Por: Vicente Loureiro

Cidades de bem com a vida

Imagem aérea da região de Duque de Caxias, após as chuvas | Foto: Eduardo Anizelli/Folhapress

Existem, nas grandes cidades brasileiras, sobretudo naquelas localizadas em regiões metropolitanas, riscos implícitos de morrer à toa. Trata-se de um preço alto cobrado para se conviver nelas, tendo à espreita tantas mortes absolutamente evitáveis, como as causadas pela violência urbana, pelos acidentes de trânsito e pelas catástrofes ambientais. Ou mesmo aquelas que poderiam ser evitadas se houvesse uma distribuição adequada de espaços para a realização de atividades físicas, tão importantes na prevenção de doenças que encurtam a vida.

Assaltos, feminicídios, tiroteios entre polícia e bandidos do tráfico ou da milícia, chacinas, guerra entre traficantes, etc., são formas de expressão da violência que têm ceifado cada vez mais vidas nas cidades. Sem perspectiva de redução no curto prazo, confirmando na prática que a estratégia utilizada para conter a criminalidade não tem dado conta do recado. Muito pelo contrário, fazendo, na opinião de especialistas, aumentar a letalidade dos delitos e a sensação de insegurança da população.

Nos acidentes de trânsito ocorridos dentro do perímetro urbano das cidades, são contabilizadas muitas mortes todos os anos, infelizmente com viés de alta. A maioria delas também evitável, pois não só é possível reduzir os atropelamentos de pedestres e ciclistas provocados por veículos em alta velocidade, como também é viável mudar o comportamento incivilizado de motoristas que insistem em desrespeitar as leis de trânsito, não só as que limitam a velocidade, mas também as que proíbem avanço de sinal, dirigir embriagado, entre outras. Aumentar a civilidade e a urbanidade no trânsito significa poupar vidas. Simples e direto assim.

As últimas chuvas, recorrentes em todos os verões, também causaram mortes que poderiam deixar de ter ocorrido , se a manutenção da infraestrutura e dos equipamentos destinados ao funcionamento da drenagem urbana fossem realizadas a contento. Ações de desobstrução de galerias e de rede de águas pluviais, incluindo a limpeza de bueiros e a dragagem de rios e canais, não evitariam as enchentes já que choveu muito e por quase 15 horas ininterruptas. Certamente não teríamos contado tantas vidas perdidas e nem bens materiais irremediavelmente destruídos. Manutenção preventiva associada ao trabalho articulado e permanente da Defesa Civil precisa ganhar priorização política merecida. Faz tempo e está provado ser possível conviver com os impactos das catástrofes ambientais sem necessariamente repetir tanto sofrimento e prejuízos.

A pandemia deixou mais evidente o que já se sabia. Existem poucos espaços públicos, sobretudo nas periferias e áreas mais pobres das cidades, onde as pessoas possam fazer exercícios regulares ou praticar esportes, como forma de reduzir a incidência dos efeitos sobre a saúde das doenças coronarianas, da diabetes, da obesidade, entre outras, responsáveis por um bom número de mortes prematuras, além de causadoras de sequelas, muitas vezes comprometedoras da qualidade e expectativa de vida.

É possível fazer com que não se morra tanto à toa ou estupidamente nas cidades. É trabalhoso e muitas vezes complicado, pois envolve esferas e atores distintos de governo, a própria população, seu estilo de vida e comportamento. Para tanto, será necessário mudar o modo de olhar para os indicadores que costumam medir a qualidade de vida delas. Boas para se viver de fato serão aquelas onde cuidar da vida das pessoas será a forma mais eficiente de retardar a morte. A qualidade de vida deverá ser medida por uma equação que conjugue longevidade com segurança de viver em paz e de bem com a vida.

*Arquiteto e urbanista

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