Os artigos sobre política tendem a não valorizar o cotidiano da gestão pública e enveredar pelos caminhos das articulações políticas de gabinetes, partidos e a luta diária pelos acordos e desacordos dos grupos e agremiações partidárias. Tanto na minha vida pública como nos espaços de veículos de comunicação que trabalhei, sempre procurei lembrar da máxima rodrigueana: "a vida como ela é". Sem isso, é o poder pelo poder, sem o que mais importa que são as pessoas e a sua realidade.
Por isso, meu modesto recado às prefeitas e prefeitos reeleitos ou que iniciam o seu primeiro mandato, com um apelo: olhem para as calçadas que sua população pisa e olhem para cima, onde fiações de todos os tipos se cruzam entre postes.
Os transeuntes têm riscos de todos os tipos. Buracos, pedras soltas, bueiros destampados. Canos velhos que estouram no meio da rua. Recentemente, aqui no Rio, uma tubulação de décadas estourou no subúrbio e uma senhora morreu e sua casa foi completamente destruída. Além de causar prejuízos em diversos carros da rua atingida. Não há dia nas cidades do país que pessoas não se machuquem pela ausência de zelo na manutenção de calçadas.
As chuvas derrubam postes, arriam fiações, geram transtornos que vão de perdas materiais como automóveis até vidas perdidas. Bairros têm seus fluxos interrompidos. Vias bloqueadas que geram má qualidade para quem paga IPTU e não vê o retorno por parte da zeladoria da cidade.
Vejo administradores realizarem obras que não são prioritárias para "assinar" sua gestão no município, sem se preocupar com o básico: por onde as pessoas vivem, andam e se encontram para conviver e desfrutar da sua cidade.
Aproveitem e se sensibilizem pelos moradores de rua, que se amontoam em condições desumanas. Numa vida desgraçada e injusta. Que vivem de esmolas e da caridade de boas almas que à noite percorrem a cidade para prestar o mínimo de solidariedade com alimentos e roupas.
As ruas são reflexo de um país injusto, como é o Brasil. De uma elite que não se articula por isso. E por muitos gestores insensíveis ao "bê a bá" do que é ser prefeita ou prefeito de verdade.
Em 1996, perdi a eleição para prefeito no segundo turno, para o arquiteto e urbanista Luiz Paulo Conde (1934-2015), querido amigo que tive o privilégio de contar em meu primeiro ano de governo como Secretário de Cultura, em 2007. Pois bem, os destaques de sua campanha à prefeitura do Rio eram os seus feitos na gestão César Maia vinculados à transformação do ambiente das ruas e vielas de nossa cidade. Os programas Rio Cidade e Favela Bairro. Que mudaram para melhor o ir e vir das pessoas. De lá pra cá, nada ou quase nada foi feito pela prefeitura do Rio nessa direção.
A violência se manifesta de várias formas, e uma delas é o abandono das ruas de bairros e favelas da cidade.
Repare o emaranhado de fios nas ruas de nossos municípios! Deixe o carro na garagem e ande pelas calçadas de sua cidade. Sugiro que a(o) prefeita(o) caminhe pelas ruas de seu município, pelo menos 3 km por dia, pode ser a qualquer hora do dia e da noite. Para sentir e verificar a vida real das artérias da cidade. Não é para ir de carro. É para ir a pé.
João do Rio (1881-1921), cronista maior das ruas da cidade, no início do século XX, descrevia saborosamente, em "A alma encantadora das ruas", as poucas ruas urbanizadas do Rio, fruto da iniciativa urbanística e modernizadora do prefeito Pereira Passos (1836-1913).
Aos trancos e barrancos os transeuntes do Rio sobrevivem a uma cidade violenta em diversos aspectos. De uma bala perdida que pode ser fatal a um tornozelo torcido por um buraco na calçada, como um cabo de fio ou poste despencar na sua cabeça. Sem mencionar a corrida de obstáculos de nossos cidadãos PCDs. O ir e vir das pessoas é o que pode haver de mais sagrado e civilizado em uma cidade.
*Jornalista. Instagram: @sergiocabral_filho