Por: Ricardo Cravo Albin

Distorções cruéis de comportamento

O indesejável, mas imortante, telemarketing | Foto: Divulgação

“Meu Deus, minha viagem aos Estados Unidos me fez ver o quanto os pais repreendem os filhos quando contrariam a educação em lugares públicos. Vou fazer que meu Sítio do Pica-Pau obrigue todos a serem polidos. Creio que todas as crianças por aqui estão mal-educadas”. (Monteiro Lobato, em carta a Godofredo Rangel)

Estou aqui a reclamar da degradação comportamental das pessoas. Simples pessoas, em geral da classe média (o que ainda mais irrita, pela mínima educação básica, ou até superior que tenham recebido). Pessoas que procedem em público com atos condenáveis e anti-sociais dentro de qualquer sociedade que se tenha respeito.

Vou relacionar apenas poucos desses exemplos malsãos, e já peço colaboração dos leitores, que se lembrem de tantos mais: buzinar abusivamente no trânsito, motores turbinados em motocicletas, furar filas (o horror!), não ceder lugar aos mais idosos em veículos públicos, falar aos berros em restaurantes e mesmo em bares, jogar lixo nas vias públicas ou até (!) no mar. E por aí segue longa e penosa lista de gestos que escandalizam turistas estrangeiros e mesmo brasileiros educados, acostumados a um mínimo de comportamento coletivo e/ou individual.

Todo esse já longo prólogo para tentar tomar o pulso do comportamento inadequado de gente que certamente recebeu educação desde o berço (a classe média), e que procede com desdém ao bem-estar dos outros. Isso ainda tem por ponto central as ligações de marketing que viraram um inferno para os usuários de telefones. De fato, não de hoje venho sendo molestado por conta de empresas que tentam vender telefone celular.

Considero degradante a enxurrada de ofertas indesejadas que já por décadas congestionam as nossas linhas pessoais. Claro que devo avaliar, antes de tudo, que o telemarketing é prática lícita quando dirigida a um público determinado, que, pelo perfil, seria potencialmente sensível às ofertas oferecidas por desconhecidos. Reconheço igualmente que o telemarketing agressivo abriga, ou pode favorecer, valiosos postos de trabalho para pessoas de baixa qualificação. E desempregadas.

Mas, e aqui é o ponto central que este artigo quer atingir. Nada pode ser mais indesejável que chamadas telefônicas “agressivas”, ou seja, em número desesperador de insistência continuada, a partir do momento em que os interlocutores não estão querendo o serviço oferecido. Uma ou duas ligações ainda seriam toleradas. Eu, por exemplo, recebi há meses atrás, em um único dia, 23 ofertas de empresas ligadas à telefonia. Meu derradeiro argumento foi radical: “Imploro a você que não ligue mais para este número, seu proprietário morreu, estou de luto, e estou vendendo tudo. Inclusive este telefone.”

Sou informado por pesquisas na internet que houve várias tentativas para minorar as milhares de queixas que chegam aos órgãos de defesa do consumidor. Agora, tudo está a indicar que a Anatel parece finalmente ter acordado e imposto uma série de restrições e disciplina a essas ofertas indesejadas e dolorosas que já beiraram o insuportável.

Tudo indica que a Agência de Comunicações (Anatel) deveria ter feito esses procedimentos agora anunciados há muitíssimo mais tempo. Antes tarde do que nunca, diria o célebre Conselheiro Acácio, personagem de Eça de Queiroz, ao ouvir um tímido “obrigado”, o único pronunciado pelo personagem favorecido por gentilezas dezenas de vezes e sempre mudo ao esboçar qualquer palavra de agradecimento.

Mas, atenção Anatel, toda atenção a quem já não aguenta mais receber ligações de ofertas de qualquer coisa que seja. E se as empresas de telemarketing fizerem caras de paisagem às novas regras da Agência Federal?

Tal como os batalhões de subempregados que aparentemente não se constrangem de incomodar milhares de pessoas por dia. As empresas que os contratam não são cândidas almas, flores puras, e que por certo nada farão que possa para prejudicar seu próprio negócio.

E, é claro para mim, que um batalhão de artifícios virá por aí! No mesmo nível quando o Ministério do Meio Ambiente (lembram-se do governo passado?) passou a não reprimir ou a não cobrar a quem devastasse florestas e árvores, liberasse invasão em terras indígenas, ou admitisse ocupação de áreas a serem preservadas sem licenciamento. Ou mesmo fizesse olhos grossos à mineração criminosa com mercúrio, e venenos semelhantes. A devastação foi grande, danosa, e quase sempre irreparável.