Por: Ricardo Cravo Albin

A voz pela Baía da Guanabara — Parte III

Praia do Caju, 1923. | Foto: Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro

Essa série de artigos em defesa da Baía da Guanabara é dedicada à sabedoria do historiador Arno Wehling, estendendo-a a seus dignos pares e amigos do IHGB (Instituto Histórico e Geográfi co do Brasil), todos eles atentos aos malfeitos perpetuados contra a beleza e dignidade da cidade do Rio de Janeiro.

Os aterros feitos na Baía da Guanabara não apenas destroem a dignidade do espelho d’água, não. Eles vão muito além, provocando o desequilíbrio do ecossistema pelo assoreamento de suas profundidades, muito variáveis, mas sensíveis.

O historiador Gastão Cruls (in Aparência do Rio de Janeiro) escreveu em 1949, vejam bem, 1949, as seguintes considerações: “A baía míngua incessantemente e Everardo Backeuser calcula o aterro gradativo da Guanabara em pouco mais de duas braças por século. Observe-se que as faixas de terreno continuamente conquistadas ao mar, aqui e ali, mas principalmente na ponta do Calabouço, pelo desmonte do Castelo, não só têm prejudicado muito a beleza de nossa formosa baía como, pelo seu entulho, não pouco devem vir concorrendo para aquela inexorável dessecação, que leva alguns pessimistas a já falarem num possível fechamento da Guanabara, então transformada em lagoa, como antigas angras se transformaram nas atuais lagoas Rodrigo de Freitas, de Marica e Saquarema.

É fora de dúvida que pontos hoje comprovadamente rasos, como as imediações de Paquetá e do Galeão, não dariam calado aos grandes barcos que em outros tempos se construíram nos estaleiros ali existentes. A abertura da Avenida Beira-Mar já fez também que desaparecesse a tarja de areia branca que se estendia quase sem descontinuidade desde Santa Luzia até Botafogo - praias outrora muito procuradas por banhistas, principalmente as do Boqueirão e do Flamengo. Esta última, e muito mais recentemente a da Urca, depois que se criou o novo bairro a partir dos anos 20, são as únicas que, ainda agora, conseguem um certo movimento balneário, devido aos moradores mais próximos que, por comodidade, deixaram de ir gozar a onda forte e livre das incomparáveis praias de Copacabana, isso em relação à Zona Sul. Na Zona Norte, cujo litoral é quase todo pantanoso e revestido de mangue, há apenas uma praia, a de Apicu, em Ramos, que de uns anos para cá já começa a ser bastante frequentada pela população suburbana”.

Esse relato de Gastão Cruls, feito em 1949, é de fazer soluçar a quem o lê hoje, bem mais de cinquenta anos depois. Os aterramentos feitos em toda a baía nesse trágico meio século foram, simplesmente, três vezes maiores que os promovidos nos últimos 450 anos. E não bastassem os aterros, feitos em ambos os lados da Guanabara, ela vem sendo brutal e geometricamente assoreada com a altíssima carga de poluição diária que nela é despejada pelos rios, afluentes e manilhas de esgotos em todo o seu entorno, que abrange sete municípios fluminenses.

 

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