Agosto Lilás: vítimas enfrentam barreiras para denunciar agressores
A luta para não serem taxadas como culpadas pela violência sofrida
Por Leandra Lima
Em uma breve pesquisa no Google, quando se coloca o substantivo mulher, de sete características e definições, duas estão ligadas aos homens, como por exemplo: esposa e amante. Já o substantivo masculino, "homem" o que é evidenciado é a virilidade. Esse pequeno fragmento está conectado com a construção da visão do ser "mulher" criado socialmente. Qual menina nunca ouviu na infância que 'meninas devem se dar o respeito'; 'não use roupas curtas, tá pedindo' ou 'essa vai dar trabalho para o pai, quando crescer', é nessa estrutura que milhares de vozes são silenciadas em toda partes do mundo e principalmente no Brasil que, até 2019, ocupava o 5° lugar no ranking dos países que mais matam mulheres.
Esse fato só reforça que a cultura do silêncio em torno do sofrimento feminino, ainda é muito forte nos dias atuais, além de reforçarem que os estigmas criados em cima do patriarcado desde séculos passados, continua a enclausurar mulheres. Todo esse sufocamento gera uma série de problemas relacionados à violência contra o grupo em diversas camadas sociais. Em 2023, de acordo com os dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, cresceram todos os tipos de violência contra a mulher. O levantamento aponta que houveram denúncias de 258.941 vítimas de agressão, 38.507 casos de violência psicológica, 77.083 de stalking, 778.921 de ameaças. Houve também 8.372 vítimas de tentativas de homicídio e 2.797 de feminicídio.
Silenciamento
Os números demonstram que há a possibilidade de terem mais casos, já que os contabilizados foram somente os denunciados. Esse ponto faz refletir ainda mais sobre o silêncio, medo e vergonha entrelaçados à violência, que muitas mulheres passam, e isso está muito mais conectado aos conceitos sociais e a situação que elas se encontram do que com suas próprias vontades. Em meio ao ciclo de violências, algumas ainda escutam frases que as fazem duvidar do próprio caráter, como por exemplo: "Ele é tão bonzinho, não faria essa malvadeza, o que você fez para o menino agir assim?"; "estou te educando, mulher! como eu te amo isso é apenas uma correção, entende?"; "Casou uma vez e pronto, seja o que for tem de aguentar até a morte nos separe", entre outras.
Essas são as frases mais ouvidas por mulheres, ditas pelos respectivos parceiros, lendo algumas delas uma mulher petropolitana, de 39 anos, que desejou não ser identificada, relembrou os episódios de violência que sofreu durante 20 anos dentro do casamento. "O som, a entonação, o cinismo consigo lembrar com detalhes principalmente quando o genitor da minha filha, chegava bêbado e repetia as palavras 'você não é ninguém, é horrorosa, feia, mole, tudo de ruim', enquanto me batia. Naqueles momentos em que recebia diversos golpes na cabeça, peito, costas, só pensava na minha filha que na época era uma criancinha, não tinha forças para levantar. Aguentava tudo até ele se satisfazer e me deixar em paz", relatou.
Narrando sua história a vítima contou que, morava com o ex-marido, pai de sua única filha em um terreno da família do homem, onde todos sabiam do drama vivido por ela, mas não a ajudavam e, sim, davam conselhos para não denunciar, pois o marido era bom, mas a bebida mexia com ele. "Isso me marcou demais, todos ali sabiam que eu apanhava todos os dias. Em uma manhã de sábado, me lembro como se fosse hoje, minha filha tinha ali seus 10 anos, foi até a casa do avô, que era ao lado da nossa, pedir um remédio de dor para me dar, ele por sua vez perguntou pra quê e falou que eu teria que aguentar, já que briga de marido e mulher não se mete a colher. Depois de ouvir isso, minha filha parou de falar por uma da semana, acho que nesse tempo foi onde ela perdeu a visão de herói que tinha do pai e do avô. Nunca mais tratou eles da mesma forma", contou.
