Biden chama crise climática de emergência, mas não declara emergência nos EUA
Por: Rafael Balago
Em um dos dias mais quentes do ano nos Estados Unidos, Joe Biden repetiu a promessa de fazer de tudo para combater a emergência climática. O anúncio oficial do presidente, porém, foi de apenas medidas pontuais, não uma declaração de emergência nacional sobre o tema, como se especulava.
"O Congresso não está agindo como deveria. Isso é uma emergência, e eu vou encarar dessa forma. Como presidente, na ausência de ação do Congresso, usarei todos os meus poderes executivos para combater a crise climática", disse Biden, em Somerset, num discurso ao ar livre, com o terreno vazio de uma antiga usina ao fundo para amplificar a impressão de terra arrasada.
Caso declarasse de forma oficial a emergência que citou em sua fala, ele teria mais poder para tomar medidas sem precisar do aval do Legislativo, onde pautas ligadas ao clima estão travadas. Segundo ele, mais ações serão anunciadas nos próximos dias.
Nesta quarta (20), ele assinou a liberação de US$ 2,3 bilhões (R$ 12,5 bilhões) citando o combate a uma onda de calor. O dinheiro será usado na criação de espaços públicos refrigerados, que abriguem pessoas que não têm um lugar fresco para ir, e em programas para baixar o custo de energia para famílias pobres, de modo que elas consigam ter acesso a ventiladores e aparelhos de ar-condicionado -embora tudo isso consuma mais energia, não necessariamente renovável, e possa agravar ainda mais a crise climática.
Ao mesmo tempo que a Europa, mas não na mesma proporção, os EUA enfrentam temperaturas que levaram vários estados, onde vivem 100 milhões de americanos, a decretarem alerta, especialmente no sul e no Meio-Oeste.
No Texas e em Nevada, termômetros estão acima da marca simbólica de 100 graus Fahrenheit (37,7°C).
A ordem executiva de Biden também prevê parcerias com os estados para a expansão de captação de energia eólica em áreas costeiras.
Daí o simbolismo de o anúncio ter sido feito em Somerset: por décadas o local do discurso abrigou uma usina a carvão, desativada em 2017, que está sendo transformada em fábrica de cabos para transmissão de energia eólica.
Biden fez do combate à emergência climática um ponto central na campanha e parte da agenda de seu governo, mas tem tido avanços lentos, por falta de consenso no próprio partido.
Em 2021, ele propôs um pacote ambiental de centenas de bilhões de dólares, dentro dos US$ 2 trilhões de gastos do projeto Build Back Better, em investimentos na transição para energias limpas, que ajudassem a gerar empregos e a movimentar a economia.
O BBB, no entanto, naufragou, porque dois senadores democratas, Joe Manchin e Kristen Sinema, se recusaram a apoiá-lo -a legenda tem 50% do Senado mais o poder de desempate, então qualquer discordância interna inviabiliza o avanço das medidas de interesse do governo.
A Casa Branca tentou dividir as propostas em pedaços menores, mas tampouco teve avanços.
Na semana passada, Manchin usou seu poder de novo, mantendo a recusa a um pacote de medidas para o clima alegando preocupação com a inflação.
O senador é criticado no partido por travar propostas do presidente. Ele representa o estado da Virgínia Ocidental, famoso no passado pela produção de carvão, mas que hoje depende pouco desse insumo. A família do político enriqueceu com uma empresa de mineração, e críticos o acusam de barrar medidas contra combustíveis fósseis por interesse pessoal.
O último imbróglio marcou um fim de linha nas conversas, por causa do calendário: o Congresso entra em recesso em agosto e, quando voltar, em setembro, estará com foco na campanha para as eleições de novembro, de renovação completa da Câmara e de um terço do Senado. Em meio à popularidade naufragante do presidente, há um risco sério de que os democratas percam o controle do Congresso, o que sepultaria as chances de Biden aprovar leis de peso na segunda metade de seu mandato.
Em junho, o presidente teve derrotas no campo ambiental também na Suprema Corte, que decidiu que uma agência federal não pode obrigar usinas elétricas a carvão e a gás a reduzirem emissões de poluentes. Com isso, a autoridade do governo para estabelecer metas de redução ficou comprometida.
Sem o Congresso, Biden tem poucas opções para agir. Ele pode emitir ordens executivas (decretos), mas elas possuem escopo limitado e podem ser questionadas na Justiça. A declaração de emergência, assim, ampliaria suas possibilidades.
Se ele seguir esse caminho, fará algo similar ao antecessor, Donald Trump, que declarou o excesso de imigrantes nas fronteiras como emergência nacional para, assim, conseguir ampliar o muro na divisa com o México sem depender do Congresso. Ao tomar posse, Biden suspendeu as obras e vários trechos de muro ficaram soltos pelo caminho.
Com novas mudanças no poder em Washington, políticas climáticas podem também ficar aos pedaços.