A história está em "Os Sertões", clássico de literatura brasileira. Euclides da Cunha narra como as tropas do Exército brasileiro tomaram seguidas sovas dos rebeldes de Antônio Conselheiro antes de conseguirem tomar Canudos. Em uma dessas sovas, os rebeldes de Conselheiro mataram o coronel Moreira César, comandante das tropas militares. Deveria assumir em seu lugar o coronel Pedro Nunes Tamarindo, que declinou do comando e fugiu apavorado, dizendo a seguinte frase: "Em tempo de murici, cada um cuida de si". O ditado refere-se à fruta do muricizeiro, que continua nascendo, mesmo na pior seca. No sertão, o dito é usado para dizer que quando somente houver o murici e mais nada, é preciso se precaver e tomar cuidado.

Na véspera do início do julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro, talvez alguns já estejam antevendo um "tempo de murici". O episódio do coronel Tamarindo veio à memória com a defesa do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, das urnas eletrônicas.

Tudo o que aconteceu e começará a ser julgado nesta terça-feira (25) no Supremo Tribunal Federal (STF) refere-se à contestação quanto à confiabilidade da urna eletrônica. Foi a evolução do discurso de suspeita sobre ela que levou a todos os demais acontecimentos.

Tido como provável alternativa de candidatura à direita na ausência de Bolsonaro em 2026, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, em um evento na noite de quinta-feira (21), fez rasgados elogios ao sistema eletrônico brasileiro. "O Brasil veio se tornando referência em termos de velocidade, de apuração, de tecnologia", disse Tarcísio. "Muitos países têm que olhar para o Brasil". Para o cientista político Isaac Jordão, foi uma clara demarcação de limites. "Tarcísio precisa do bolsonarismo, mas não pode se resumir a ele". Para Jordão, as declarações apontam o limite: o governador não adere à guerra entre os poderes e às críticas ao Judiciário.

Naturalmente, Tarcísio vem sendo duramente criticado pelos bolsonaristas extremados. Se o sistema de votação é referência, nada do discurso que justificaria a intervenção se sustenta. "Tarcísio diz que não é forjado do mesmo material de Bolsonaro", conclui Jordão.

Curioso é que menos de uma semana antes Tarcísio tinha estado em Copacabana, no ato em solidariedade a Bolsonaro e a favor da anistia. A direita, então, avalia o jogo dúbio de Tarcísio. Ao mesmo tempo em que mantém conexão com a direita, se afasta da polêmica.

A verdade é que não basta a Tarcísio, caso queira disputar a Presidência, o apoio dos bolsonaristas radicais. Precisa ampliar-se para um centro conservador mais moderado. Mas, ao mesmo tempo, não pode perder os radicais. É nesse pêndulo que ele se move.

Mesmo que venha a disputar a reeleição em São Paulo, não interessa a Tarcísio ser somente o candidato dos radicais. Mas a verdade é que isso talvez não valha para a grande maioria da turma do Centrão: quanto mais avançar o julgamento, mais será hora de cuidar de si.