Por: Rudolfo Lago*

A mulher de Cesar e a do Tio Patinhas

Com quais intenções a esposa do Tio Patinhas procurou participar de audiências no Ministério da Justiça e ninguém descobriu a sua história? | Foto: Reprodução

Dizem que a segunda esposa de Júlio Cesar, Pompeia Sula, era muito bonita. Conta a história que no dia 1º de maio do ano de 62 antes de Cristo ela resolveu promover uma festa na sua casa somente para mulheres. Havia, porém, um certo Plubius Clodius que andava arrastando meia dúzia de quadrigas por Pompeia Sula.

Muitos anos depois, o plano de Plubius Clodius daria certo com Jack Lemmon e Tony Curtis na memorável comédia "Quanto mais Quente Melhor", de Billy Wilder. Naquela ocasião, porém, deu errado. Publius Clodius disfarçou-se de tocadora de lira para entrar na festa. E acabou descoberto bem antes de conseguir se aproximar de Pompeia Sula.

Enfim, além da cretinice travestida de tocadora de lira de Publius Clodius, nada aconteceu. E jamais se saberá se Pompeia Sula sucumbiria ou não aos encantos do cidadão romano atrevido. Mesmo assim, Júlio Cesar não teve dúvida: separou-se de Pompeia Sula. E justificou seu ato com uma frase que ficou famosa: "À mulher de Cesar, não basta ser honesta. Tem que parecer honesta".

Milenares machismos e misoginias à parte (afinal, Pompeia, até prova em contrário, é só vítima dessa história), a história da mulher de Cesar vem à memória depois que se soube que entrou no Ministério da Justiça para duas reuniões a mulher do Tio Patinhas.

Não, não se trata da Vovó Donalda. Mas de Luciene Barbosa Farias, mulher de Clemilson Barbosa Farias, líder do Comando Vermelho no Amazonas, conhecido por Tio Patinhas. Se Publius Clodius entrou na casa de Pompeia Sula travestida de tocada de lira, Luciene entrou no Ministério da Justiça travestida de advogada defensora dos direitos humanos.

O presidente Lula saiu em defesa de Dino, afirmando que ele está sendo alvo de "ataques artificialmente plantados", pois jamais se encontrou com a tal "dama do tráfico". É verdade. Mesmo assim, o episódio é um rolo grande para Flávio Dino administrar.

O primeiro ponto é que Luciene entrou no Ministério da Justiça e se reuniu com dois secretários da pasta. Num périplo por Brasília onde também teve encontros e posou para fotos com os deputados André Janones (Avante-MG) e Guilherme Boulos (Psol-SP). Tudo devidamente registrado nas suas redes sociais. Parece ficar claro que Luciene talvez tivesse alguma intenção mesmo de vir a provocar constrangimentos posteriores.

No caso, é espantoso que a mulher de um líder do Comando Vermelho consiga se encontrar com dois secretários do Ministério da Justiça. Já seria um problema se ela fosse somente a esposa de um criminoso. Mas ela é apontada como criminosa também. Condenada a 10 anos de prisão por lavagem de dinheiro, associação para o tráfico e organização criminosa. Não está presa porque recorre da condenação em liberdade.

Se o 8 de janeiro já provocava questionamentos sobre para que serve a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e os demais organismos de segurança do governo, a entrada de Luciene faz gritar esses mesmos questionamentos. Não é difícil checar a ficha de quem pede audiência em ministérios. Aliás, essa checagem parece algo obrigatória. Ainda mais no ministério ao qual está subordinada a Polícia Federal.

Desde março, a oposição ao governo já fazia malabarismos para tentar associar Flávio Dino ao crime organizado por conta de uma visita que o ministro fez ao Complexo da Maré, no Rio de Janeiro. No caso, uma associação preconceituosa e em princípio descabida, uma vez que tenta associar qualquer morador de uma comunidade como o Complexo da Maré ao crime. Seria como associar qualquer morador de condomínio da Barra da Tijuca à milícia porque ali mora um miliciano.

Certamente, porém, a presença de Luciene no ministério não ajuda a desfazer essa tentativa de associação. Desgasta um ministro que incomoda à oposição, pela sua postura nas vezes em que foi convidado a audiências púbicas. Por sua ironia, por sua estratégia lacradora demolindo os adversários que ali tentam confrontá-lo. Não são poucos os que desejam ver Flávio Dino pelas costas.

Para esses, ao ministro da Justiça não basta ser honesto. Ele tem que parecer honesto. Sabendo-se que qualquer brecha será explorada de forma impiedosa. O problema não é a mulher de Dino. É a mulher do Tio Patinhas.

*Jornalista. Chefe da redação do Correio da Manhã em Brasília. Responsável por furos como o dos anões do orçamento e o que levou à cassação de Luiz Estevão. Ganhador do Prêmio Esso.

 

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