Por: Vicente Loureiro*

Conceder os cuidados sem perder o zelo

Ilustração do projeto vencedor, do Consórcio Rio + Verde, para revitalização do Jardim de Alah e concessão de uso comercial. | Foto: Consórcio Rio + Verde/Reprodução

"A praça é do povo como o céu é do Condor" virou um verso clichê devido a incontáveis citações, desde quando, nos finais do século XIX, foi cunhado pelo poeta Castro Alves. Recorro a ele para, sem receio de ser repetitivo, tentar responder a pergunta: podem as praças, parques e jardins, enquanto logradouros públicos e bens de uso comum do povo, serem concedidos a iniciativa privada ou ao terceiro setor sem comprometer sua essência de lugar de usufruto livre e desimpedido dos desejos da população, seja o de nele estar, por ele passar ou mesmo nele manifestar-se sem restrições?

Há mais ou menos meio século, o país vem passando por importantes mudanças políticas, econômicas e sociais, empurrando o poder público a buscar soluções inovadoras para dar conta de suas obrigações e deveres. Socorrendo-se de institutos jurídicos capazes de ampliar o exercício e alcance de suas competências e atribuições, sem abrir mão, contudo, das responsabilidades legais na garantia do que preconiza a Constituição em relação aos bens sobre sua guarda ou tutela. Desse modo, concessões, PPP's, franquias, arrendamentos, etc. passaram a ter novas leis e regulamentações e se tem verificado significativa proliferação delas sobre bens e serviços públicos a cargo da União, dos estados e municípios. Ao que parece, vieram para ficar.

Volta e meia, mais serviços e bens públicos têm sua gestão delegada a iniciativa privada ou agentes do terceiro setor. Com resultados satisfatórios em muitos casos e verdadeiras varadas n'água em outros, demonstrando que meio século não bastou para dar conta de consolidar tais práticas por aqui. Há muito o que fazer em termos de avaliação e monitoramento das práticas implementadas, tendo muito o que aprimorar na regulação e fiscalização dos serviços e bem delegados ou concedidos.

Tentando responder objetivamente à pergunta razão deste artigo, diria que não só é possível como, em alguns casos, recomendável que o poder público, nos três níveis de governo, promova concessões e parcerias com a iniciativa privada e o terceiro setor. Seja para prestação de serviços essenciais ou mesmo para a gestão de bens públicos de uso comum do povo, como praças, parques e jardins. Desde, é claro, utilize modelos e contratos que assegurem o acesso universal e permanente em tais logradouros, preferencialmente de modo gratuito.

Há um exemplo recente protagonizado pela prefeitura do Rio que chama atenção pelo ineditismo e alguma ousadia. Trata-se da concessão do Jardim de Alah em fase final de conclusão dos procedimentos administrativos. Uma atitude corajosa e instigante capaz de despertar questionamentos e polêmicas, mas trazendo à tona a necessidade de se discutir em profundidade o modelo de estado desejado e o que de fato se pode implantar.

Cuidar do pleno funcionamento de logradouros não é, entre nós, nenhuma novidade. Rodovias brasileiras convivem com pedágios desde os anos 70 do século passado. Fazer o mesmo com praças, parques e jardins sem cobrar ingresso, mas viabilizando outros meios de captação de recursos, pode não só assegurar adequada manutenção de tais bens como possibilitar uma melhor destinação dos recursos sempre escassos do poder público. O Jardim de Alah pode ficar melhor, mais atraente e bem cuidado sem onerar os cofres da municipalidade. A proposta apresentada nos tira da zona de conforto e o projeto encanta. Só falta agora fazer acontecer.

*Arquiteto e urbanista

 

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