Por: Leandra Lima

As máscaras e o silenciamento da Cidade Imperial

História e memória andam juntas e quando não há registros de ambos, é como se algo nunca estivesse existido | Foto: Leandra Lima

Por Leandra Lima

Memória é a capacidade de resguardar acontecimentos, sentimentos e lembranças. Na arte ela pode se transformar em um monumento ou em outras formas de celebrar os feitos de uma pessoa ou um grupo. Na sociedade ela é uma ferramenta que ajuda a construir a identidade de um indivíduo e do coletivo, pois serve como parâmetro para o futuro. História e memória andam juntas e quando não há registros de ambos, é como se algo nunca estivesse existido, esse conceito reflete muito na construção de Petrópolis que, desde seu nascimento, trabalhou para esconder todas as marcas e contribuição do povo preto na criação e pavimentação da região.

A cidade de Pedro é lembrada até hoje pelas características imperiais, foi planejada em 1843 pelo Major Júlio Frederico Koeller e logo se tornou o "xodó" da coroa e, consequentemente, seguiu encantando a elite social do Brasil e diversos presidentes da República. Amar a cidade foi fácil para eles, já que a intenção do Major foi justamente apagar da memória o passado escravista e ressaltar suas descendências alemãs e portuguesas que se é visível em quase toda esquina do centro histórico, através de marcações e monumentos contando orgulhosamente sobre o passado.

Todo esse processo contribuiu para o apagamento e invisibilidade dos negros, a doutora em Educação, Renata Aquino, e o Professor da Universidade Federal do Ceará, Henrique Cunha Junior, afirmam no projeto "Cidades Negras - Petrópolis Imperial/Revista Ambivalências", que Petrópolis é um exemplo da maquete para testes de aplicação da teoria do embranquecimento, em que são negadas de forma ideológica as atividades econômicas da região, tornando invisível a existência de população de maioria afrodescendente. Os pesquisadores ressaltam ainda que a ideologia de colonização alemã como solução para o Brasil, explica a imigração alemã para a referida cidade, e também permite compreender a distorção sobre as origens populacionais e econômicas do lugar.

Invisibilidade

A partir desse cenário é possível compreender que muitos espaços ao redor do que se é conhecido na pólis, sofreram total apagamento, como a região onde está localizado o Palácio de Cristal, que antes mesmo da colônia foi um quilombo central, porém não existe registro algum na instalação sobre tal fato. Lá o único monumento presente, fala da primeira missa realizada no local em celebração à chegada dos colonos alemães.

A doutora em Educação, Renata Aquino, traz em sua tese de doutorado "Afroinscrições em Petrópolis: história, memória e territorialidades", de 2019, um relato do artista e paisagista, Jean Baptiste Binot, no jornal "Parahyba", que registrou a existência de área cultivada, estrutura agrária e formação de uma sociedade organizada e liberta, antes de 1838, em terras onde ainda não eram demarcados os limites territoriais de Petrópolis, hoje, o Palácio de Cristal. Segundo a autora, não afirmaram que era um quilombo, pois atestariam contra o poder do Império. Esse dado também pode ser encontrado no mapa de cartografias de presenças negras no site do Museu de Memória Negra de Petrópolis.

No mesmo documento, Renata diz que "há a história que está nos monumentos, nas ruas, mas também há uma máscara da memória da cidade", que é perceptível, o Correio percorreu as ruas do Centro Histórico, passando por pontos turísticos, casarões e palacetes e constatou que cada um deles possuem uma plaquinha ou monumento que conta a história de barões, princesas, condessas, estudiosos e colonos. Apesar de ter muitos espaços que inicialmente eram formados por pessoas pretas como a Praça da Liberdade, Igreja do Rosário dos Homens Pretos, entre outros, não há muitos resquícios que demarcam o passado. O Palácio de Cristal resume bem o conceito de máscara da memória e o silêncio da 'Cidade Imperial'.

"Parece que até o tempo tá voltando! Para a era do colono, colombo, calombo espalhados pelo o corpo de tanto levar chibata, na corrida do ouro, onde corpos tinham dono, assassinos em massa ainda são estátuas na praça. Acha que é chato ouvir isso né, correntes, troncos, que papo ultrapassado já se passaram séculos. Só que o Palácio de Cristal era um Quilombo e a Bauern é a festa em cima de um cemitério", trecho de uma poesia declamada pelo o artista petropolitano, Topre, na Flipetropolis em maio de 2024.