Um jogo de privilégios com pouco pudor Uma nomeação que deu cabo na reputação de Nísia Trindade

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Por Cláudio Magnavita*

A forma que a ministra da Saúde, Nísia Verônica Trindade Lima, conduziu as "coincidências" da super liberação de R$ 55.000.000,00 (cinquenta e cinco milhões de reais)  para um município do estado do Rio de Janeiro e a nomeação do seu filho como secretário da mesma cidade, demonstra uma absoluta falta de pudor com a fina linha que separa o público e privado.

Quem se debruçar sobre a portaria GM/MS 2.169 de 05 de dezembro de 2023, perceberá o quanto atípico foi esta liberação para Cabo Frio. Foram R$ 103.424.037,68 destinados para 14 municípios. Só a cidade fluminense recebeu 56% de toda a verba. A liberação é absolutamente desproporcional quando se faz uma comparação de recursos per capita. Divido o valor por habitantes, equivale a R$ 250 por morador de Cabo Frio, contra R$ 7,00 para cada pessoa de Campina Grande (PB) e R$ 24,00 para São José do Rio Preto (SP). Este valor foi pago em parcela única, por conta do programa de trabalho 10.302.5018.8585, Atenção à Saúde da população para procedimentos em Média e Alta Complexidade (MAC) - Plano orçamentário 0000. A portaria é assinada pela ministra Nísia Trindade e praticamente duplica o que Cabo Frio recebeu em 2023, nesta rubrica. O valor do Teto MAC é de R$ 62.287.741,45, ou seja, um pouco mais do que R$ 5 milhões por mês.

Esta generosidade com a cidade não passou despercebida dos gestores de saúde de outros municípios e que acompanham de perto a gangorra política das liberações orçamentárias do Ministério da Saúde. Que mistério existe nesta cidade fluminense para receber de uma só vez tanto recurso? A pergunta esteve no ar do dia 05 de dezembro de 2023 até o dia 05 de janeiro de 2024, quando o Diário Oficial daquela cidade trouxe a nomeação do novo secretário de Cultura.

O que causa surpresa é a incapacidade de uma ministra de Estado, de uma ex-gestora da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), que durante a pandemia geriu milhões de orçamento, não ter a percepção do conflito ético da nomeação de um filho como secretário municipal de uma prefeita que esteve no seu gabinete; por uma audiência marcada de forma não explicada; que posou para foto com a dirigente municipal, que propagou ter recebido estes milionários recursos. Exatamente 30 dias depois, esta prefeita, ainda filiada ao PL, partido do mesmo governo que a Nísia serviu por quatro anos como gestora da Fiocruz, descobre que um certo Márcio Lima Sampaio, que possui uma banda em Niterói, poderia ser o secretário de Cultura de uma cidade em que nunca viveu e é chamado de forasteiro? A mesma prefeita afirma que o grande mérito é o trânsito livre do moço em Brasília, especialmente no Ministério da Cultura. Será que o guitarrista teria o mesmo acesso a outro ministério se não fosse filho não só de uma ministra de Estado, mas gestora do maior orçamento da Esplanada dos Ministérios?

Oficialmente, o rapaz vai ganhar R$ 9.500,00 de salário. Já o seu ciclo de amigos, além dos R$ 55 milhões de reais já disponibilizados, poderiam fazer negócios com os fornecedores da saúde. Se como integrante do primeiro escalão de Cabo Frio ele conseguiria acesso a outra pasta, imagina o trânsito na pasta no qual ele é filho da própria ministra...

A falta de um filtro ético é revelado pelas declarações da própria ministra, enviadas pela sua "competente" assessoria de imprensa e postada nas redes sociais: "Não tive nenhuma relação com o convite feito pela prefeita Magdala Furtado, de Cabo Frio, ao meu filho Márcio Sampaio. Nessa oportunidade aproveito para, na condição de mãe, falar da minha satisfação ao ser comunicada pelo meu filho desse convite e de sua aceitação. Tenho dois filhos, André e Márcio, que abraçaram o campo das artes e das políticas culturais. Márcio, além de músico reconhecido, é graduado em ciências sociais e políticas culturais. Estou certa de que será uma excelente experiência para ele e também para a gestão cultural da cidade".

O primarismo da posição assusta. É uma ministra permitindo que um parente seu seja utilizado para conseguir verbas federais. Se em algo tão delicado e íntimo lhe falta pudor, o que se esperar de uma gestora tão inocente?

O Ministério da Saúde teve como antecessor um médico que tentou usar o orçamento da pasta para beneficiar um filho. Abriu os cofres para o reduto do moço candidato. Após a denúncia, a ideia de lançar o pimpolho foi explodida. Hoje é diferente. Ministra por acaso, ela aplaude o filho, secretário por acaso.

A ministra sobreviveu ao feminicídio político, que abateu mulheres ilustres que estavam no governo. Ela sai com a imagem arranhada neste episódio que terá muitos desdobramentos políticos. Não explicou por que privilegiou de forma desproporcional Cabo Frio, a cidade que deu cabo na sua imagem de pessoa que não mistura o público e o privado.

*Diretor de redação do

Correio da Manhã