Por: Rudolfo Lago*

Será que um dia o Congresso se emenda?

O governo ficaria obrigado a liberar todos os recursos das emendas até o final do primeiro semestre. Ponto final. | Foto: Jonas Pereira/Agência Senado

Era o final da década de 1980 quando pela primeira vez o Congresso se reuniria para elaborar o orçamento do país dentro das novas regras da Constituição promulgada em 1987. Até então, a elaboração do orçamento era uma pauta coberta por repórteres de economia. Importava ali saber coisas como a previsão de inflação para o ano que vem, qual seria o valor do salário-mínimo, etc. Ainda com essa expectativa, acabou caindo para mim a cobertura da primeira reunião da Comissão de Orçamento. Não havia repórter de economia disponível no momento na redação de O Globo, e meu chefe na época, o saudoso Rodolfo Fernandes, pediu que eu fosse cobrir.

A coisa impressionou desde o primeiro momento. Diante da enorme disposição de deputados e senadores de participar da sessão, a comissão teve de se reunir no antigo Auditório Nereu Ramos, no início do corredor das comissões. Não havia nenhuma outra sala disponível para abrigar a quantidade de pessoas que queria participar. Depois disso, a sala foi reformada, virou o atual espaço mesmo da Comissão de Orçamento, e o Auditório Nereu Ramos foi transferido para outro lugar.

A disposição dos parlamentares era tamanha que lembrava os versos daquela canção de Dominguinhos, como coloquei na matéria que escrevi na ocasião: "Quem está fora quer entrar, mas quem está dentro não sai".

Estava aberta a temporada de escândalos. O esquema foi se revelando de maneira cada vez mais pesada. Até culminar com um assassinato, de Elizabeth Lofrano, mulher do então principal assessor da comissão, José Carlos Alves dos Santos.

Instalou-se uma CPI. E ela investigou a fundo o esquema. Desvendou como ocorria, e quem eram os principais responsáveis. Houve, é claro, muita negociação para livrar nomes mais poderosos. Mas o Congresso cortou, sim, na carne. A CPI propôs a cassação de 18 deputados e senadores. Seis perderam, de fato, seus mandatos.

Sentada a poeira do escândalo do orçamento, o Congresso caminhou na direção oposta. Cada parlamentar pode hoje propor até 25 emendas individuais. Em 2023, as emendas individuais somaram R$ 21,2 bilhões, R$ 16,4 bilhões para deputados e R$ 4,8 bilhões para senadores. Cada deputado pôde propor R$ 32 milhões, e cada senador R$ 59 milhões.

Inventou-se ainda o tal orçamento secreto, com emendas de relator que eram negociadas com alguns deputados e senadores de forma nada transparente. O Supremo Tribunal Federal (STF) proibiu a prática, mas ela de certa forma continua com as emendas chamadas de RP2 negociadas com o governo.

Foi-se tornando cada vez mais a destinação dos parlamentares obrigatória. Até chegar agora ao ponto proposto pelo deputado Danilo Forte (União-CE) no seu relatório para a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). O governo ficaria obrigado a liberar todos os recursos das emendas até o final do primeiro semestre. Ponto final.

No argumento, pode ser nobre. Argumenta-se que se quer tirar do Executivo o que hoje é um instrumento de barganha nas votações de seu interesse. Mas a verdade é que isso concentrará ainda mais poder nas mãos dos parlamentares.

Um novo escândalo do orçamento acontece. Ele somente ainda não foi desvendado na sua totalidade. Tomara não resulte em novo assassinato… Será que o Congresso um dia se emenda?

*Jornalista. Chefe da redação do Correio da Manhã em Brasília. Responsável por furos como o dos anões do orçamento e o que levou à cassação de Luiz Estevão. Ganhador do Prêmio Esso.

 

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