Por: Vicente Loureiro*

Cidades no País das Maravilhas. Quanto menos gente, mais imóveis nas cidades

Segundo o Censo, mesmo diminuindo o número de novos habitantes, há cada vez mais imóveis construídos na cidade. | Foto: Unsplash

As cidades brasileiras estão vivendo o dilema do personagem título do livro "Alice no País das Maravilhas". Bebendo o elixir que faz reduzir o crescimento demográfico, em algumas já negativo, e comendo, ao mesmo tempo, o bolo que as faz ficar cada vez maior. Vivem um dilema e não podem contar com a ajuda do Coelho Mágico para lhes livrar dos contratempos dessa transição demográfica, bem vinda, porém, apimentada por expansionismo urbanístico mal ajambrado e renitente.

Os números revelados no último Censo demonstram um desenvolvimento errante das cidades. Neste século, ao mesmo tempo em que elas reduzem suas taxas de crescimento demográfico a níveis nunca vistos, chegando na última década ao menor patamar em 150 anos, algo em torno de 0,5% ao ano, elas também vêm praticando um crescimento expressivo do número de domicílios, chagando a ser quatro vezes maior que o da população durante os últimos 20 anos. Quer dizer que, mesmo diminuindo o número de novos habitantes, elas seguem produzindo cada vez mais imóveis.

O problema é que nossas cidades não estão no País das Maravilhas e essa situação demográfica e urbanística inédita exige uma nova forma de lidar com os impactos de se crescer de tamanho, enquanto se vê reduzir o incremento populacional. Os modelos de gestão vigentes na maioria delas seguem recomendando ou aceitando que elas alarguem suas roupas, mesmo diante das evidências que seus corpos começam a diminuir. Caso não se ajustem, a tendência é piorar.

Os números falam por si. Entre 2000 e 2022, a população brasileira cresceu 15,4%, passando de 175,9 milhões para 203 milhões de habitantes. No mesmo período, o número de domicílios recenseados pulou de 54,2 para 90 milhões de unidades. Um salto de 66%, quatro vezes mais que expansão demográfica verificada. Todavia, o pior é que, desse incremento de 27,1 milhões de habitantes verificado no período, 9 milhões deles engrossaram as favelas, que acusaram crescimento populacional de 125% — 1/3 do total.

Há diversos fatores sociais e econômicos interferindo nesse recente fenômeno "encolhe, mas estica" das cidades brasileiras. O mais grave deles é o modelo de desenvolvimento concentrador de renda e de oportunidades. Responsável, em última análise, pela quantidade de pessoas morando em favelas ter aumentado tanto e a quantidade delas mais do que dobrado no período. Também não podem deixar de ser consideradas as mudanças de comportamento da sociedade, expressas no aumento da expectativa de vida, com mais gente vivendo só, entre outros, e representados, sinteticamente, pela redução do número de pessoas por família, constatado a cada Censo, a ponto de cair de quatro para três membros em 30 anos.

Será preciso saber tirar partido da redução da pressão demográfica, já em curso sobre as cidades, para que se possa reduzir as desigualdades ainda tão presentes nelas. Não há coelho e nem poções magicas na prateleira. Quem sabe a adoção de planos de investimentos de médio e ineterrupto prazo não seja capaz de torná-las melhor e mais prósperas para todos. A demografia está jogando a favor.

*Arquiteto e urbanista

 

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