Fico a imaginar um encontro no além de Henri Kissinger, o maior diplomata norte-americano do pós guerra, e Deng Xiaoping, o estadista chinês que levou seu país ao estágio exuberante dos dias atuais.
Deng Xiaoping faleceu em 1997, já Kissinger nos deixou em 2023.
Os dois se encontram para examinar os dois meses e poucos dias de Donald Trump à frente dos Estados Unidos. Estupefatos pelo amadorismo de um presidente que, em nome de fazer a “América grande de novo” leva o seu país e o mundo a um estado de incertezas e inquietações desnecessárias e que, ao fim e ao cabo, não trará resultados positivos efetivos para o povo norte-americano. Ao contrário, o país pode cair numa recessão com inflação, o pior dos cenários.
A guerra fria tarifária que Trump impôs à China chega tardiamente na intenção de gerar graves prejuízos ao governo e ao povo chineses. As lições de Deng Xiaoping foram mantidas por seus sucessores à frente do estado chinês. Hoje, os Estados Unidos ainda são parceiros relevantes da balança comercial chinesa, mas muito longe de qualquer dependência.
Dos US$ 3,37 trilhões exportados pela China no ano retrasado, os Estados Unidos representaram 14,8% do total, ou US$ 501 bilhões. Causa prejuízos e inquietações, mas muito distante de quebrar a economia chinesa.
A China se preparou ao longo das últimas décadas para uma situação insólita e agressiva como essa. O próprio Donald Trump, em seu primeiro mandato, já havia iniciado uma pequena guerra tarifária com Pequim. Os chineses são planejadores de médio e longo prazo. Os congressos anuais do Partido Comunista Chinês são encontros de ratificação ou de mudanças de rumo do que está previsto em planos estratégicos. Não há improvisos.
Henri Kissinger escreveu um livro imprescindível para se entender o gigante asiático: “Sobre a China”, editora Objetiva. Já o mencionei nesse espaço há alguns meses. Recomendo vivamente que se leia Kissinger. Aliás, não só esse, mas todos os livros do mestre do xadrez diplomático norte-americano. A Objetiva também lançou do ex Secretário de Estado dos Estados Unidos os livros “Ordem Mundial” e “Liderança”. Trump tem toda pinta que lê, no máximo, a orelha de um livro. Uma pena. Aprenderia muito com Kissinger.
Poderia também, ao menos folhear, o livro de seu compatriota, Michael Marti, “A China de Deng Xiaoping”, lançado aqui no Brasil pela editora Nova Fronteira. Marti trabalha no Departamento de Defesa americano. É especialista em política externa e segurança nacional da China, cursou a Escola Nacional de Guerra e tem doutorado em História Chinesa pela Universidade George Washington. Certamente, se tivesse lido, teria mais precaução e cuidado em provocar os chineses.
Trump, no afã de ocupar o noticiário, tem diarreias verbais. Vai da insinuação de um eventual terceiro mandato aos minutos de chuveiro ligado para cuidar de seus cabelos pintados que, aliás, são de uma cafonice extrema.
Seus factoides são irresponsáveis. Mas nada é tão grave como suas decisões e decretos tarifários que mudam ao sabor da reação do mercado interno dos Estados Unidos. Brinca com fogo. Mais de 60% do povo americano tem aplicações nas bolsas de valores do país. E a sua volatilidade é assustadora.
O Brasil pode e deve aproveitar essa situação para alavancar e fortalecer suas parcerias, que já são consistentes, com os países do Mercosul, da Europa e da Ásia. O presidente Lula tem sido ágil nessas articulações para fortalecer os laços de nosso país no campo comercial, diplomático e político com todos eles. Nesses próximos quatro anos, com Donald Trump na Casa Branca, não há outro caminho. A não ser que nas eleições de meio de mandato do presidente, em 2026, o povo americano dê um “sossega-leão” no irresponsável, e eleja uma maioria democrata nas duas casas do Capitólio. Creio que até Henri Kissinger, falcão republicano, lá de cima, torce por isso, ao lado de Deng Xiaoping.
*Jornalista. Instagram: @sergiocabral_filho