalação dos engenhos publicitários - que, segundo a autarquia, são todos em caráter provisório. Esses documentos estão previstos no Plano Diretor de Publicidade do DF.

Segundo o DER informou à Justiça, o processo interno que deveria analisar uma minuta do tal Plano de Ocupação foi arquivado em agosto de 2021 pela Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação (Seduh). Sem cópia e sem análise ou qualquer justificativa para o seu arquivamento.

O DER ainda argumentou que "os engenhos prestam-se também à veiculação de campanhas educativas e que há anos há a exploração comercial de faixas de domínio, sem qualquer indício de morte no trânsito por isso […] e que o plano urbanístico de Lucio Costa não inibe inovações na cidade".

Na avaliação do juiz Carlos Maroja, "é inegável que o espraiamento de tantos engenhos publicitários causa intensa poluição visual e impacta negativamente sobre o projeto urbanístico tombado de Brasília". Para o magistrado, o DER-DF não tem poder absoluto sobre os territórios qualificados como faixa de domínio, que são as laterais das vias, onde não só painéis são instalados, mas também quiosques e barracas comerciais.