Quando a redemocratização brasileira completou 20 anos, o ex-presidente José Sarney publicou um livro com o título simples de "20 Anos de Democracia". Reunia diversos textos de variados autores analisando a trajetória do fim da ditadura militar, desde a eleição de Tancredo Neves até o final do primeiro governo após a redemocratização. Entre os autores, reúnem-se o próprio Sarney, o atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e, humildemente, este colunista. Dois dos capítulos, respectivamente nas páginas 132 e 137 do livro são assinados por mim. Escritos feitos a partir de relatos de Sarney, em entrevistas, sobre os bastidores da sua posse, em 15 de março de 1985, e sobre o seu governo. Recuperados, agora que a democracia faz 40 anos.

Sarney foi o presidente improvável, que não deveria ter sido, empossado pelas circunstâncias da tragédia com Tancredo Neves. E ele tinha plena consciência disso. "Eu sabia da desconfiança que todos tinham de mim", disse Sarney, em uma das entrevistas há vinte anos.

"Eu era fraco, politicamente", disse também Sarney. Segundo ele, sua posição na chapa de Tancredo vinha da percepção de que ele, como ex-presidente do PDS, o partido que apoiava a ditadura militar, poderia mapear melhor os votos dos dissidentes no Colégio Eleitoral.

O que fica claro das entrevistas feitas à época por Sarney é que talvez tenha sido justamente a consciência da sua fraqueza política um dos fatores que mais contribuiu para o fortalecimento da democracia brasileira. Sarney passou a trabalhar para garantir que não seria a sua presença uma ameaça ao regime que nascia. De cara, fez coisas que talvez o próprio Tancredo demorasse mais a fazer. Legalizou os partidos comunistas. Instalou uma Assembleia Constituinte totalmente livre e soberana (a intenção de Tancredo era realizar uma Constituinte que começasse a trabalhar um texto a partir de uma proposta original do poder Executivo).

Sarney tinha plena consciência de que se tornara presidente por um acidente do destino. Um acidente que, para além da tragédia, possui diversos componentes. E o auxílio de personagens improváveis, como o ministro da Casa Civil de João Figueiredo, Leitão de Abreu.

A participação de Leitão de Abreu nos bastidores é outro capítulo contado por Sarney. Presidente, o general João Figueiredo, esbravejava sobre Sarney, no momento da internação de Tancredo: "Ele não assume!Ele é vice eleito. Não pode substituir quem não foi empossado!"

Temia-se que o ministro do Exército, Walter Pires, poderia tentar um contragolpe para evitar a posse de Sarney. Foi aí que veio Leitão de Abreu. Ele autorizou a publicação de uma edição extra do Diário Oficial nomeando os ministros de Tancredo e destituindo os antigos.

Quando Walter Pires ameaçou ir de madrugada para o seu gabinete para tomar "providências", Leitão comunicou: "O senhor não é mais ministro". Assim, garantiu-se uma forte democracia. Que resistiu a dos processos de impeachment e uma tentativa de golpe.