É inacreditável a disposição do ex-presidente Michel Temer de não zelar pelo seu lugar na história e, fora do cargo, emprestar seu nome para negócios polêmicos e que desafiam os interesses nacionais. É um varejo que arranha sua biografia e demonstra apetite para honorários, ora como consultor, ora como advogado. Os casos mais polêmicos envolvem um desafeto histórico, o que agrava mais a posição do ex-presidente da República.
O início de 2025 tem sido infeliz para Michel Temer. O seu cliente mor, os chineses da Paper Excellence, que travam uma luta na área de celulose, que haviam transformado a módica remuneração mensal em um parrudo contrato, com cláusulas milionárias ad-êxito, resolveram jogar a toalha depois de sucessivas derrotas no judiciário brasileiro, e levaram o acordo de arbitragem internacional para um novo julgamento em Paris, França, sob alegação da imparcialidade da justiça brasileira e como forma de executar o seu adversário, o grupo brasileiro J&F, no exterior. O contrato prevê as arbitragens no Brasil e em português. Só em casos extremos, como guerra, golpe de estado ou instabilidade institucional, isso pode ocorrer.
O pior é que esta decisão, anunciada aos quatro ventos por uma fonte anônima, falando pelos chineses ao jornal Folha de São Paulo, ocorre quando o Superior Tribunal Federal, através do ministro Kassio Nunes, abre a negociação para um acordo entre as partes. Na prática, os chineses da Paper Excellence, que tinham o ex-presidente Michel Temer como o rosto mais visível na defesa dos seus interesses, emite um voto público de desconfiança do judiciário brasileiro, da sua incapacidade de executar dívidas e, ainda mais, desonra o próprio STF ao fugir de uma mediação de acordo.
Na sua fala à Folha de São Paulo, a voz anônima da Paper afirma querer ser ressarcido pelos gastos com mais de 40 escritórios de advocacia, o que reforça o que foi publicado pelo Correio da Manhã, de que a Paper, funcionando em apenas meio andar na Faria Lima, era um hub de escritórios de advocacia de lobby e focada neste único litígio.
O ex-presidente Michel Temer atua como advogado, emprestando o papel timbrado do seu escritório e subscrevendo fisicamente um inciso em outro litígio, que envolve os seus desafetos da J&F em uma polêmica com disputa na área energética e no gás. Neste caso, o ex-presidente entrou de cabeça e atua como advogado, com os interesses dos sócios do grupo brasileiro. No dia 3 de janeiro, no apagar das luzes do plantão do desembargador federal Ney Bello, ele conseguiu uma decisão que anulava a sentença de uma juíza federal de primeira instância em Manaus. Palmas para esta vitória temporária, que foi comemorada pelo ex-presidente nesta coincidência de plantão da Justiça Federal.
No dia 10, o presidente do TRF-1, desembargador João Batista Moreira, não só anulou a liminar monocrática de Bello, como extinguiu o processo, dando uma verdadeira aula jurídica e um puxão de orelha no ex-presidente Temer. Afirma o presidente na sua decisão : "Em tal cenário, de rigor reconhecer, em juízo de retratação, a ilegitimidade ativa da Cigás, autora deste pedido de suspensão de liminar e sentença e, de conseguinte, INDEFERIR a inicial e extinguir o processo sem resolução de mérito. Fica sem efeito a medida liminar antes deferida. Prejudicado o agravo interno".
A inicial assinada por Temer trazia uma tese, que analisada fora da superficialidade de um plantão, em fim de semana e em um período de festas, não se sustentou já que, segundo Batista Moreira: "Verifica-se que a concessionária, nesta suspensão de liminar, atua, precipuamente, em defesa de seus interesses patrimoniais, isto é, no temido risco de as alterações da titularidade/composição societária da Amazonas Energia trazerem impactos negativos na execução de contratos de fornecimento de gás que firmaram entre si. Não se vislumbra defesa de interesse público primário, nem mesmo de forma reflexa." Está aí o puxão de orelha no ex-presidente advogado, a de defender interesses patrimoniais e não do interesse público, ou seja, o consumidor, que seria a base legal para o pedido de suspensão da liminar.
Na estratégia de atacar a credibilidade do judiciário brasileiro e da incapacidade alegada pelos chineses do STF ser o foro para um acordo, preferindo levar para o exterior uma nova arbitragem, o cliente do ex-presidente Michel Temer desafia a lei brasileira, com as decisões de não permitir que estrangeiros passem a ser proprietários de um quinhão do território nacional. Não houve nenhum pudor do ex-presidente em fechar os olhos para a soberania nacional. No segundo caso é o desejo de vingança contra os sócios da J&S e os gordos honorários, que colocam um ex-presidente da república em um varejinho vergonhoso, que envolve o uso de um plantão e de uma tese que fez o processo ser extinto pela ilegítima da parte defendida, com assinatura de Temer.
Michel entrou no Planalto pelas portas do fundo, num golpe que afastou uma presidente eleita legitimamente pelas urnas, que dividiu o governo que se apossava com os carrascos do julgamento no Senado e, hoje, se apequena ao fazer negócios contra aquele que revelou, por gravação, que, mesmo na presidência da República, pensava no varejinho de ajudar a, b ou c, bem distante de uma liturgia que o cargo de Chefe de Estado exigia. Deve ser por esta ilegítima ou legitimidade "oportunista" que o ex-presidente aceita assinar uma petição típica de advogados que nunca ocuparam o mais alto cargo da república.
*Diretor de redação do Correio da Manhã