Por: Sérgio Cabral

Que país é esse?

Haddad crê que preços dos alimentos logo cairão | Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil

O ministro da fazenda, Fernando Haddad, tem sido bombardeado por aqueles que não desejam um país mais justo e com uma distribuição de renda mais solidária. Para isso, há um bloco de resistência com forte presença na grande mídia, nos partidos mais extremistas da oposição e em setores do mercado financeiro brasileiro.

Depois de Fernando Henrique, esta é a segunda vez que o país vê um intelectual orgânico da centro-esquerda brasileira assumir o comando da economia do país. O bastão do sociólogo agora nas mãos do professor de ciência política. Ambos, militantes de grandes causas e profundos conhecedores da desigualdade brasileira.

O primeiro Fernando já deu sua grande contribuição à nação, ao estancar décadas de inflação e hiperinflação que tanto castigaram o povo brasileiro, e nos deu uma moeda, o real. O segundo já assinou o seu nome na história pela passagem no ministério da educação, onde, de 2005 a 2012, assinou iniciativas que mudaram a educação pública no Brasil, do ensino fundamental ao universitário. Vivenciei com Haddad no MEC, na condição de senador e, depois, governador, o seu empenho incansável em fortalecer o ciclo básico da educação e abrir nossas universidades públicas aos jovens das classes C, D e E. Durante seu mandato como ministro, houve a criação do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID) e do Sistema de Seleção Unificada (SiSU), a implementação da Universidade Aberta do Brasil e do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia, assim como a implementação do Programa Universidade para Todos (ProUni) e a reformulação e ampliação do Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (FIES) e do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). São fatos, não opiniões. Qualquer dúvida é só “googlar”.

Haddad assumiu a economia do país em um momento turbulento. Eleição muito acirrada. Setores fortes e derrotados do capitalismo brasileiro incrédulos com a vitória de Lula e muito mais céticos com o êxito de seu governo; também não faltaram ataques de setores do próprio PT ao ministro da fazenda.
Uma tentativa de golpe com 8 dias de governo. Um congresso sem maioria governista.

Os dois Fernandos têm em comum, além da consistência acadêmica e intelectual, grande capacidade e educação política para o diálogo com os contrários. Assim era FHC e assim é FH.
Haddad soube dialogar com o parlamento brasileiro, soube dialogar com a banca na Faria Lima e soube gerar esperança para os setores produtivos do país. O Brasil viu seu produto interno bruto crescer como há tempos não acontecia.

Fernando Haddad é avesso ao “laissez faire, laissez passer”. Ao reverso, o ministro acredita na capacidade indutora do estado, na sua responsabilidade em fazer justiça tributária e fiscal. Não é populista. Não faz graça retórica, mas sabe ser incisivo no que diz respeito às suas convicções e ressalta que não está a passeio no cargo que ocupa.

Agora mesmo, ao anunciar com o presidente Lula um projeto ao congresso nacional que busca o mínimo de justiça tributária no Brasil, ressaltou em suas entrevistas o absurdo que é uma pessoa de classe média pagar um percentual de imposto de renda muito mais elevado que a minoria privilegiada do país.

Como realizar tarefas indelegáveis do estado brasileiro com tributos sobre dividendos de menos de 200 mil brasileiros ricos e muito ricos que mais parecem com tributos de paraísos fiscais?

Estigmatizar a desoneração tributária sobre os que ganham até 5 mil, uma suave tributação aos que auferem até 7 mil, como jogada eleitoral, chega a ser uma piada. Desde 2023, Haddad tenta incluir essa agenda nas mensagens do executivo ao legislativo brasileiro.

Ao contrário de muitos analistas políticos, acredito que o presidente da câmara, Hugo Motta, e o presidente do senado, Davi Alcolumbre, juntos com os líderes dos partidos progressistas, de centro e centro direita, alcançarão um consenso de apoio a essas medidas tão justas e atrasadas em sua implantação.

Como lembrou o ministro em suas entrevistas, o Brasil tem a péssima tradição histórica de empurrar com a barriga decisões de reparação das profundas injustiças do país. Citou o caso mais chocante: fomos o último país a eliminar a escravidão. E que, para isso acontecer, o império caiu, os senhores de escravos foram indenizados pelo estado, e os ex escravizados jogados na rua da amargura sem nenhuma política pública de suporte.

Que país é esse?

*Jornalista. Instagram: @sergiocabral_filho