Imaginem o que aconteceria nos Estados Unidos ou na Europa, especialmente na Inglaterra e na França, se quatro grandes escritórios de advocacia do país assinassem um documento conjunto, colocando em dúvida a isenção do judiciário do país e afirmando, sem meias palavras, a existência de poder de influência sobre as decisões judiciais?
É exatamente isso que está ocorrendo no Brasil, para assombro dos ministros do STF, STJ, desembargadores e até de grandes nomes da arbitragem brasileira.
No afã de defender os interesses de um cliente de origem chinesa, que é proibido por lei de ter um quinhão do território nacional e que, nos últimos anos, se transformou no maior cliente de grandes advogados, foi assinada uma petição conjunta pelos escritórios MATTOS FILHO, VEIGA FILHO, MARREY JR. E QUIROGA ADVOGADOS; FERRO, CASTRO NEVES, DALTRO & GOMIDE ADVOGADOS; BERMUDES ADVOGADOS; e M NASSER ADVOCACIA ESTRATÉGICA, com mais dois escritórios internacionais, na qual afirmam: "Fixe a cidade de Paris, na França, como sede da arbitragem ou, subsidiariamente, designe outra sede, neutra com relação às partes, fora do Brasil". Afirmam, ainda neste caso, que trata da briga da brasileira J&F com os chineses da Paper Excellence: "O que a Corte não deve fazer em nenhuma circunstância é confirmar provisoriamente, pendente uma decisão do Tribunal, a seleção na Convenção de Arbitragem do SPA de São Paulo como sede."
É neste ponto que os argumentos dos quatro escritórios colocam em dúvida o sistema judiciário brasileiro. Escrevem na petição: "A Corte estaria essencialmente pré-julgando a questão sobre se a Convenção de Arbitragem do SPA se tornou inexequível para esta arbitragem e se deve ser modificada, um ponto central em disputa que cabe ao próprio Tribunal decidir. Os resultados seriam desastrosos para a CA. Isso permitiria que a J&F novamente se valesse de uma variedade de táticas de má-fé no Brasil para minar a arbitragem e dificultasse sobremaneira que a CA seja indenizada pelos bilhões de dólares em prejuízos que a J&F lhe causou a continua a lhe causar."
O que causa espanto no judiciário são afirmações graves destes quatro grandes escritórios que declaram com todas as letras: "A CA (Paper Excellence) não poderia ter previsto que a J&F iria abusar do acesso ao Poder Judiciário e às instituições administrativas do Brasil por meio de sua conduta imprópria para se esquivar das obrigações que assumiu no SPA e impedir a CA de fazer valer os seus direitos." Expressões como "abusar do acesso ao Poder Judiciário e às instituições administrativas do Brasil" revelam um questionamento inédito de grandes escritórios ao sistema judiciário brasileiro. Nunca houve algo tão veemente contra o acesso de entes privados a decisões da Justiça brasileira.
A petição é ainda mais específica: "Além disso, a CA (Paper Excellence) não poderia ter antevisto o cenário jurídico sem precedentes que agora se desvela, no qual medidas administrativas e judiciais criaram um bloqueio definitivo para a resolução de disputas. Essa situação representa uma ruptura superveniente dos ordinários e legítimos pressupostos que serviram de base à celebração da Convenção de Arbitragem do SPA."
Vale a pena repetir este trecho assinado por MATTOS FILHO, VEIGA FILHO, MARREY JR. E QUIROGA ADVOGADOS; FERRO, CASTRO NEVES, DALTRO & GOMIDE ADVOGADOS; BERMUDES ADVOGADOS; e M NASSER ADVOCACIA ESTRATÉGICA: "não poderia ter antevisto o cenário jurídico sem precedentes que agora se desvela, no qual medidas administrativas e judiciais criaram um bloqueio definitivo para a resolução de disputas". Vale destacar a expressão "CENÁRIO JURÍDICO SEM PRECEDENTES". Que cenário é este? A justiça brasileira não é plena? É parcial? Todos os quatro escritórios viraram monoclientes, só advogam para Paper? E as outras demandas, não ocorrem no mesmo judiciário?
O ministro do STF Kassio Nunes Marques abriu possibilidade de uma conciliação. Eles aceitaram e, ao mesmo tempo, tentam levar para Paris o processo e usam como suspeição o poder de influência de uma das partes junto ao próprio judiciário, argumentando sobre a impossibilidade de execução plena no Brasil dos direitos do cliente, caso saia vencedor. Na prática, são quatro grandes escritórios atacando a credibilidade do judiciário nacional, como se este assunto fosse fechado a sete chaves e a peça não fosse parar nas mãos de juízes, desembargadores e ministros.
Cabe ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) convocar os quatro escritórios brasileiros para revelar em que ponto a justiça brasileira é parcial e essa influência da J&F no judiciário nacional, capaz de levar estes parrudos advogados a colocarem, por escrito e assinado, a credibilidade da justiça brasileira, não só em decidir, mas de executar no caso de vitória.
O documento tem 111 páginas. Além de MATTOS FILHO, VEIGA FILHO, MARREY JR. E QUIROGA ADVOGADOS; FERRO, CASTRO NEVES, DALTRO & GOMIDE ADVOGADOS; BERMUDES ADVOGADOS; e M NASSER ADVOCACIA ESTRATÉGICA assinam o documento escritórios com sede em Londres, o que torna maior ainda o questionamento do sistema judiciário brasileiro, ao revelar o poder de influência de uma das partes e a dúvida sobre a capacidade de execução no caso de vitória. É dever do CNJ zelar pelo funcionamento e pela lisura do judiciário. O vazamento e argumentos para levar este caso para decisão da Corte Internacional Arbitral em Paris coloca também em xeque a arbitragem brasileira, um instrumento de importância crescente no país.
O caso tem levado a perplexidade outros clientes desses escritórios, ao criar uma suspeição genérica contra a integralidade de todo o judiciário brasileiro, sem apontar nas 111 páginas os agentes e nominar quem no judiciário tem beneficiado a J&F e explicar por que querem correr para Paris, sem esperar a conciliação proposta pela Suprema Corte. O descaso com a justiça brasileira e a nuvem de suspeição que colocam em todo judiciário pode ser resumido em uma frase da petição: "Imperioso, portanto, que a Corte da CCI fixe provisoriamente a sede da arbitragem em Paris ou, alternativamente, em local neutro fora do Brasil."
*Diretor de redação do Correio da Manhã