Herança e protagonismo de mulheres negras em Petrópolis

Luta pelo reconhecimento da memória é símbolo de sua resistência

Por Leandra Lima

Lideranças do Quilombo do Tapera participaram da Marcha das Mulheres Negras que ocorreu em 2023 no RJ

'Quando uma mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela", essa frase dita pela filósofa Angela Davis, externa a força das mulheres negras em todos os âmbitos. Na história, principalmente no Brasil, existem diversos exemplos de guerreiras que lutaram pela proteção de seu povo. Até hoje, esse grupo se mantém firme em lutas que são invisíveis aos olhos da estrutura social enraizada em cima de falsas feitorias da colonização. Uma data que simboliza os feitos delas é o 'Dia da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha', celebrado no dia 25 de julho. A data foi instituída em 1992 e foi reconhecida pela Organização das Nações Unidas (ONU) como forma de reconhecimento e visibilidade das lutas dessas mulheres.

No Brasil, a celebração é uma homenagem a Tereza de Benguela, uma referência de resistência. Tereza, mulher africana, líder do Quilombo Quariterê, também conhecido por Quilombo Grande na região do Mato Grosso, combateu a opressão colonial durante o período escravista, no século XVIII. Rainha Tereza, como era conhecida, resistiu à escravidão até a sua morte. Histórias como essa existem em todo o território nacional, o problema é que as memórias são apagadas no processo de embranquecimento e construção das cidades e estados, como forma de negar ou minimizar o impacto dessas ações, nesse cenário, Petrópolis, a "Cidade Imperial", é boa em esconder e mascarar esses traços, porém existem muitas referências que lutaram pela a sobrevivência e dignidade dos seus.

Assim como "Rainha Tereza", Sebastiana Augusta da Silva Correia fundou um quilombo em meio a luta dos escravizados alforriados que viviam na fazenda Santo Antônio, em Petrópolis. A cidade tinha apenas quatro anos, quando a região hoje conhecida como 'Quilombo da Tapera' foi fundada. O Tapera era povoado por negros africanos puros e atualmente os descendentes mantêm a história e os conhecimentos vivos, com muita luta. A região passou por diversas tentativas de extinção, porém sobreviveram. As mulheres que lá vivem tiveram um papel fundamental nessa permanência, a diretora de Cultura do Tapera, Denise André Barbosa, ressalta que mulheres quilombolas são sinônimo de resistência. "Temos um papel imprescindível nas lutas, pelo território, preservação e transmissão dos nossos saberes. E hoje, nós, mulheres quilombolas, estamos ocupando mais espaços, almejando uma sociedade justa e igualitária, pois ainda existe muita invisibilidade ao redor das nossas causas. Sinto isso na pele todos os dias, assim como as outras mulheres aqui do Tapera", disse.

Visibilidade

Como uma maneira de colocar em pauta e trazer mais visibilidade para a comunidade Denise junto a Coletiva Feminista Popular, oficializou na Câmara Legislativa o 'Dia Municipal da Mulher Quilombola'. Agora, no município, além de comemorar o 'Dia da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha', em 25 de julho, também será celebrado a Mulher Quilombola.

Nesse sentido, Denise fala que o feito é uma forma de preservar a memória e a herança passada pelas mulheres frente aos tempos. "Passamos de geração para geração o cuidado que temos que ter com nossos pequenos. Aprendi com minha mãe e com minha sogra que para que nossos filhos cresçam fortes, precisamos ter muito cuidado com seu bem estar. Assim que nascem, apresentamos eles à lua, tem todo um ritual nos primeiros meses de vida. Aqui contribuímos juntas pelo desenvolvimento e educação de nossos filhos. Todos têm muito respeito pelos mais velhos", relatou.

Ela reforça ainda, a importância do estabelecimento da data em Petrópolis. "É necessário porque a nossa luta de resistência se entrelaça com a de Tereza de Benguela. Seguimos os mesmos passos, eu mesma, no momento, além de lutar para que as políticas públicas cheguem até nossa comunidade e realmente nos atenda, engajei também na luta pela titulação do nosso território. Não quero que as minhas sobrinhas cresçam com medo assim como eu cresci, quero que no futuro elas possam ter todos os direitos que a mim foi negado", ressaltou.

Resistência

Atualmente há uma quebra do silenciamento das vozes dessas mulheres, cada dia mais o grupo se fortalece e ocupa espaços antes inimagináveis, as mulheres do Tapera são exemplos vivos desse retrato. Ainda existe muita luta pela frente, porém o caminho está sendo traçado de forma inspiradora para as próximas gerações. Um termo que envolve a potência da fala de cada negra um dia silenciada é a escrevivência de Conceição Evaristo. Segundo ela, a palavra tem um fundamento histórico e ancestral, na geologia da ideia, sendo uma reversão da fala, quando as mulheres africanas escravizadas dentro de casa tinham que contar histórias para as crianças da "Casa Grande" e hoje, o sujeito mulher negra constroi uma história, que não é mais para ninar o da casa grande, e sim para incomodar. Para ela, é como se essa voz que foi silenciada e escravizada explodisse, tem uma voz coletiva que se rompe libertando as vozes escravizadas dentro da casa grande.

Denise toma essa verdade para si e movimenta toda a estrutura da cidade, fazendo com que o grupo se reconheça como parte importante da construção da região. "Sou uma forte liderança dentro da comunidade apesar de exercer o cargo de Diretora de Cultura, minha felicidade maior é saber que minha luta não está sendo em vão, assim como minha Tataravó Sebastiana resistiu os sofrimentos e injustiças na sociedade. Lutarei para que tenhamos o reconhecimento e a valorização da nossa história e do nosso futuro como população dentro da cidade, que insiste em negar a nossa existência e a importância dos nossos antepassados na construção dela, inclusive das nossas mulheres, pois elas eram as cuidavam da casa dos filhos dos escravocratas e ainda tinham que servir eles como mulher, não tinha nem o direito de cuidar e amar os próprios filhos. Então digo que enquanto eu existir lutarei bravamente não só para que os direitos de minhas sobrinhas sejam respeitados, mas, sim, de todas as meninas negras e, inclusive, quilombolas, para que elas tenham um futuro brilhante, quero ser uma representatividade para elas que um dia também serão grandes mulheres", frisou.