O papelão chinês II: Um negócio nebuloso que envolve ex-presidente, ex-governador, ex-parlamentares e que transformou o litígio em um jogo de ganha/ganha

Coluna Magnavita

Por Por Cláudio Magnavita*

O papelão chinês, parte II

Curiosa a posição do executivo baiano Cláudio Cotrim, que tem movimentado o Ministério Público e a justiça do Rio para evitar a reabertura de um inquérito com denúncias de uma arbitragem contaminada. Ele trabalhou por 10 anos no grupo indonésio Royal Golden Eagle (RGE), nas empresas BSC e Bracell. Saiu em 2014 e, um ano depois, foi trabalhar no principal concorrente e arquirrival do antigo empregador.

Em 2015, Cláudio Cotrim assumiu como presidente e primeiro funcionário da Paper Excellence no Brasil, para procurar fábricas de celulose para adquirir no Brasil. Missão que desempenhava para os planos do seu ex-patrão, a RGE.

O grupo RGE e o Sinar Mas Group (SMG), da família Wijaya, dona da Paper Excellence, são os dois maiores conglomerados indonésios. Competem nos dois maiores setores do agronegócio do país: óleo de palma e papel e celulose. Disputam terras, mão de obra, clientes... Esses são os maiores negócios de ambos os grupos.

Ao mesmo tempo em que Cotrim procurava aquisições no Brasil para a Paper Excellence, sua ex-empregadora fazia o mesmo. A Paper assinou a compra da Eldorado em 2017 e a Bracell acabou por adquirir a Lwarcel, no interior de São Paulo, em 2018. Era uma fábrica em pior localização (terras caras e disputadas) e muito menor que a Eldorado. Gastaram muito mais tempo e dinheiro do que se tivessem comprado a Eldorado, por exemplo. É bem razoável supor que Cotrim já fazia esse mapeamento de ativos para aquisição quando estava na Bracell, mas concretizou o melhor negócio possível (a Eldorado) para seu maior concorrente.

Com os verdadeiros acionistas escondidos no outro lado do mundo, já que o nome mais visível, Jackson Wijaya, tem evitado entrar no Canadá, para fugir de uma convocação do parlamento canadense para revelar quem são os verdadeiros controladores da Paper Excellence, um mistério até hoje sem respostas por lá. Neste cenário nebuloso, aqui no Brasil Cotrim é o único rosto visível da empresa e pilota sozinho o escritório brasileiro, que não possui mais do que duas dúzias de empregados.

Na prática, a Paper Excellence é um grande hub de escritórios de advocacia que se dedicam exclusivamente ao litígio com a brasileira J&F, usando meios não ortodoxos que foram ignorados pela arbitragem. Entre eles, estariam o uso de arapongas que, por coincidência, faziam materializar e-mails emitidos por um dos litigantes. Aliás, estas conexões subterrâneas conectaram alguns personagens com o oito de janeiro.

O Rio entra no circuito por conta da reabertura de um processo que, de forma robusta, aponta que houve contaminação no julgamento da Eldorado e em um caso envolvendo a Petrobras. O Ministério Público fluminense decide se vai manter a reabertura do processo nos próximos dias. Neste cenário, entra a atuação de Cláudio Cotrim e seus advogados tentam de tudo, até abduzir patronos da outra parte. Na justiça paulista, por causa do apadrinhamento de Michel Temer, eles têm nadado de braçada, por enquanto, mas na justiça e no Ministério Público fluminenses a realidade é outra. É o que tem levado os personagens a uma superexposição.

Curiosa a relação de Cláudio Cotrim com os grupos chino-indonésios. Entre os maiores negócios deles estão o óleo de palma, ou seja, o dendê, ingrediente básico da culinária baiana e que tem na Bahia um grande produtor.

Folclore a parte, sabem por que o grupo tem optado pelo litígio e rechaçado qualquer proposta de conciliação? Estão em um jogo de ganha/ganha. O grupo, que tem raízes na China e com a briga, evita que o Brasil entre pesado no mercado de celulose. O litígio segura o crescimento da Eldorado que já poderia estar exportando US$ 1,8 bilhões ano de celulose para o mercado internacional. É só verificar as manifestações como acionista minoritário para frear a companhia. Nenhuma proposta de acordo foi aceita, já que não há prejuízo para eles. Só o Brasil perde por ver um grande exportador e gerador de divisas asfixiado por uma disputa judicial. O Brasil perdeu nesses anos de briga mais de 12 bilhões de dólares em exportação. São R$ 60 bilhões de reais em receita para os cofres brasileiros.

Neste jogo de ganha/ganha, é possível contratar advogados, ex-presidente da República, ex-governadores, ex-policiais e ex-parlamentares já que o custo é de apenas estrutural em uma micro-sede em São Paulo, com um punhado de funcionários, um executivo abduzido da concorrência e um único ativo: um grande litígio. Uma briga sem lógica empresarial, que faz o Brasil perder divisas, perder empregos e ficar à mercê de um negócio nebuloso que envolve, principalmente, uma fatia do mercado chinês. O parlamento brasileiro deveria seguir o exemplo do parlamento canadense e abrir a caixa preta dos misteriosos acionistas e os passivos ecológicos que geraram no Sudoeste asiático, motivo da camuflagem societária. É esse o fio da meada que trouxe para o Rio, bem longe da influência do Temer, a possibilidade de desvendar o mistério da empresa de nome pomposo, micro estrutura empresarial no Brasil e acionistas nebulosos.

 

*Diretor de Redação do Correio da Manhã