A mulher conta ainda que a partir da mudança da filha, o ex-cônjuge batia nela com mais frequência, como uma punição por "desmascarar" ele para a filha. Com isso a menina entrava na frente, mordia o pai para proteger a mãe, porém o que um corpinho tão pequeno poderia fazer.
"Minha filha não morava comigo fixamente, ela só vinha passar os finais de semana, ela ficava com a minha mãe em outro bairro, então sábado e domingo era meu e dela e do pai, que fingia me amar muito nesses dias, mas quando ela começou a conviver diariamente com a gente percebeu que o conto de fadas era na verdade um terror. Nisso fomos convivendo com medo e vergonha, uma vez ela foi tentar me defender e teve a cabeça cortada e levou cinco pontos, isso foi fruto de uma cotovelada que eu iria levar, mas ela entrou na frente, o pai não viu e a machucou. De caso em caso ela foi perdendo a alegria no olhar, até que chegou um dia que foi o meu fim como mãe, pois ela falou a seguinte frase: Mamãe se eu não tivesse nascido você não teria encontrado esse monstro, me perdoa a culpa é minha, não devia ter vindo para esse mundo", falou.
Ela continua a relatar os fatos. "Confesso que foi muito difícil para mim ouvir isso, aí tomei coragem denunciei e fui embora para minha mãe, porém o pai dela me convenceu a voltar para casa e retirar a queixa, me prometendo que nunca mais ele iria encostar em mim ou falar coisas nojentas sobre a minha aparência. Não durou muito essa promessa, na próxima semana lá estava eu, recebendo uma coça de bambu. Fiquei com vergonha de voltar para minha mãe, e quando contei para uma das minhas irmãs, que descobri recentemente que também sofreu anos na mão do ex-marido, ela me disse que a culpa era minha e que fui burra de denunciar, pois essa foi a forma dele se vingar. Depois disso não dei nenhum pio, sentia que a culpa era minha e que todos iam achar o mesmo, já que nem os parentes dele me ajudavam e a minha família achava que eu era burra, quem são os estranhos para me socorrer, estava sozinha nessa".
Coragem
Nesses momentos ela pensava o que poderia ser feito, como poderia escapar e tratar os traumas que ainda a perseguem. Nesse misto de sentimentos com a alma ferida, decidiu abandonar tudo e se mudar para casa da mãe de vez, o processo não foi fácil, mas o passo foi importante para libertação. "Uma coisa importante que acho que foi o meu maior aliado era o meu emprego, naquele lugar eu era a estrutura financeira, fui pai e mãe da minha filha, então de dinheiro não precisava dele, olhando para trás não sei o que me prendia a tal pessoa. Mas até eu descobrir isso sofri muito, assim que mudei para minha mãe contei para ela e minhas quatro irmãs o que estava passando, nessa conversa um fragmento fica preso na minha mente até hoje, a fala da minha mãe, que remete à uma daquelas que li: 'Ele é tão bonzinho, não faria essa malvadeza', neste momento não aguentei, tive um pequeno surto e tirei a roupa que estava cobrindo as minhas marcas e mostrei tudo, elas ficaram perplexas e depois choramos. É muito difícil ter que processar tudo e ainda carregar a culpa. Hoje vejo que a única coisa errada que fiz foi não ter me desvinculado dele antes, o resto fui vítima da malvadeza do homem", finaliza.
Como denunciar
As vítimas podem denunciar os casos de todos os tipos de violência, que inclui elas nas formas: física; moral; psicológica; sexual e patrimonial, em canais de ajuda da polícia militar, além de poderem buscar auxílio em sedes de assistência social dos municípios, para que sejam prestados assistência jurídica e psicológica.
Em caso de emergência, a recomendação é acionar o "Disque 180", exclusivo para receber casos de violência contra mulher. Outra forma, é registrar a ocorrência em uma delegacia especializada nesta jurisdição, que seria a "DEAM- Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher".