Por: Cláudio Magnavita

ENTREVISTA | 'O GAECO/MPRJ tem trabalhado na asfixia financeira das organizações criminosas'

Legenda | Foto: CM

O Procurador-Geral de Justiça do Rio de Janeiro, desde 2021, Luciano Mattos, falou à Coluna Magnavita, com exclusividade, desde os desafios enfrentados diante à pandemia, até o trabalho do GAECO/MPRJ contra o crime organizado que já resultou em mais de R$ 9 milhões bloqueados e quase 500 pessoas denunciadas, em menos de um ano. Além disso, os desafios do judiciário para o próximo ano. Confira na entrevista a seguir:

A criminalidade é um dos maiores desafios a serem enfrentados no Estado do Rio. O que o MPRJ tem feito nesse sentido?

Essa é uma das prioridades da minha gestão. Nós procuramos somar forças com todos os órgãos e poderes no enfrentamento do crime. Entendemos que para combater a criminalidade é necessário um trabalho de inteligência, articulação e integração. O MP do Rio utiliza tecnologia de ponta nesse trabalho de inteligência. Criamos a Coordenadoria-Geral de Segurança Pública, dedicada a aprimorar as ações da instituição relacionadas ao controle externo da atividade policial e à promoção de ações voltadas à segurança pública. O MPRJ tem um trabalho que monitora o mapa da criminalidade, consolida dados relativos a mortes decorrentes de intervenção policial e realiza o diagnóstico e direcionamento da atuação do Ministério Público na área de segurança. A tutela da segurança pública exige esforços especializados, que envolvem diferentes áreas de atuação institucional, além de troca contínua de conhecimento com entidades da sociedade civil e públicas que se dedicam ao tema. É importante visualizar a questão como algo maior e não só relacionado à atuação policial. É preciso atuar em várias outras áreas e, pensando nisso, criamos uma força-tarefa de ocupação irregular do solo, um problema crônico no Rio de Janeiro, que muitas vezes serve às milícias, que precisam ser sufocadas também financeiramente. Parcerias também são importantes para o funcionamento das instituições e do sistema de Justiça. A mais recente foi firmada com o Ministério da Justiça e a Polícia Federal e que vem demonstrando resultados em atuação parceira com a Força-Tarefa voltada para as investigações do Caso Marielle e Anderson, entre outras ações conjuntas com o GAECO/MPRJ. O trabalho integrado com as Polícias Civil, Militar e Federal e os governos em todas as esferas é fundamental para combater o crime organizado. Por isso, também buscamos capacitar as Guardas Municipais e auxiliar os municípios na elaboração dos seus Planos Municipais de Segurança Pública.

Especificamente em relação à atuação do GAECO, o que tem sido feito?

O Grupo de Atuação Especializada no Combate ao Crime Organizado (GAECO/MPRJ) tem trabalhado de forma árdua na asfixia financeira das organizações criminosas. De janeiro a novembro, o GAECO/MPRJ requereu o bloqueio de mais de R$ 9 milhões das contas em investigações que resultaram em 483 pessoas denunciadas nas mais variadas organizações criminosas: tanto no tráfico de drogas quanto na milícia, contravenção, pirâmide financeira e outras práticas criminosas, em 73 ações penais ajuizadas. Além disso, a atuação no combate à ocupação irregular do solo tem promovido um prejuízo de milhões de reais a essas organizações criminosas.

E o controle externo da atividade policial como tem sido realizado?

Nós criamos um Grupo Temático Temporário específico para isso. Ele promove ações estratégicas e coordenadas. Entre elas, está a atuação em regime de plantão contínuo e ininterrupto para atendimento às demandas relacionadas ao controle externo das polícias fluminenses. Somos o único MP do país que mantém plantão permanente, 24 horas por dia, para a comunicação de operações policiais e possíveis violações por parte de agentes de segurança do estado. Esse grupo conta com o suporte operacional e técnico de estruturas internas como a recém-criada Coordenadoria-Geral de Segurança Pública, os Centros de Apoio Operacional, a Coordenadoria-Geral de Promoção da Dignidade da Pessoa Humana, o Grupo de Apoio Técnico Especializado, a Coordenadoria de Segurança e Inteligência e dos setores de gestão da informação e processamento de dados institucionais. Tudo isso em conformidade com protocolos internacionais e com a decisão do STF na ADPF 635.

Quais seriam os grupos de trabalho voltados para ações específicas?

Criamos uma FT para fiscalizar as unidades de internação para adolescentes do Degase, que, aliás, foi premiada no CNMP, outra específica de combate à ocupação irregular do solo urbano. Também criamos uma para acompanhar a destinação do dinheiro público das concessões de saneamento. Outra, inédita em todo o país, para atuar no processo de desinstitucionalização de pacientes psiquiátricos e adultos com deficiência. Em relação a uma atuação coletiva também existem os grupos temáticos temporários, como o voltado para o desporto que também rende bons resultados, notadamente na segurança dos estádios. Além disso, criamos um para garantir direitos de pacientes internados em clínicas psiquiátricas privadas, outro para prevenir e enfrentar violência nas escolas; para prevenção e resposta a desastres naturais; para fiscalizar unidades policiais; para garantia da Segurança Hídrica no Estado e outros. Promovemos uma verdadeira restruturação nesses grupos de atuação, o que motivou o aumento do número dessa modalidade de atuação coletiva, que tem se mostrado bastante profícua, também com reconhecimento do CNMP.

Macaque in the trees
Legenda | Foto: CM

Em relação ao esporte, como o MPRJ tem atuado para garantir a segurança dos torcedores?

