Por: Cláudio Magnavita*

Coluna Magnavita: Sonhar este sonho impossível

O encontro de Roberto Medina com Dom Quixote de La Mancha, uma das cenas do musical Sonhos, Lama e Rock and Roll | Foto: Cláudio Magnavita

Como transformar uma vida em poesia? Foi esse o resultado do musical SONHOS, LAMA E ROCK AND ROLL, apresentado em quatro sessões diárias no Rock in Rio. Uma obra de Charles Moeller na qual ele soube captar as nuances e detalhes que só os mais próximos conhecem e até registros que só o próprio Roberto Medina sabia.

Moeller funcionou com uma antena, a exemplo do que fez no seu primeiro musical de sucesso e 100% autoral como Cole Porter - Ele nunca disse que me amava, o primeiro grande êxito de público da dupla que faz com Cláudio Botelho.

Neste voo solo mergulhando na história de 40 anos do Rock in Rio, ele criou cenas nas quais ninguém sai impune. Horas depois, a narrativa condensada em 50 minutos entra na alma, toca o coração e libera uma enxurrada de lágrimas.

No palco, o gênesis de um Rock in Rio é materializado na sua essência. A primeira cena é primorosa. O encontro de Roberto Medina com Dom Quixote de La Mancha é poesia pura. Da máquina de escrever para a carícia de um cavalo imaginário que transportava o intrépido cavaleiro e o tema musical Sonhar um Sonho Impossível, música que traduz com perfeição o espírito do sonhador Medina.

O musical deveria ser obrigatório para quem gosta de sonhar, de ver o desejo virar realidade. A cenografia é Broadway pura. Tem a grandiosidade proporcional à narrativa. Os atores bailarinos em cena, 34, com um elenco extraordinariamente talentoso, costurado pela figura icônica de Gottsha, musa de Charles e com um vocal de abalar paredes de catedrais.

Um ponto tocante é o telefonema de Roberto para o pai Abrahão Medina feito de Nova Iorque depois de uma maratona de várias semanas de negativas. Era o sonhador falando com o outro sonhador. Este elo renova a disposição de continuar correndo atrás do seu sonho.

Impactante é sair do musical e voltar à edição 2024 do Rock in Rio. É um choque de realidade de um sonhador que continua sonhando depois de 40 anos e transformou o Parque Olímpico em um mundo mágico da música.  Quem sai do musical passa a ter uma releitura afetiva com o festival.

A sua garra e jovialidade continuam presentes. Que ele continua passando o dedo no imaginário bigode quixotesco enquanto cria e é capaz de perdoar as idiossincrasias cariocas que testam os sonhadores, como a decisão de Brizola de embargar a obra do Rock in Rio no dia 28 de dezembro de 1984.

Mais impactante ainda é reencontrar logo após o musical o próprio Roberto Medina e saber que mais um sonho impossível está chegando, que ele continua lutando quando é fácil ceder, que continua vencendo o inimigo invencível e que continua voando num limite improvável.

Esta obra prima do teatro musical brasileiro tem que ganhar mais algumas minutagem e percorrer o Brasil em um teatro como a Cidade das Artes, no Rio, ou no teatro Alpha, em São Paulo. É uma história que precisa ser contatada. É também uma ode ao mercado publicitário e ao mundo mágico das agências de propaganda. Criativos e sonhadores capazes de construir no mundo real um mundo sonhado e imaginado por uma só pessoa, que multiplicou sua inspiração. Quem for ao Rock in Rio deve guardar o seu ingresso com um enorme valor agregado. Ele é um pedaço desse sonho pessoal que virou coletivo.

Concepção de Roberto Medina, texto de Charles  Moeller, trilha sonora e direção musical de Zé Ricardo e Tina Salles na Coordenação Artística

No elenco Rodrigo Pandolfo, Malu Rodrigues, Beto Sargentelli, Bel Kutner, André Dias, Gottsha, Guilherme Logullo e  34 bailarinos/ atores no elenco coadjuvante.

*Diretor de Redação do Correio da Manhã