Criamos um grupo de trabalho específico para proteger o torcedor e promover a segurança nos eventos desportivos. Temos trabalhado em conjunto com a CBF, com times de futebol, Ferj, Governo do Estado e Prefeitura para que possamos trazer mais segurança ao torcedor e aos moradores do entorno dos estádios. Um exemplo foi a nossa atuação para a reabertura do Estádio de São Januário, com a assinatura de um Termo de Ajustamento de Conduta que trouxe e trará muitos benefícios ao torcedor. Não fazia sentido manter o litígio que postergaria uma solução eficaz. O Vasco se prontificou a apresentar medidas concretas, como o reconhecimento facial, que será realizado por fases, com conclusão prevista para junho de 2024. Entre outras medidas, está a reforma e a ampliação do principal portão de acesso ao estádio e a instalação de câmeras de vigilância de alta resolução dentro e fora do São Januário. Tais medidas colocam o estádio de São Januário na vanguarda. Nós queremos expandir aos estádios Nilton Santos e Maracanã as mesmas medidas de segurança que constam do termo assinado com o Vasco.

Como tem sido a sua relação com os demais Poderes e Instituições?

Tem sido a melhor possível. O diálogo entre os Ministérios Públicos e demais ramos é excelente e cada vez procuramos aprofundá-lo, fortalecendo a integração e a desejada unidade institucional. Em relação aos demais Poderes e Instituições, da mesma forma procuramos sempre atuar com independência e sempre que possível dialogando para que possam ser alcançados os melhores resultados ao interesse público, tanto aqui no Rio como em Brasília.

Sua gestão enfrentou um longo período de pandemia. Como foi o trabalho do MP naquele momento tão delicado?

Com o agravamento da pandemia, publiquei duas resoluções instituindo forças-tarefas para acompanhar os serviços nas áreas da Saúde e de Educação. A atuação do MPRJ já vinha se intensificando nessas áreas, quando percebemos a necessidade de maior concentração de esforços por parte da nossa instituição. Por isso, apostamos na criação dessas duas Forças-Tarefas, para as quais foram designados diversos promotores. Elas nos permitiram atuar com mais foco, com o apoio de mais colegas. Com isso, conseguimos resultados mais efetivos e céleres, num momento difícil para todos nós. Por outro lado, fui escolhido pelo CNPG para relatar uma proposta de Resolução para uma Política Nacional de Atenção Continuada à Saúde Mental dos Integrantes do MP brasileiro. Hoje desenvolvemos o Projeto Saúde Mental no MPRJ, tanto para o público interno quanto externo, com o objetivo de combater a desinformação e o preconceito contra o tratamento de sintomas e transtornos por meio da psicoeducação.

Algumas iniciativas do MPRJ foram recentemente reconhecidas em âmbito nacional. São trabalhos que buscam essa atuação mais efetiva?

Cinco iniciativas receberam um certificado de resolutividade e boas práticas em cerimônia promovida pela Corregedoria Nacional: o Parquet Digital, que auxilia na gestão dos procedimentos; o Mosaico, que analisa as atribuições e táticas de atuação nas áreas de Tutela Coletiva e Investigação Penal; o Painel de Instituição de Longa Permanência de Idosos, que auxilia a fiscalização desses estabelecimentos; o Sistema Nacional de Localização e Identificação de Desaparecidos (SINALID), instituído a partir do programa próprio do MPRJ; e a Coordenadoria de Mediação e Métodos Autocompositivos e Sistema Restaurativo, que promove e acompanha a mediação de processos com o uso de ferramentas de solução de conflitos. Outro projeto do MPRJ que recebeu menção honrosa do Prêmio Innovare esta semana foi o "Saúde Mental é Mais Legal", desenvolvido para tratar de casos complexos na área de saúde mental. Nosso Laboratório de Inovação também conquistou o Prêmio de Inovação Judiciário Exponencial 2023 no âmbito de "Projetos que impactam e fazem diferença na Justiça". O Inova busca gerar conhecimento para o aumento da eficiência da Instituição por meio da construção de novas soluções digitais e da maior transparência de dados públicos.

O que a sociedade pode esperar do Ministério Público em 2024?

Este ano realizamos uma Jornada Institucional que fomentou entre os membros a reflexão e o debate de enunciados institucionais que servirão como diretriz da atuação dos promotores e procuradores de Justiça. Foi um trabalho que respeitou a independência funcional de cada membro, mas permite que todos possam conhecer o entendimento majoritário da instituição em relação a diversos temas e promover uma atuação coordenada e estratégica do MP. Isso fortalecerá a unidade institucional, garantindo maior segurança jurídica à nossa atuação. Também estamos trabalhando parâmetros e metas por meio do Projeto Racionalizar, que tem a premissa de buscar os melhores resultados de gestão, focando em uma atuação mais efetiva e de resultado para atender as demandas da sociedade. Novos projetos sairão do papel com a perspectiva de uma atuação proativa e resolutiva na defesa dos direitos fundamentais. Em um ano, a Ouvidoria registrou pouco mais de 88 mil comunicações recebidas, pelos nossos diversos canais de atendimento e estivemos com a Ouvidoria Itinerante em 15 eventos. Buscamos estar cada vez mais próximos da população. Para além da capital, estivemos em Itaguaí, São Gonçalo, Barra do Piraí, Resende e visitaremos novas regiões em 2024. Estamos também preparando o XXXVII Concurso Público para ingresso na classe inicial da carreira. O edital com todas as informações será divulgado ainda este ano, e as inscrições serão realizadas no início de 2024. Por fim, como prioridade máxima, está o cuidado com as vítimas de crimes e desastres naturais. Já fizemos um trabalho eficiente no desastre de Petrópolis no ano passado e criamos o NAV - Núcleo de Apoio às Vítimas. Vamos expandir esse trabalho para que possamos garantir o direito das vítimas e acolhê-las em momentos difíceis em suas vidas.

 

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